23 Abril 2010
Completou-se no dia 11 de fevereiro de 2010 o 20º aniversário da morte do grande teólogo francês dominicano Marie Dominique Chenu. Qualificadas revistas teológicas no campo internacional relembraram o aniversário do teólogo dos "sinais dos tempos". Reportamos aqui, pelo seu valor teológico, a comovente lembrança escrita por um outro grande teólogo dominicano, Edward Schillebeeckx (falecido recentemente): recordação escrita por ocasião da morte do Pe. Chenu, ocorrida no dia 11 de fevereiro de 1990.
O texto é um trecho do Apêndice do livro "Edward Schillebeeckx, Sono un teologo felice. Colloqui con Francesco Strazzari", com a introdução do teólogo italiano Rosino Gibellini (Ed. EDB, 1993). O texto foi publicado na seção Teologi@Internet, do site da editora italiana Queriniana, 12-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
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O "pensar" é sagrado: em memória de Marie Dominique Chenu (1895-1990)
por Edward Schillebeeckx
M.D. Chenu morreu em Saint-Jacques em Paris. Tinha 95 anos. Estava praticamente cego há uma década e caminhava com dificuldade. Mas o espírito foi agudo até o último momento. Os funerais ocorreram na igreja de Notre-Dame de Paris. Concelebravam o cardeal Lustiger, de Paris, Damian Byrne, mestre geral da ordem dominicana, Pe. Marneffe, provincial de Paris e seis bispos. Algumas centenas de dominicanos vindos de toda a França e também do exterior enchiam as duas naves laterais, enquanto a central estava repleta de fiéis comovidos. Durante a celebração, foi lido um telegrama do Papa, assinado pelo cardeal Casaroli, no qual o pontífice manifestava um agradecimento por tudo o que Chenu havia feito pela Igreja.
Antes ainda da "teologia da esperança", da "teologia política", da "teologia econômica" e dos vários ramos da teologia da libertação, Chenu iniciou a renovação teológica. Etienne Gilson disse uma vez: "Como o padre Chenu, só existe um a cada século". Não sabemos se admiramos mais a genialidade criativa de Chenu ou o seu coração humano e caloroso. Claude Geffré escreveu acertadamente, por ocasião da sua morte: "Chenu era mestre de teologia e de humanidade" (Témoignage Chrétien, nº. 2380, 19-25, fevereiro de 1990).
Em 1913, Chenu entrou no mosteiro Le Saulchoir (uma casa "ad salices") dos dominicanos franceses, na zona de Kain na Bélgica, porque muitas ordens monásticas eram então proibidas na França. Estudou também por um período em Roma e voltou para Kain em 1920. Cultivou o seu senso histórico com os padres Mandonnet e Lemonnyer, então decano da faculdade de Le Saulchoir, onde também ensinava o grande exegeta Pe. Lagrange.
Em 1932, foi nomeado "regens studiorum", mestre dos estudos, e posteriormente reitor de duas faculdades. Pouco antes da guerra, o mosteiro de Le Saulchoir foi transferido para Etiolles, perto de Paris, e sistematizado em um novo edifício em forma de fortaleza. Em 1942, Chenu teve que receber o primeiro golpe. O inocente e brilhante livrinho "Une École de Théologie" (Ed. Le Saulchoir, 1937) foi condenado por Roma: resultado de sinistras instrumentalizações, como bem sabia Chenu. Desde então, não colocou mais os pés em Le Saulchoir.
Alguns anos depois, chegava-lhe o pedido da parte da École des Hautes Études da Sorbonne para dar uma aula semanal sobre a Idade Média. Eu mesmo frequentei as suas aulas no ano acadêmico de 1945-1946. As suas publicações sobre a Idade Média são todas frutos dessas aulas. Foi o próprio grande mestre medievalista Jacques Le Goff que, em nome da Sorbonne, da École des Annales e dos medievalistas parisienses, prestou homenagem ao Pe. Chenu durante a liturgia fúnebre.
Quero citar uma frase da sua oração: "Padre Chenu me ensinou, como talvez muitos historiadores quiseram fazer sem ser capazes, a esclarecer o desenvolvimento e a atividade da teologia e do pensamento religioso na história, situando-os no centro da história universal, onde, sem depender dele, podem se colocar entre a história econômica e a história social, a história das ideias e a história eclesiástica em todas as suas dimensões materiais e espirituais". O não crente Le Goff foi o único aplaudido calorosamente na igreja de Notre-Dame. Todos os presentes o ouviam: a homenagem póstuma ao grande mestre Chenu era mais do que merecida. Le Goff concluiu, dizendo: "Adeus, padre. Obrigado por aquilo que o senhor foi, por aquilo que disse, por aquilo que escreveu, por aquilo que fez. Mas o senhor continua, em espírito e nos nossos corações, conosco, porque nós sempre precisaremos do senhor".
Não devemos esquecer que Chenu era tudo menos um estudioso estranho ao mundo. Era também o grande animador dos padres-operários franceses. Por isso, foi exilado de Paris, em 1954, por causa de uma intervenção do Vaticano. Uma história dolorosa que foi avaliada e analisada nos mínimos detalhes no recente estudo do Pe. François Leprieur O.P., "Quand Rome condamne. Dominicains et prêtres-ouvriers" (Paris, 1989).
Chenu não praticava uma "teologia especulativa". Era teólogo com base nos fatos, nos eventos, nos movimentos tanto do passado quanto da atualidade. Era um pesquisador: sempre em busca, como nenhum outro, dos "sinais dos tempos" (veja-se o seu artigo "Les signes du temps", em Nouvelle Revue Théologique 97, 1965, 29-39).
Por isso, a sua teologia era muito vivaz e presente em todos os lugares: no nascimento da JOC [Juventude Operária Católica] de Joseph Cardijn, ainda em 1933, quando Chenu vivia na Bélgica; na fundação das revistas Esprit, Sept e Témoignage Chrétien; na instituição da "Mission de Paris" e da "Mission de France"; enfim, na fundação da revista Concilium em 1962.
Em idade muito avançada, escreveu ainda uma pequena obra-prima, "La doctrine sociale de l’Eglise comme ideologie" (1979), na qual analisava todas as encíclicas sociais dos Papas. Junto com o seu co-irmão YvesCongar, Chenu redigiu o texto de uma "Mensagem dos Padres do Concílio ao mundo", nos anos do ConcílioVaticanoII, falando sobre a Igreja dos pobres. Com muitas emendas, fortemente enfraquecida, essa mensagem foi enviada ao mundo. A mensagem inspiraria depois os primeiros teólogos da libertação da América Latina, e principalmente Gustavo Gutiérrez.
Depois da sua condenação, Chenu preferiu ir viver em Saint-Jacques, tornando-se um pilar da vida intelectual e espiritual da cidade universitária. Todos os sábados à tarde, metade do clero de Paris se dirigia a Saint-Jacques, onde Chenu falava dos livros novos, dando notáveis conselhos sobre quais livros ler ou não. Era uma espécie de fórum no qual Chenu, como uma vez São Tomás nos seus "Quodlibeta", respondia a todas as perguntas do clero parisiense. Participei mais de uma vez desse evento: era verdadeiramente um acontecimento, algo como um torneio medieval, com aquele pouco de vaidade e de ingenuidade que são necessárias.
Aprendi com Chenu que o "pensar" é sagrado: "é o intelectual que encerra o espiritual". Porém, acima de tudo, me envolve ainda o grande calor comunicativo do padre Chenu. Era um homem da esperança, um otimista da graça. Por isso, era tomista até o fundo.
Quando Chenu completou 70 anos, foi festejado na presença do cardeal Feltin. Este louvou Chenu porque havia aceitado humildemente e sem desobedecer as sanções impostas por Roma. Chenu se levantou de um salto e disse: "Eminência, não era obediência, porque a obediência é uma virtude moral, um tanto quanto medíocre. Era a fé que eu tinha na palavra de Deus, diante da qual os choques e os incidentes de percurso não são nada. É porque eu tinha a fé em Jesus Cristo e na sua Igreja". Esse é Chenu: um homem a ser amado.
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