24 Mai 2017
Fez história o presidente estadunidense Donald Trump, ao viajar diretamente de Riad, Arábia Saudita, para Tel Aviv, em Israel. Nunca um avião oficial tinha feito a rota entre dois países, desde sempre inimigos. A viagem do vice-presidente Gore, em 1998, de Israel ao reino saudita, foi semente de esperança que logo secou. Mas agora, nas entrelinhas, os dois acérrimos rivais estão interessados em uma cautelosa revisão do plano de paz que os sauditas lançaram em 2002 com o príncipe Abdullah, texto que recuou e evoluiu seguindo as eternas turbulências no Oriente Médio. Trump levanta a voz sobre o Irã xiita, voa na primeira missão ao encontro dos sauditas e de Israel.
O comentário é do jornalista italiano Gianni Riotta, em editorial publicado por La Stampa. 23-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Três presidentes se arriscaram a visitar Israel apenas no segundo mandato: Clinton e Carter adiaram as suas viagens para quando o poder estivesse consolidado. Estreando no mundo em Riad e Jerusalém, Trump – assediado pelas investigações em casa, seguro de si no exterior – envia uma mensagem clara: o eixo da sua política vai seguir a rota que ele abriu. Os céticos ressaltam os mais de 300 bilhões de contratos para a defesa que os cofres sauditas vão levar para os Estados Unidos, as honras especiais – um site em quatro idiomas dedicado a Trump – da casa real, mas a política segue de perto as polêmicas.
Israel aprovou concessões aos palestinos para o desenvolvimento, em sinal de boa vontade, e o primeiro-ministro, Netanyahu, foi pressionado pela extrema direita a fim de dar força para Trump, que foi dialogar com o líder palestino, Abbas.
Trump, depois da eleição, abandonou várias posições problemáticas, o entendimento com Putin, a Otan “obsoleta”, o confronto com Pequim sobre Taiwan, comércio e moeda, o nariz torcido em relação a Merkel, que se tornou mão estendida para Gentiloni.
Na campanha eleitoral, ele falava de “Islã inimigo” e mandava para as urtigas meio século de diplomacia estadunidense para mediar entre Israel e palestinos. Com os sauditas, ele falou com tanta fleuma, que analistas como Anne Applebaum, do Washington Post, acusaram-lhe de infligir em Obama, “muito mole”. E o texto teria sido escrito, ao contrário, por um dos “duros” da equipe, Steve Miller!
Isso pouco importa ao sangrento presidente. Os discursos e a disciplina que ele conseguiu seguir na missão – cujas próximas etapas são o G7 na Sicília, o Vaticano com o Papa Francisco e a cúpula na Otan – colocam em banho-maria o Russiagate. O tom comum de Netanyahu e Trump, “esperanças de degelo”, faz vislumbrar um presidente pronto para jogar fora a retórica, quando ela atrapalha os seus planos.
Um sucesso tático na missão, também com o papa, e um resultado concreto do entendimento silencioso sauditas-Israel em detrimento de Teerã, o relançaria em Washington. A menção ao papel dos cristãos na paz do Oriente Médio, a visita ao Santo Sepulcro, se retomados com habilidade com o Papa Francisco, enterrando as discordâncias sobre emigração, direitos e clima, ajudariam o presidente nessa sua operação, muito complexa, de recuperação.
As dificuldades são muitas, o Irã acaba de eleger um presidente moderado, Rohani, e os iranianos são mestres de guerra assimétrica: o especialista Bilal Y. Saab escreve na revista Foreign Affairs que os bilhões de armas sauditas poderiam ser pouco eficazes em campo; é mais válida a ideia de uma Otan árabe, Estados Unidos e países aliados, parceiro influente para selar a paz com Israel, sem que surjam os fantasmas extremistas.
O nosso tempo frágil tem na instabilidade o seu inimigo principal. Trump, até agora, semeou confusão, e não liderança, até mesmo sobre o dólar e os mercados. Se a missão no exterior marcar um retorno à calma, isso seria um sinal a se apreciar.
Uma vez em casa, Trump terá de enfrentar os problemas que ele deixou para trás, e não vai ser fácil. É de se esperar que a primeira missão no mundo tenha lhe deixado claro que, na guerra de todos contra todos, em geral, todos perdem, incluindo ele próprio.
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Trump aposta na diplomacia das crenças - Instituto Humanitas Unisinos - IHU