A reflexão é de Penha Carpanedo, cddm, religiosa da Congregação Discípulas do Divino Mestre, membro da Rede Celebra. Ela coordena o serviço de redação da Revista de Liturgia e atua na formação litúrgica das comunidades e nas Escolas de Liturgia, na perspectiva da iniciação cristã.
Referências bíblicas
2 Re 4,42-44 – comerão, e ainda sobrará.
Sl 145(144) – saciai os vossos filhos ó Senhor.
Ef 4,1-6 – Há um só corpo, um só Senhor, uma só fé, um só batismo.
Jo 6,1-15 – Distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam.
No domingo passado, ouvimos do Evangelho de Marcos o inicio da multiplicação dos pães. A partir deste domingo, continuamos a ouvir sobre este grande gesto de Jesus, mas de acordo com a narrativa de João, que dedica todo capítulo 6 ao milagre da multiplicação dos pães e do seu significado para os discípulos e discípulas de Jesus.
Tudo é muito simbólico no Evangelho de João. O texto de hoje (Jo 6,1-15) começa dizendo que Jesus atravessa o mar da Galileia, que é região pobre, mantida por latifundiários, certamente à custa do trabalho escravo dos excluídos daquela sociedade.
Atravessar, para Jesus, é um movimento de saída, que implica mudança de olhar, possibilidade de ver as coisas de outra perspectiva. Sair do lugar estreito para um mais largo, que permita uma visão de conjunto. A montanha também é simbólica, é o lugar do deserto de Jesus, assim como a festa da páscoa que estava próxima. Deserto e páscoa, evocam a experiência da travessia do povo de Deus pelo deserto, a saída de uma situação de escravidão, para a terra da liberdade.
Do alto da montanha, sentindo a proximidade da grande festa da páscoa, Jesus levanta os olhos e enxerga a multidão. E logo toma a decisão de oferecer uma refeição, num gesto de extrema generosidade e gratuidade.
Felipe acena para a dificuldade da comunidade, para a impossibilidade de ajudar. É uma atitude comum. “infelizmente não podemos fazer nada”. Porque logo pensamos que é necessário muito dinheiro...
A solução vem de um menino, sem nome, que num gesto despojado coloca à disposição seus cinco pães e dois peixes. Muito pouco, mas o suficiente para tornar possível o que parecia impossível. É daí que Jesus parte.
Jesus toma nas mãos, estes pães dos pobres (pães de cevada) e estes peixes, sem dependência do dinheiro. Fica evidente que, com os critérios do sistema torna-se impossível saciar a fome dos pobres. O poder público lida com somas imensas, mas quase nunca direciona esses recursos para resolver, de fato, o problema do povo. Só um povo consciente e mobilizado, terá força para vencer a fome e a desigualdade.
Estes pães e estes peixes são um dom de Deus, como o foram o milagre do maná no deserto e o milagre de Eliseu [na primeira leitura desde domingo]. Mas o evangelho deste domingo nos convida a ir além do sinal. O milagre da multiplicação dos pães aponta para o milagre da transformação da comunidade. De tal maneira que o gesto da partilha se converteu num gesto pascal. Ao partir o pão descobriam a presença do Ressuscitado revigorando a comunidade na missão e no serviço (Lc 24,13-35).
De fato, este gesto do pão compartilhado evocava para a comunidade das origens as muitas ceias que Jesus fez para expressar que o reino de Deus havia chegado. O gesto de tomar o pão, dar graças e repartir, evocava também a eucaristia celebrada no primeiro dia da semana, relembrando a última ceia em em memória da sua páscoa.
Na Eucaristia, sobretudo do domingo, realiza-se para a comunidade reunida o milagre da multiplicação dos pães que a renova na missão de contribuir para vencer a fome no mundo.
Eis porque é tão importante, que a celebração eucarística zele pela “verdade dos sinais”, de tal maneira que possamos vivenciá-la, não como mera formalidade, mas como a nossa ceia com o Senhor, que se põe conosco à mesa, reparte o pão conosco e nos envia em missão.