René Lebouvier jamais teria imaginado que sua solicitação poderia ter provocado tanto tumulto. Mas as relações, há tempo inexistentes, entre este aposentado normando e a Igreja Católica são agora reguladas em tribunal. E a solução jurídica de sua denúncia poderia provocar uma brecha numa tradição que remonta ao século XVI: a manutenção do registro de batismo de parte da instituição católica.
A reportagem é de
Stéphanie Le Bars e publicada pelo jornal
Le Monde, 18-11-2011. A tradução é de
Benno Dischinger.
O tribunal de Coutances ordenou à diocese de Coutances e Avranches de “proceder ao cancelamento definitivo dos registros de batismo da menção segundo a qual
René Lebouvier foi batizado aos 9 de agosto de 1940”. Baseando-se no “direito ao respeito da vida privada”, a justiça exige que esta supressão seja efetuada “num prazo de trinta dias, sob pena de uma multa de 15 euros a dia de atraso, usando como meio a cobertura do escrito com tinta preta indelével”. Porque é verdade que o registro não é público, mas é em todo caso acessível “a terceiros com respeito ao indivíduo”, esclarece a sentença.
Contestando a noção de respeito da vida privada, o bispo de Coutances e Avranches, D.
Stanislas Lalanne, representou apelo. “O batismo constitui um evento de caráter público. É um ato que ocorre, faz pare da história, não pode, portanto, ser cancelado.” A Igreja também afirma respeitar assim a vontade dos progenitores que quiseram batizar o seu filho:
René Lebouvier foi batizado quando tinha dois dias. Enfim, sustenta a Igreja, retomando argumentos teológicos, “o batismo é o ato fundador de um novo nascimento na fé. Será que se deve cancelar o ato histórico do nascimento de uma pessoa?”. É uma tradução de quanto diz, a seu modo, o Vaticano: “O elo sacramental de pertença ao Corpo de Cristo que é a Igreja, dado pelo caráter batismal, é um elo ontológico permanente, e nenhum ato ou fato de defecção o faz desaparecer”.
Livre pensador que passou pelo sindicalismo em sua vida profissional de empregado de uma grande empresa,
René Lebouvier não vê as coisas da mesma forma, embora não se sinta de fato “um devora padres”. “Todos os membros de minha família são católicos, e vou sempre de acordo com eles”, assegura o aposentado, vindo de um ambiente rural onde jamais se levantou o problema da pertença religiosa. “Casei-me uma primeira vez diante do pároco de minha aldeia em 1962, assisti aos funerais na igreja, e frequento até o pároco de minha aldeia durante os almoços para os anciãos!”
René Lebouvier tem 71 anos, o padre de seu município tem mais de 80. No entanto, quando recebeu, há alguns anos, através da associação
Livre pensamento, um módulo de “desbatismo”, o aposentado decidiu iniciar o caminho, o processo para não fazer mais parte dos fiéis. “Eu o fiz por honestidade com os crentes, jura hoje. Eu não era mais católico há muito tempo, portanto era uma coisa lógica”. Tal lógica evidentemente escapa à Igreja. “O pároco me disse: não podemos tirá-lo dos registros, só podemos escrever junto a seu nome: “Renegou o batismo em tal dia”. Naquela época, René Lebouvier se contentava com aquela resposta.
Depois, em 2009, as afirmações do papa que ainda condenavam o preservativo “enquanto os africanos morrem de Aids” – e a excomunhão de parte da Igreja de uma mãe e de médicos brasileiros que haviam permitido o aborto para uma menina de 9 anos, grávida depois de ter sido violentada, lhe fazem subir o sangue à cabeça. “Naquela altura eu me disse que não queria ter mais nada a fazer com aquela instituição. Tanto mais que a Igreja avalia o número de seus fiéis pelos registros de batismo”, observa o aposentado, irritado com a ideia de contribuir para engrossar as fileiras da instituição.
Para o Vaticano, esse tipo de “defecção” é considerado como um “ato de apostasia, de heresia ou de cisma”. Mas,
René Lebouvier não tem a intenção de ser considerado um “apóstata”. Como recorda a
Federação Nacional do Livre Pensamento, que aprecia este escândalo e pôs o seu advogado à disposição do recorrente, o estatuto de apóstata “se revelou muito perigoso no decurso da história”.
A instauração da denúncia, para a Igreja, é difícil de avaliar. Se, ao termo do procedimento, a justiça facilita e esclarece o percurso como “desbatismo”, a questão Lebouvier suscitará outras requisições? Alguns bispos o temem, enquanto o número dos batizados está em constante diminuição há diversas décadas. Em 2009 foram batizadas 316.286 pessoas, das quais 295.582 foram crianças de menos de 7 anos. Dez anos antes ainda eram 401.000.
O procedimento para “sair da Igreja”, hoje longo e complexo, diria respeito a um milhar de casos ao ano, segundo estimativas não oficiais. Notam-se regularmente picos após determinadas tomadas de posição polêmicas do Vaticano, como a revogação da excomunhão dos bispos lefebvrianos. Nesses últimos anos, também as revelações de escândalos de pedofilia acentuaram o fenômeno. Mas a Igreja não contabiliza essas solicitações a nível nacional, assegura a Conferência Episcopal Francesa. Prefere colocar em primeiro plano os aproximadamente “3000 batismos de adultos” celebrados a cada ano.
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Francês pede cancelamento do batismo e questão termina no tribunal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU