Em entrevista ao Jornal do Comércio publicada na segunda-feira (27), o prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB) afirmou que a Prefeitura não tem competência para manter a gestão do Mercado Público, argumentando que o local está sujo e inseguro e listando como problemas o fato de fechar às 18h, não abrir nos domingos e não ter vida noturna. Para o prefeito, a solução para a questão seria a privatização do Mercado.
A reportagem é de Luís Eduardo Gomes, publicada por Sul21, 28-03-2017.
Em resposta às declarações do prefeito, a Associação do Comércio do Mercado Público Central (Ascomepc) se reuniu na manhã desta terça-feira (28) com os vereadores que integram a Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação (Cuthab) da Câmara de Vereadores. Os permissionários se opõem à ideia da privatização e querem apresentar ao prefeito uma proposta de que eles assumiriam as reformas que ainda são necessárias em razão do incêndio que atingiu o Mercado Público, em julho de 2013, em troca de a Prefeitura repassar a eles a gestão do local até 2021.
Eles apontam, porém, que até o momento o prefeito Marchezan não tem se disponibilizado a se reunir com os comerciantes e que só conseguem contato com o secretário de Desenvolvimento Econômico, Ricardo Gomes (PP). “A gente está tentando um diálogo com o prefeito Marchezan”, diz Ivan Konig Vieira, presidente da Ascomepc.
A recuperação total do prédio, com a construção de uma nova subestação de energia, uma cisterna para abastecimento de água contra incêndio, de 35 mil litros, como exige o Corpo de Bombeiros, e as demais obras de restauro estão orçadas em R$ 4 milhões.
Para liberar o Plano de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI) definitivo para o segundo andar do Mercado, os bombeiros exigem a construção de uma nova subestação de energia, de uma cisterna para abastecimento de água contra incêndio, de elevadores, reformas nas escadas rolantes, entre outras obras. “Sem a gente fazer as obras que contemplam o PPCI, os restaurantes aqui de cima não conseguem abrir”, diz Ivan.
Ministério Público e Prefeitura assinaram, ainda em 2013, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) exigindo um plano de recuperação do Mercado Público. O documento, porém, já foi renovado diversas vezes e, agora, o poder público tem um prazo até junho para apresentar um cronograma de recuperação.
“A Prefeitura diz que não tem dinheiro, com isso surgiu essa ideia de privatizar o Mercado. Nós, da associação, estamos fazendo uma proposta da gente fazer essas obras e, com isso, assumir a gestão do Mercado até 2021”, diz Ivan.
Os permissionários dizem que se comprometem a assumir o custo das obras por não ser um valor que precisaria ser pago em uma única parcela, em troca da gestão e também de que a Prefeitura se comprometa a assumir um passivo trabalhista, na casa dos R$ 700 mil, gerado pelo não pagamento de direitos trabalhistas a funcionários terceirizados demitidos no passado e que hoje está sendo cobrado da associação.
“A gente soluciona os problemas do Mercado, do PPCI, dos permissionário, da Prefeitura. Por que uma PPP com uma terceirizada se pode fazer conosco aqui?”, questiona o presidente da associação, que é proprietário da banca Costelão do Mercado.
Primeiro secretário da Ascomepc e diretor do Café do Mercado, Clóvis Althaus Junior defende que a autogestão do Mercado pelos permissionários traria uma solução mais rápida para os problemas e não teria as consequências indesejadas de uma privatização em que a administração do Mercado ficasse por conta de uma grande empresa administradora de shoppings ou de rede de supermercado, que estariam interessados na privatização.
“A gente não tem ideia do que uma privatização, seja qual formato que venha a ser, pode trazer de consequências na questão social, na medida que a gente emprega aqui 10 vezes vezes mais por metro quadrado do que a rede varejista de Porto Alegre, e nós somos reguladores de preços aqui no Mercado Público. Se vier para cá uma administradora que já tem outras lojas, a tendência é que pratique o mesmo preço que pratica nas outras. Portanto, some esse ‘problema’ que essas empresas têm de ter que equiparar os nossos preços”, diz Clóvis. “Sem contar que quem conhece o Mercado são os mercadeiros. Nós trabalhamos 12 horas por dia há 20, 30, 50 anos. Alguns estão na terceira ou quarta geração. Não é de um dia para o outro que uma empresa que gere shoppings ou supermercados vai conseguir administrar o Mercado Público”.
Ivan ainda pondera que, até 2006, a gestão do Mercado era de responsabilidade dos permissionários e, segundo ele, funcionava melhor do que hoje. “A associação fazia esse serviço e era um Mercado limpo, era lavado, era encerado, tinha segurança, enfim, funcionava. E hoje o Mercado está um pouco deficiente nesses serviços”, diz.
Vereadores apoiam autogestão
Presidente da Cuthab e ex-secretário municipal de Indústria e Comércio (Smic) durante o governo de José Fortunati (PDT), o vereador Dr. Goulart (PTB) reconheceu que o atual modelo de co-gestão entre Prefeitura e permissionários não deu certo e que a recuperação do incêndio, que ocorreu quando ele era secretário, está muito devagar.
Posicionando-se a favor de repassar a gestão integral do Mercado aos permissionários, disse que a Cuthab agora irá buscar um diálogo com Marchezan e com secretários para “saber o que eles estão pensando a respeito do nosso mercado para ver de que maneira nós podemos ajudar”. De outro lado, apesar de integrar a base do governo, foi veemente ao falar sobre a possibilidade de privatização.
“Não sou a favor da privatização que entrega a um grupo particular a gestão. Primeiro, porque não tem nexo. Nós temos aqui o grupo dos donos das bancas. Eu sou a favor da autogestão. Eles cuidando do seu material gastam menos e atingem melhor e mais rápido os objetivos. A proposta da comissão é um processo de autogestão acompanhado pela Prefeitura”, afirma.
Também assumiram posição de defesa desse modelo quatro dos cinco membros da Cuthab, os vereadores Fernanda Melchionna (PSOL), Roberto Robaina (PSOL), Gilson Padeiro (PPS) e Marilia Fidell (PTB), os dois últimos suplentes que assumiram temporariamente nesta semana as cadeiras de Wambert Di Lorenzo (PROS) e Luciano Marcantônio (PTB), respectivamente.
“A pauta que o Marchezan trouxe ontem, de privatização do Mercado, é tremendamente agressiva contra os interesses públicos e contra a cidade. Não faz nenhum sentido privatizar o Mercado”, diz Robaina. “Os permissionários têm uma proposta de melhoria do Mercado, estão dispostos inclusive a investir seus próprios recursos. Todos sabem que, depois do incêndio, o poder público não fez o que tinha que fazer, mas, apesar disso, os permissionários querem continuar”, complementou, salientando que defende o modelo de autogestão com garantia de controle pelo poder público.
A única voz dissonante foi do vereador Valter Nagelstein (PMDB), para quem a responsabilidade pelas obras de restauro do Mercado devem ser da Prefeitura. A partir disso, ele defende que seja contratado um estudo para avaliar as potencialidades e fraquezas do local e se o atual tipo de comércio que atua ali precisa ser mudado ou não. Ele defende, por exemplo, que o local abrigue exclusivamente atividades comerciais e não escritórios, como ocorre hoje.
“Qualquer caminho que seja eleito daqui para frente, mesmo que seja o caso de privatizar a administração do Mercado, tem que ser feito na modalidade que ofereça a todos a mesma possibilidade. Ou seja, tanto a Ascomepc quanto a empresas que sejam especializadas na administração de espaços com o Mercado”, diz. “Mas isso tem que ser discutido mais para frente, para mim o que está em pauta agora é concluir o Mercado Público, concluir as obras que têm pra fazer. Obviamente, é a Prefeitura que tem que fazer isso”.
Apesar de também ter sido secretário da Smic na gestão Fortunati, Nagelestein reconhece que “quatro anos de Mercado fechado é um absurdo”.
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Porto Alegre. Contra privatização, permissionários querem assumir reforma e gestão do Mercado Público - Instituto Humanitas Unisinos - IHU