24 Setembro 2016
Que um Papa católico conceda uma entrevista a um meio de comunicação é um fato notável, dada a alta discrição em torno do cargo com a mais alta dignidade na Igreja católica. São poucas as oportunidades que as empresas jornalísticas tiveram de conversar, frente a frente, com um dos máximos hierarcas da espiritualidade que mais seguidores possui no mundo.
No caso do Papa Francisco, esta característica foi particularmente notória. Prova disso são suas contadas aparições midiáticas, desde que as chaminés da Capela Sistina deixaram ver a fumaça branca em sinal de sua eleição como substituto de Bento XVI, em 2013. De fato, a entrevista que é considerada a mais ampla e completa até o momento, o argentino a concedeu a outro religioso, a outro jesuíta como ele.
A peça jornalística se intitula ‘Papa Francisco: “Busquemos ser uma Igreja que encontra caminhos novos”’ e tem 27 páginas. O encarregado de fazer as perguntas foi o padre italiano Antonio Spadaro, atual editor-chefe da revista jesuíta La Civiltà Cattolica, uma das mais antigas do mundo, em circulação desde 1850. No cargo desde 2011, Spadaro começou a cobrir Francisco por acaso, já que o diretor dessa revista estava na Itália quando Jorge Mario Bergoglio foi eleito pontífice.
Essa entrevista lançou este siciliano de 50 anos ao estrelato católico, que começou a construir a estreita relação que mantém com o Papa quando publicou o livro ‘De Bento a Francisco, crônica de uma sucessão ao Pontificado’.
Spadaro, que também é conhecido porque cunhou o termo ‘ciberteologia’, conta que tudo começou com uma ligação de um número desconhecido. Era Francisco, que desejava lhe agradecer pelo que havia escrito.
“Para mim, antes, não interessava muito o que passava com o Vaticano ou com as políticas da Igreja, mas quando conheci Francisco percebi que ele é um grande líder internacional, que corresponde à definição que lhe foi dada por um de seus maiores amigos, um muçulmano, que disse que é um dos maiores líderes morais do mundo", comentou Spadaro a respeito das razões que o levaram a acompanhar Francisco em quase todas as partes.
A entrevista é de Alberto Mojica, publicada por El Tiempo, 22-09-2016. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Qual foi o momento mais impactante para você, durante a entrevista com Francisco, em 2013?
Todos os momentos. Passei três tardes com ele, nas quais tive a sensação de estar sentado sobre um vulcão. Tudo, sua forma de falar, sua forma de se relacionar comigo... Ele era muito amigável e, ainda que sempre senti sua autoridade, nunca senti distância alguma. Impactou-me muito sua definição da Igreja como um hospital de campanha que deve salvar vidas, não cuidar do açúcar no sangue ou do colesterol. Para ele, essas são coisas que a Igreja pode fazer depois, mas a prioridade é salvar vidas. Isto é muito forte, porque significa que ele vê o mundo como um campo de batalha, no qual a Igreja não deve julgar, mas curar, salvar, ser próxima das pessoas e não fazer questionamentos, sempre falando o mesmo idioma das pessoas, cheirar o mesmo que as pessoas.
Para muitos, o Papa Francisco revolucionou a Igreja católica e a forma como o mundo vê os católicos. O que você acredita que o torna tão especial?
Duas coisas: a primeira coisa é que ele é um ser humano e se mostra como tal. A segunda é sua enorme fé em Deus. É incrível porque quando alguém o vê é muito amigável e se percebe que está imerso em Deus e vive em uma atmosfera de oração. Ele confia em Deus e nunca está agastado com nada; diz que nunca se sentiu abandonado por Ele, desde que foi eleito papa.
Como Francisco viveu o processo de paz na Colômbia?
Eu não falei muito com ele sobre o assunto, mas fui testemunha do que fez em muitos lugares nos quais procurou ser próximo das sociedades feridas. Para ele é muito importante estar presente fisicamente nas situações onde há tensões, feridas e portas abertas. Gosta de tocar com suas mãos, como quando esteve em Belém, onde tocou o muro (a barreira israelense da Cisjordânia). Esse, por exemplo, foi um gesto forte para as pessoas que estavam lá. Fez o mesmo, recentemente, em Auschwitz. Ele gosta de tocar nos muros para curá-los, não só falando, mas com atos, assim como Jesus, que curava as pessoas com suas mãos.
Na Colômbia, há muitas feridas abertas e ele quer estar aqui, razão pela qual enviou o cardeal Pietro Parolin, que será seu representante durante a assinatura dos acordos, no dia 26 de setembro.
O que podemos esperar da eventual visita de Francisco?
Estou certo que virá, mas não sei exatamente quando, porque disse a um jornalista colombiano que após a assinatura do processo de paz viria a Colômbia. O que esperar da visita? Não sei, é uma surpresa. Percebi ao viajar com ele que é muito difícil conhecer todos os seus objetivos. Para ele, é muito importante estar em contato com as pessoas, estar nos lugares em que as feridas continuam abertas.
No que os jesuítas estão trabalhando nesse momento?
Em muitas missões e estamos abertos às diretrizes que recebemos do Papa, que é jesuíta. Dentro de alguns dias, teremos nossa congregação geral com delegados do mundo todo, e veremos. Este será um grande momento para entender nossa missão no presente. Temos o ideal de buscar e encontrar Deus em todas as coisas, o que significa que devemos estar abertos a todos os tipos de situações. Os jesuítas estiveram envolvidos no processo de paz na Colômbia e estamos procurando encontrar onde Deus está trabalhando para ajudá-lo a fechar rachaduras, curar feridas e derrubar muros. É aí que nós, jesuítas, devemos estar.
Você falou de ciberteologia. Do que se trata?
Em certo momento, pensei que se a teologia trata de pensar a fé, deveria saber qual foi o verdadeiro impacto da Internet em minha vida e soube que a cultura digital e os ambientes digitais mudaram minha forma de pensar e viver. Se estou aqui é porque estive em contato com muitos jesuítas através da Internet. Então, se a Internet tem um impacto em minha forma de pensar e a teologia é a forma de pensar a fé, a ciberteologia é a forma como a Internet tem um impacto em minha forma de pensar e viver a fé.
O Papa Francisco tem sido muito ativo nas redes sociais...
Sim, ainda que ele considere a si próprio um dinossauro tecnológico. No entanto, ao mesmo tempo, percebi que ele se sente muito confortável quando precisa fazer videochats ou falar utilizando ferramentas digitais, como os smartphones. Isto se deve ao fato que ele é muito pastoral, ou seja, sempre atua através da experiência das pessoas. Neste momento, estou editando todos os seus discursos de quando era bispo na Argentina e me dei conta que, há vários anos, ele falava sobre o walkman quando este era o top da tecnologia do momento. Ele é consciente da importância das novas tecnologias para se comunicar com as gerações mais jovens, mesmo quando ele não utiliza celulares, computadores, tablets, nada disso.
Acredita que todos os padres deveriam utilizar as redes sociais e as novas tecnologias?
Em geral, diria que não, mas, ao mesmo tempo, a missão da Igreja é estar onde as pessoas estão, e as pessoas estão nos ambientes digitais. Não é uma questão de uso, mas de estar aí. A Internet não é uma ferramenta, é um ambiente onde podemos melhorar nossas relações com os outros e nosso conhecimento do mundo.
Quais são os principais desafios para a Igreja hoje em dia?
Antes de julgar, devemos compreender o mundo, como as pessoas pensam e vivem. Devemos estar próximos das pessoas. Há uma expressão muito comum na Argentina, que foi dita muitas vezes pelo Papa, que não devemos ‘balconear’ [assistir da sacada] a vida, ou seja, devemos estar dentro das comunidades. O terceiro desafio é redescobrir, cotidianamente, a importância da espiritualidade, e esta é uma grande responsabilidade, porque costumamos considerar as pessoas, sobretudo os mais jovens, como superficiais, e isto corresponde a que talvez não conhecemos uma forma diferente de viver a espiritualidade.
Acredita que o futuro da Igreja católica está nas redes sociais?
Acredito que as redes sociais são um ambiente para as relações humanas, e a Igreja católica não tem que estar limitada a elas ou a sua lógica, que muitas vezes é muito frágil. Por exemplo, as redes sociais escolhem suas relações, porque não se é de todo aberto quando se está no Facebook, que escolhe seus amigos por você, e isto faz com que as pessoas vivam em bolhas. A Igreja católica precisa estar presente, porque é aí que as pessoas estão.
A Igreja na Colômbia disse que não apoiará nem o “Sim” e nem o “Não” no plebiscito, que não assumirão uma posição. O que o Vaticano pensa desta postura?
A Igreja católica tem uma visão do futuro, e o futuro é o diálogo e a reconciliação. É claro que a Igreja não pode se envolver em processos políticos, porque as sociedades precisam se congregar para encontrar o caminho para a solução de seus conflitos. Claro que a Igreja é a favor de qualquer processo de reconciliação e, se o processo é real, isto significa que deve ajudar a enfrentar dificuldades.
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Antonio Spadaro, o padre que acompanha o Papa em quase todas as partes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU