24 Mai 2016
Harinder Kohli, director executivo do Fórum dos Mercados Emergentes, diz que a economia mundial e o seu sistema financeiro precisam de uma regulação completamente diferente.
Liderou um estudo do Fórum dos Mercados Emergentes que aponta para que, durante as próximas três décadas, a tendência de convergência das economias emergentes face às mais desenvolvidas se mantenha. E, de visita a Portugal para participar na 2ª Conferência de Lisboa realizada na Fundação Calouste Gulbenkian, Harinder Kohli explica porque é que está otimista em relação à evolução destes países, alertando contudo para a existência de riscos.
A entrevista é de Sérgio Aníbal, publicada por Público, 23-05-2016.
Eis a entrevista.
No vosso relatório apontam para a manutenção de um crescimento mais rápido das economias emergentes nas próximas décadas. Os sinais de fragilidade que têm vindo a ser dados pela China e outros países não o preocupa?
É verdade que todas as notícias publicadas sobre a China hoje em dia são negativas. Mas se a Europa como um todo tivesse um crescimento de 6%, isso seria negativo? A taxa de crescimento da China é de 6% a 6,5%. Já é a segunda maior economia do mundo. Na verdade, as más notícias são que o crescimento já não é de 10% como antes e que, além disso, o país está a consumir demasiadas matérias-primas. O resto do mundo está pedir-lhes para fazer menos poluição. Mais cedo ou mais tarde, o ritmo de crescimento da China tinha de baixar. Isto tinha de acontecer, o resto do Mundo estava a dizer-lhes que tinham de fazer isso.
E não é um sinal de que a convergência dos países emergentes está a chegar ao fim?
Não acredito nisso. A América Latina está em recessão, por causa essencialmente de três países, com culpas próprias, incluindo corrupção e desperdício de dinheiro: Venezuela, Argentina e Brasil. Mas vão conseguir sair da atual situação. Depois, em África, o crescimento baixou de 5% para 3%, por causa da queda dos preços das matérias-primas. Mas ainda é positivo. E há outros países: na Índia, o crescimento é de 7,5%, na Indonésia 6%, no Vietnam de 6%. No total, os mercados emergentes estão a crescer 5% ao ano. E prevemos que, no longo prazo, o ritmo de crescimento dos países emergente seja o dobro do dos países desenvolvidos, simplesmente porque são mais pobres, porque estão a investir mais, porque há mais espaço de manobra para o crescimento da produtividade e porque as suas políticas econômica são melhores do que eram há 20 anos. E ainda podem melhorar mais, desde que as suas populações assim o exijam.
E nas economias desenvolvidas?
Os Estados Unidos estão bem, com um ritmo de crescimento perto de 2,5%, vão continuar a puxar o resto do Mundo com eles. O Japão com um crescimento entre 1,5% e 2%, não está mal. O desafio é que a Europa tem de melhorar. Pensamos que o Mundo nos próximos anos pode crescer a uma taxa próxima de 3% e depois abrandar ligeiramente nas décadas seguintes, principalmente porque a China deve continuar a abrandar, à medida que forem ficando mais ricos.
Como é que a Europa pode melhorar?
A questão que eu coloco é: há apenas uma Europa? Os problemas na Alemanha não são iguais aos de Espanha, por isso a solução também não pode ser igual. Depois há a questão do excesso de poupança. A China tem sido muito criticada por causa disso, mas porque é que a Alemanha é protegida? A Europa não vai tratar desse problema? A Europa não devia aceitar aquilo que a Alemanha defende, que é não gastar dinheiro. Vai contra toda a teoria econômica. Há uma taxa de desemprego tão alta em Espanha que se torna evidente que esta devia ser altura de aumentar o investimento público. E a Alemanha devia reduzir o seu próprio excedente em vez de dizer a toda a gente para poupar.
Não vê o risco de ressurgimento de políticas protecionistas?
Deixando de parte a agricultura, nos outros produtos as taxas são baixas e não parece possível que se possa recuar nisso. Mas há outro tipo de protecionismo que pode aparecer. De agora em diante, os novos acordos comerciais já não são sobre proteger os produtores, são sobre proteger os consumidores, exigindo padrões de qualidade e segurança. Se é uma grande empresa, tem-se todos os recursos para garantir esse tipo de padrões. Mas, se está no Mali e se é um produtor de legumes, então não há recursos para isso. É para aqui que as negociações estão a ir. E é esse o receio: é que se não houver um novo acordo ao nível da OMC, então estes novos acordos entre os EUA e a UE vão ser o princípio de uma nova forma de protecionismo, onde os países mais ricos, incluindo a China e Índia, vão assinar acordos, mas os restantes 140 países do Mundo vão ficar de fora.
O que é que esses países podem fazer para contrariar isto?
Têm de tentar um acordo na OMC, mas desta vez têm de ser mais construtivos, têm de dizer que querem mesmo um acordo. E têm de criar um ambiente nas suas economias em que as empresas locais conseguem estar incluídas nas redes de valor globais.
Há o risco de um recuo da globalização?
Não digo que o risco seja zero, mas acho que não é muito alto. Nos últimos 60 anos, o que vimos é que os modelos económicos fechados e protecionistas não resultaram. Pelo contrário, países como o Japão, Coreia, Singapura e, mais recentemente, a China, é que economias abertas funcionam. Há questões de desigualdade e ambientais, mas as políticas têm impactos muito positivos. À medida que a Ásia for ganhando peso na economia mundial, eles vão resistir a qualquer tentativa de fechar a economia mundial. Porque vêem que esse é o caminho do sucesso. O perigo está nos países que há mais tempo beneficiam da riqueza, nos EUA e na Europa. Se eles recuarem, o que vai acontecer é que teremos a Ásia e outros a dizerem que querem a globalização, e os EUA e a Europa a dizerem que não. Será bastante estranho.
O descontentamento com a globalização nesses países é compreensível?
O problema não tem a ver com o crescimento. Nos Estados Unidos a economia está a crescer e estão a ser criados empregos. A questão é que muitas pessoas que perderam o seu emprego na crise, pessoas com mais de quarenta anos, não conseguem voltar a encontrar um emprego tão bom, porque não foram treinados. E estão frustrados. Tem de haver um esforço dos políticos para os trainar, educar, prepará-los para encontrar um emprego e, se isso não funcionar, garantirem uma rede social.
Preocupa-o a influência que a Reserva Federal norte-americana tem em todos os mercados emergentes.
Temos de aceitar que qualquer banco central, seja a Fed ou outro, tem de pensar naquilo que é o interesse do seu próprio país. Mas os bancos centrais que gerem divisas com sistematicamente importantes para o Mundo têm também de levar em conta o impacto que têm no resto do mundo. É o mesmo que acontece com a poluição. Isto aplica-se principalmente aos Estados Unidos, mas também é verdade para a China, para a a zona euro, para o Japão e, daqui a 10 anos, talvez para a Índia.
É por causa disso que diz que não temos instituições monetárias à escala mundial prontas para enfrentar uma crise?
É por isso e por mais uma série de razões. A estrutura do FMI está totalmente desactualizada, basta ver que o peso da Bélgica no FMI é maior do que o da Índia, apesar da economia indiana ser seis vezes maior. Depois há uma total falta de regras internacionais nos fluxos de capitais privados. Cada um pode fazer aquilo que quiser. São biliões e biliões e biliões de dólares geridos por entidades financeiras privadas. São valores muito superiores às reservas detidas pelos bancos centrais e muito superiores à capacidade do FMI para intervir. Se há algum país capaz de lidar com uma crise é apenas a China. Mas porque é que a China quereria ajudar Portugal ou a Espanha?
E qual é a solução? Um FMI maior?
Não lhe chamaria um FMI maior. O que é preciso é um sistema totalmente diferente, talvez com um FMI renascido. O Mundo precisa de um novo acordo de Bretton Woods. Em 2050, vai ter já 105 anos e actualmente já está desactualizado. Não podemos esperar mais 35 anos. As pessoas têm de se sentar e discutir o que é que tem de ser feito. É preciso um banco central global para regular os bancos centrais nacionais. E esse deve ser o credor de último recurso se a economia mundial entra em problemas graves.
A reforma que defende é muito ambiciosa, mas no FMI para se fazer uma reforma bem mais modesta tem-se assistido a muitas dificuldades. Não é um sinal muito forte de resistência à mudança dos EUA e da Europa?
Sim, é verdade. Se o poder tem de ser redistribuído dentro de um clube, quem resiste é quem detém esse poder. Neste momento, a dimensão da economia norte-americana é duas vezes superior à da Europa, mas a Europa tem duas vezes mais lugares no FMI. Ao mesmo tempo, a economia asiática já é três vezes maior do que a europeia. Por isso, para se mudar as coisas, a Europa tem de perder poder. E depois há a questão do dinheiro. E aí são os EUA que não querem colocar dinheiro no FMI, quando esse dinheiro está agora a ser usado na Europa.
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“O Mundo precisa de um novo acordo de Bretton Woods” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU