06 Março 2017
Um ano depois do assassinato da coordenadora geral do Conselho Cívico das Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH), sua filha, Laura Zuñiga, fala sobre a investigação da morte de sua mãe e seu legado na luta ambiental.
A entrevista é de Ezequiel Sánchez, publicada por Página/12, 03-03-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Eis a entrevista.
Hoje faz um ano do crime contra sua mãe, Berta Cáceres. Qual é a situação da investigação?
Depois de um ano, há sete pessoas detidas, entre os quais militares e trabalhadores (da empesa de Honduras). DESA, a construtora da represa Agua Zarca. Mas com um processo tão frágil e questionável, estamos preocupados que, após dois anos, os autores do crime acabem impunes. E em relação aos mandantes, não vimos progressos. Para que haja justiça e que isso não se repita, as pessoas ricas que planejaram e pagaram pelo assassinato têm que estar na cadeia. Por outro lado, a concessão da represa continua. Por mais que agora a construção esteja parada e os patrocinadores tenham suspendido temporariamente a verba, a empresa continua presente na comunidade. Continua a estigmatização e a perseguição judicial ao COPINH. Alguns companheiros da comunidade de Río Blanco foram criminalizados. O novo coordenador geral sofreu seis atentados e continua recebendo ameaças. E também foram regulamentadas leis retrógradas, como a Consulta Prévia Livre e Esclarecida, que tira o poder das comunidades de decidir sobre seu território e concede ao Estado, contradizendo o artigo 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que está acima da Constituição.
Que outros fatores tornam a investigação questionável?
Haviam muitas irregularidades desde o início. Desde 2013, há trinta e três ameaças relatadas na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A grande maioria relaciona-se à empresa DESA, que só começou a ser investigada onze dias após o assassinato. Antes mesmo de levarem o corpo de minha mãezinha, já se falava em um crime passional ou por disputa de poder em torno do COPINH. A declaração de sigilo ao resumo da causa nos deixa totalmente fora da investigação. Todas as informações que tínhamos vinham através da mídia, a ponto de nem mesmo os nossos advogados saberem os argumentos dos réus nas audiências. A família solicitou um perito forense renomado, mas não foi permitido que ele fizesse ou avaliasse a autópsia. O mexicano Gustavo Castro, que era a única testemunha, foi mantido ilegalmente em Honduras por um mês. Com o tempo, fomos também percebendo que a cena do crime havia sido manipulada e contaminada.
Com estas atitudes, qual é a parcela de responsabilidade do Estado?
O Estado tem muita responsabilidade. Primeiro, porque depois do golpe de 2009 aprovou uma série de pacotes relacionados ao extrativismo. Depois, há cumplicidade na criminalização de minha mãe e do COPINH. O Ministério Público a persegue e acusa de ataques contra a propriedade privada da DESA, sendo que a propriedade era comunitária. E, finalmente, no que diz respeito às medidas cautelares, não a protegem. Eles têm sido muito irresponsáveis em tudo o que já disseram, em culpabilizar a vítima por seu próprio assassinato. Também não devemos esquecer a cumplicidade dos bancos financiadores dos projetos de criminosos e violadores dos direitos humanos. A DESA gerou terror nas comunidades que confrontaram o projeto. Isto é real e continua acontecendo. Embora tenhamos falado do projeto da hidrelétrica, o crime da minha mãe não beneficia somente uma empresa particular, é algo mais estrutural. Diversas vezes avisaram-me que haviam assassinado minha mãe, até mesmo no dia do golpe. Na única rádio de El Salvador que podia ser sintonizada em La Esperanza, começam a apresentar uma lista de pessoas que haviam sido mortas. Minha mãe era a segunda ou terceira. Quando disseram seu nome, levantei meus olhos, a enxerguei e fui perguntar se não havia acontecido nada. Mas, da mesma forma, acabei conhecendo a função que ela desempenhava como parte do movimento social, o perfil que ela tinha. O COPINH e minha mãe sempre propuseram discussões fortes e inovadoras. O tema de uma Assembléia Nacional Constituinte foi fruto de muita discussão, mas saiu de lá. Não somente proporcionavam conquistas ao povo, alcançadas pelo COPINH no decorrer do tempo, mas também estimulavam o pensamento, a teoria, o movimento social.
Como você recebeu a notícia do assassinato?
É muito difícil ter clareza das coisas, eu estava negando. Depois é que fui começar a lembrar e relacionar as coisas. Quinze dias antes de seu assassinato, antes de nos despedirmos, minha mãe havia me explicado todas as ameaças que estava recebendo. Desde que me lembro, eu sempre estive ameaçada, nós crescemos naturalizando essas ameaças. Agora eu olho para trás e percebo que era uma possibilidade real. Mas naquela época, como era tão normal, não levava a sério. Porque ela sempre viveu assim. Eu cresci assim.
Como é ter crescido com uma mãe como Berta?
Acho que se cresce com uma convicção diferente, com outra visão de mundo. Nós crescemos em comunidades, brincando com as crianças, vendo diferentes problemas que as pessoas vivem. Minha mãe sempre nos ensinou a conviver com as pessoas e perceber o que está acontecendo. Eram sentimentos que uma pessoa não sabe como aliviar, o das injustiças do mundo. Mas também crescemos com a tranquilidade de saber que algo estava sendo feito. Estávamos dando à nossa mãe o tempo para lutar. Tempo que talvez pudéssemos demandar para nós. Os anos noventa foram a época em que o COPINH foi às ruas, quando se percebeu a necessidade de os povos indígenas Lenca se organizarem e serem vistos. Esse era o momento em que estávamos crescendo. Ela sempre nos tratou como parte do COPINH. Exigiu de nós, deu funções, abriu espaço para participarmos. Quando crescemos um pouco mais, ela sempre nos valorizava como pessoas políticas, capazes de pensar, de criar, de discutir. E sempre foi assim, não só conosco que éramos filhos, mas com todo mundo.
Como esta responsabilidade se traduz hoje em dia?
Uma coisa que minha mãe nos ensinou também foi a estar sempre alegre, ter esperança. Ter um projeto político plural, fazer parte de uma comunidade, pensando, lutando e agindo em conjunto sobre a realidade, é para mim umas das coisas mais bonitas. Participar de uma luta tão forte quanto a justiça de uma vítima de assassinato que, além disso, é minha mãe. Que as comunidades indígenas Lenca possam ter a sua própria voz e lutar contra um sistema violento de múltiplas dominações. É o que me preenche e me faz feliz. Minha mãezinha foi a Companheira Mãezinha, a Chefa Mamãe.
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"Continuamos a luta da minha mãe" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU