30 Mai 2016
O entendimento da ordenação hoje é diferente do entendimento da Igreja primitiva, ou o do século X, ou mesmo da Idade Média. Portanto, não há qualquer razão pela qual esse desenvolvimento na compreensão teológica não possa continuar hoje, e todos os ministérios ordenados não possam ser abertos às mulheres.
A opinião é do historiador e escritor australiano Paul Collins, mestre em Teologia pela Harvard University e doutor em história pela Australian National University. Foi padre católico durante 33 anos. O artigo foi publicado no sítio John Menadue – Pearls and Irritations, 17-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A Via di Santa Prassede é uma ruela perto da imponente Basílica de Santa Maria Maior, a igreja favorita do Papa Francisco em Roma. Mas há um edifício histórico muito significativo logo nas proximidades: a Basílica de Santa Praxedes, na viela que leva o nome da igreja. Ela foi construída por um papa odiado, Pascal I (817-824). Seria bom que Francisco, à luz da sua decisão de criar uma comissão para estudar a possibilidade de existência de diaconisas, dê um pulo na Santa Praxedes da próxima vez que ele estiver na área. Ele vai achá-la muito esclarecedora.
A Santa Praxedes é famosa pelos seus mosaicos deslumbrantes sobre o altar-mor e na pequena capela extraordinária de Zeno. Na luneta norte da capela, há quatro mulheres que, ao estilo bizantino, olham diretamente para você. A ligeiramente mais alta é Maria, com o véu azul. Ela está rodeada pelas irmãs Praxedes (à qual a igreja é dedicada) e Prudenciana.
Mas é a primeira mulher que se destaca. Ela tem um incomum nimbus (auréola) retangular em torno da sua cabeça, que significa que ela ainda estava viva quando o mosaico foi criado. Uma inscrição em letras douradas a identifica como "Theodo[ra] Episcopa", "Teodora, a bispa". Ela era mãe de Pascal I, mas não é por isso que ela era chamada de episcopa.
Episcopa significa "bispa", "presbítera" ou "anciã". Isso sugere que ela exerceu uma autoridade na Igreja equivalente à dos homens que tinham o mesmo título. O problema está em reconectar exatamente o que esses títulos significavam na época e que função Teodora cumpria.
Isso nos leva às diaconisas, um status muito mais humilde do que o de episcopa. O Papa Francisco recentemente participou de uma sessão de perguntas e respostas de improviso com 900 líderes de congregações religiosas femininas, durante a qual ele se comprometeu a estabelecer uma comissão para estudar as diaconisas. Ele admitiu que o papel das diaconisas na Igreja primitiva "era um pouco obscura" e perguntou a si mesmo: "Elas tinham a ordenação ou não?". Membros do Vaticano ficaram furiosos ou tremendo, ou as duas coisas, com essa última indiscrição papal!
As diaconisas remontam à Igreja do Novo Testamento. Paulo chama Febe de "uma diaconisa da Igreja de Cencreia" (Romanos 16, 1), e as evidências da existência de mulheres diáconos na Igreja primitiva são esmagadoras. O Instituto de Pesquisa Católica Wijngaards, do Reino Unido, fez uma enorme quantidade de trabalhos sobre esse assunto (www.wijngaardsinstitute.com/can-women-be-priests), e o seu fundador, John Wijngaards, tem diversos livros sobre o tema. Cipriano Vagaggini e Phyllis Zagano também fizeram muita pesquisa nessa área.
Fica claro, a partir de recentes trabalhos históricos, que o significado da ordenação mudou. Por exemplo, a evidência é esmagadora de que até o século X as mulheres atuavam em papéis que agora estão confinados aos padres do sexo masculino. Gary Macy mostrou de forma conclusiva que abadessas do sexo feminino eram ordenadas ao seu papel e exerciam funções sacerdotais. Macy diz que, de acordo com o entendimento da época, as abadessas "eram tão verdadeiramente ordenadas quanto qualquer bispo, padre ou diácono".
A implicação disso é que o significado da ordenação mudou. Se assim for, então, ele pode mudar de novo. Então, a carta apostólica Ordinatio sacerdotalis, de João Paulo II, de 1994, que afirma que a Igreja não tem autoridade para ordenar mulheres ao sacerdócio, não pode ser chamada de "infalível", apesar de ter sido reforçado pelo então cardeal Ratzinger que esse ensinamento tinha sido "proposto infalivelmente pelo magistério ordinário".
Não há nenhuma referência na Ordinatio sacerdotalis às diaconisas, o que leva Phyllis Zagano a argumentar que "a restauração das mulheres ao diaconato ordenado torna-se menos complicada", porque é "um regulamento, não uma doutrina". Eu não concordo muito com isso. O Catecismo da Igreja Católica diz de forma inequívoca: "Hoje, a palavra ordinatio é reservada ao ato sacramental que integra na ordem dos bispos, dos presbíteros e dos diáconos" (n. 1.538). Assim, a ordenação ao diaconato, na compreensão contemporânea, é uma ordenação sacramental. Mas Zagano está certa de que não há nenhuma referência a mulheres diáconos na Ordinatio sacerdotalis. Por quê?
A Comissão Teológica Internacional, instituída pela Congregação para a Doutrina da Fé de Ratzinger, tentou responder a essa questão e, depois de seis anos de deliberação, em 2002, "aprovou um documento inconclusivo", que, diz Zagano, argumentou que "diáconos do sexo masculino e feminino tinham papéis diferentes na Igreja primitiva" e que "o sacerdócio e o diaconato são ministérios separados e distintos".
A Comissão Teológica Internacional foi confrontada com provas irrefutáveis da existência de diaconisas na Igreja primitiva, que não podiam ser conciliadas com os ensinamentos do Catecismo sobre a ordenação. Então, eles disseram que as diaconisas não eram ordenadas no sentido contemporâneo. Mas o problema é que os diáconos do sexo masculino (assim como padres e bispos) na Igreja primitiva também não eram ordenados no sentido contemporâneo. Era por isso que a Igreja romana do século IX podia felizmente chamar Teodora de episcopa.
Para os reacionários vaticano de hoje, essa é uma terrível lata de vermes que, se for aberta, poderá levar para qualquer lugar, até mesmo ao questionamento da exclusão das mulheres, por parte da Ordinatio sacerdotalis, em relação ao sacerdócio. Para Gerhard Müller, atual prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, as diaconisas são a "ladeira escorregadia" que pode, no fim, levar às mulheres bispas.
O que pessoas como Müller não conseguem pensar é a noção de desenvolvimento teológico. O entendimento da ordenação hoje é diferente do entendimento da Igreja primitiva, ou o do século X, ou mesmo da Idade Média. Portanto, não há qualquer razão pela qual esse desenvolvimento na compreensão teológica não possa continuar hoje, e todos os ministérios ordenados não possam ser abertos às mulheres.
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A bispa Teodora, o Papa Francisco e as diaconisas. Artigo de Paul Collins - Instituto Humanitas Unisinos - IHU