10 Março 2016
O ministro adjunto grego para os Assuntos Europeus, Nikos Xydakis, tenta passar um apelo ao realismo: se é isto o melhor que a União Europeia tem para oferecer aos refugiados agora, é preciso aceitá-lo. “Temos de respeitar a vida e os direitos das pessoas, mas, se formos demasiado legalistas, temo que deixemos estas pessoas sozinhas, fora da Europa e para lá de qualquer solução que lhes dê alguma segurança”, disse em Lisboa. Na proposta portuguesa de acolher 6000 refugiados para além da sua quota europeia, diz ter encontrado “um elevado simbolismo” que mostra “solidariedade e compreensão de que não se trata apenas de um problema de Grécia ou Itália”.
A entrevista é de Clara Barata, publicada por Público, 09-03-2016.
Eis a entrevista.
A solução apresentada pela Comissão Europeia na cimeira de segunda-feira…
Não foi pela Comissão Europeia, foi pela Turquia.
Exato, gostava que comentasse.
Há dificuldades. A Turquia propôs que por cada refugiado sírio que faça a viagem por mar ilegalmente, outro refugiado sírio que esteja em território turco seja recolocado num país europeu. Há problemas legais, mas em termos políticos pode-se explicar que queremos acabar com as rotas ilegais e criar vias legais e seguras para os refugiados. Temos de ver como é que vai funcionar, mas a ideia de acabar com o circuito ilegal está correta. Não podemos continuar a deixar passar os refugiados simplesmente de um país para outro – neste momento já não é possível, porque o caminho está bloqueado, na fronteira norte da Grécia. Há um encerramento de facto da fronteira. Se os refugiados continuarem a vir, ficarão bloqueados. Neste momento, há 17 mil pessoas bloqueadas em Idomeni.
Mas mesmo que este plano vá para a frente, ainda vai demorar a ser aplicado no terreno, portanto a Grécia ainda se vai encher de mais de gente…
Não, será o mesmo. Ontem fizemos um acordo de readmissão de imigrantes com a Turquia. As pessoas que não tiverem um perfil de refugiados serão reenviadas para a Turquia, de onde partiram…
Como é que é traçado esse perfil de refugiado?
Pessoas que venham de zonas de guerra. Há um conjunto de procedimentos, no serviço de asilo, têm tradutores…
E exclui os afegãos, por exemplo?
Não. À partida não serão consideradas refugiados pessoas provenientes da Índia, do Paquistão, de Marrocos, da Tunísia. Estas serão reenviadas dentro de poucos dias para a Turquia. A mensagem que queremos passar é: "Não o arrisquem a vida, não arrisquem o vosso dinheiro numa viagem perigosa no mar, não venham sequer para a Turquia." O segundo passo é pôr realmente a funcionar o mecanismo de recolocação dos refugiados, que não está a funcionar.
Uma dificuldade é que os sírios só querem ir para a Alemanha, não querem ir para mais nenhum país. Mas têm de compreender que não podem escolher. Se Portugal os aceitar, terão de ir para Portugal. É muito melhor ir para onde os aceitem do que tentar ir para o paraíso da Alemanha.
Vem falar com as autoridades portuguesas sobre a recepção de refugiados sírios (com a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques, e com a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa)?
Sim, temos um alto nível de entendimento e soluções práticas. O sistema de quotas está a funcionar com Portugal, mas, mais do que isso, o Governo português propôs um acordo bilateral à Grécia para receber 6000 refugiados. Isto é muito importante, tem um elevado simbolismo. Mostra solidariedade e compreensão, que não é apenas um problema da Grécia ou da Itália.
Vê alguma hipótese de o plano da Comissão Europeia e da Turquia avançar tal como está, com todas os alertas de ilegalidade?
Se disserem que este esquema não respeita os direitos dos refugiados, o que fazemos então? Nada? Ficamos à espera que chegue mais gente e os que lá estão ficarão numa tenda, debaixo de chuva, durante meses e meses. Quem é que os vai ajudar? Não sei. Temos um problema para resolver e apresentámos uma solução que é a mais justa possível. Temos de respeitar a vida e os direitos das pessoas, mas, se formos demasiado legalistas, temo que deixemos estas pessoas sozinhas, fora da Europa e para lá de qualquer solução que lhes dê alguma segurança.
E ficariam sozinhos e sem ajuda na Grécia…
Sim. Isto é uma boa ajuda para as pessoas que estão a viver no Líbano em enormes campos de refugiados, sem escolas, sem comida, sem ajuda nenhuma. Temos de pensar nisso. Já pensou nisso?
É muito difícil. O que tudo isto me leva a pensar é que temos de mudar o próprio conceito de refugiado, tal como foi concebido após a II Guerra Mundial, porque não o estamos a cumprir.
Sim. Está a iniciar-se uma discussão sobre o sistema europeu de asilo e devemos fazê-la rapidamente. É uma das prioridades. Não basta manter as fronteiras abertas, é preciso torná-las também eficientes. Não é possível que um refugiado só tenha direito a pedir asilo no primeiro país da União Europeia em que entra. Isto é um problema e não ajuda os refugiados. Ninguém quer pedir asilo na Grécia. Toda a gente quer ir para a Alemanha [A Comissão Europeia deve apresentar um relatório sobre a reforma do regulamento de Dublin a 16 de Março, antes da próxima cimeira, marcada para dias 17 e 18].
O verdadeiro problema é repensar e reorganizar o sistema europeu de asilo. Há ideias de alguns Estados acerca de um sistema pan-europeu, em que quando um refugiado pedisse asilo, dir-lhe-iam qual o país da UE que o poderia acolher. Todos querem ir para a Alemanha, mas isso é impossível. Se quiser asilo na UE, não poderá escolher.
Como vê a posição da Alemanha nesta crise – no ano passado, ao abrir as portas aos refugiados, e agora, quando a UE tenta fazer o contrário e fechar portas?
Oficialmente, a Alemanha não quer fechar as portas. Na prática, acho que poderia aceitar mais refugiados. Teria essa capacidade, mas não o conseguiria fazer de uma forma organizada, e por isso não quer. Têm esse direito. É aqui que estamos. A Alemanha – a chanceler Merkel, o que está em causa é a vontade desta pessoa – quer uma solução europeia de uma forma civilizada e organizada, e nós apoiamo-la neste tema.
E quanto à posição assumida pelos países do Grupo de Visegrado e pela Áustria, que em conjunto com os países balcânicos fecharam efetivamente as fronteiras a norte da Grécia?
Isto é um exemplo típico de uma ação unilateral tomada contra o que o foi decidido em comum. Nos últimos cinco ou sete meses, alguns Estados não têm respeitado as decisões que foram tomadas no Conselho Europeu. Gerou-se um novo problema sobre o que já existia e que põe em causa a integridade da UE.
Acha que vão mudar de posição?
Eles acham que vão conseguir uma solução de curto prazo. Mas, após dois ou três meses de fronteiras fechadas a arame farpado, deixa de haver soluções.
Até os países bálticos estão a reforçar o controlo nas fronteiras…
Os bálticos? Estão com receio que [os refugiados] venham através da Rússia? É um grande passo atrás na História. A Europa esforçou-se muito durante 60 anos para construir um espaço europeu para o comércio, para os cidadãos, para as ideias, para a comunicação. Se começamos a erguer muros com arame farpado nas fronteiras, estamos a regressar aos tempos de antes da II Guerra. E na Europa de Leste estamos a construir de novo uma Cortina de Ferro. Estamos a reconstruir uma era e um espaço de guerra. Isto não é o que precisamos, nem o que queremos para a Europa. Se os países bálticos ou de Visegrado querem regressar aos tempos da II Guerra, nós não os seguiremos.
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“Se formos demasiado legalistas, temo que os refugiados fiquem fora da Europa” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU