21 Setembro 2011
Erfurt se vestiu de gala. Por 25 horas e cinco minutos, a capital da Turíngia receberá, na sexta-feira, 23, e no sábado, 24 de setembro, o Papa Bento XVI. A cidade não tinha mais vivido um evento dessa importância desde o encontro entre Napoleão e o czar Alexandre I em 1808.
A reportagem é de Frédéric Lemaître, publicada no jornal Le Monde, 20-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Dado que Lutero viveu em Erfurt por dez anos, Bento XVI vai aproveitar essa estada para se vangloriar do diálogo entre as religiões. Porém, os representantes eleitos dessa cidade de 200 mil habitantes insistem hoje menos sobre os "anos de Lutero" do que sobre a presença plurissecular de uma importante comunidade de judeus. Graças a essa herança cultural, os administradores municipais esperam até inscrever a sua bela cidade no Patrimônio Mundial da Unesco.
Entre Erfurt e a comunidade judaica, há uma longa história. Absolutamente alemã. Tendo chegado no século XI, os judeus aparentemente viviam em perfeito acordo com os católicos. Assim, uma primeira sinagoga, construída no início do século XII, foi ampliada em várias ocasiões para corresponder às necessidades da comunidade, e a imbricação das casas pertencentes a judeus e a católicos no bairro mercantil parece indicar que as duas populações viviam em um bom entendimento.
Em 1309, as duas comunidades defenderam juntas a cidade sitiada pelo príncipe da Turíngia. Infelizmente, a peste que dizimou a Europa na metade do século XIV pôs fim a essa harmonia. Ela talvez não foi causada pelos judeus que envenenaram as nascentes da região? Em poucas horas, no dia 21 de março de 1349, a maior parte dos 900 judeus que moravam em Erfurt foram mortos (como em Colmar, um mês antes), as suas casas incendiadas, a sinagoga profanada e transformada em um armazém. O drama foi superado pouco a pouco. A partir de 1354, alguns judeus voltaram a se estabelecer em Erfurt, e a cidade construiu uma nova sinagoga. A convivência durou menos de um século. Em 1458, eles foram novamente expulsos de Erfurt, as suas casas vendidas, o cemitério destruiu e a sinagoga transformada em arsenal. Desta vez, o exílio durou mais de três séculos.
Só no século XIX é que a comunidade judaica de Erfurt se reconstituiu. Em 1884, foi inaugurada uma nova sinagoga com 500 lugares. Ela foi utilizada até a destruição de todas as sinagogas do país pelos nazistas durante a Noite dos Cristais, no dia 9 de novembro de 1938. Naquela época, a comunidade judaica contava com cerca de 1.250 pessoas. Mil delas foram deportadas, e 250 fugiram para o exterior. Depois de 1945, a comunidade ficou reduzida a 15 pessoas. Mas se desenvolveu.
Em 1952, uma nova sinagoga foi construída, caso único na ex-Alemanha Oriental. Graças à imigração proveniente dos países do ex-bloco comunista, a comunidade judaica de Erfurt conta hoje com algumas centenas de pessoas, cuja grande maioria fala russo. Porém, só algumas dezenas delas participam da sinagoga, localizada na rua Yuri Gagarin.
Se a cidade de Erfurt, para seduzir a Unesco, se baseia nos judeus, que representam apenas 0,2% da população, é porque as escavações iniciadas em 1998 permitiram encontrar um verdadeiro tesouro. Moedas, louças de prata, joias: no total, cerca de 30 quilos de objetos preciosos dos séculos XIII e XIV, incluindo um magnífico anel de casamento, uma peça única entalhado em ouro puro.
Escondidos precipitadamente por um negociante judeu durante o pogrom de 1349, esses objetos, juntamente com os rolos da Torá e Bíblias antigas, estão expostos na sinagoga do século XI, reencontrada, restaurada e reorganizada. Desde a sua reabertura, em outubro de 2009, ela já acolheu mais de 100 mil visitantes.
Esse museu, orgulho da secretaria de turismo, não é o único monumento que vale a pena visitar para quem se interessa pelas relações entre Erfurt e a comunidade judaica. A menos de dois quilômetros, foi aberto no dia 27 de janeiro um outro lugar de memória único no seu gênero: a sede da empresa Topf & Söhne (Topf & Filhos) transformada em museu. Criada no fim do século XIX, especializada no tratamento de resíduos, essa empresa se dedicou a partir de 1914 a um novo mercado: os fornos destinados à cremação dos corpos. Graças à experiência de um dos seus engenheiros, Kurt Prüfer, ela se tonrou, em pouco tempo, uma das empresas líderes no setor.
A partir de 1939, muito naturalmente, ela honra as ordens dos nazistas e fabrica a maior parte dos fornos dos campos de concentração, particularmente os de Auschwitz e de Buchenwald. Graças a Kurt Prüfer, que viaja com frequência para lá, ela melhora o seu desempenho. A exposição é mais do que perturbadora. Ela responde a todas as perguntas, exceto uma. Por quê? Pelo dinheiro? Óbvio que não. Essa atividade é apenas marginal no volume de negócios da empresa e, como os nazistas são maus pagadores, também é pouco rentável. Por convicção? Também não.
Os dois filhos do fundador, Ludwig e Ernst-Wolfgang, na liderança da empresa desde 1935, certamente eram membros do partido nazista desde abril 1933, mas protegem comunistas e "semijudeus", dando-lhes trabalho. Nos fatos, tudo mostra que eles fabricam e entregam esses fornos simplesmente porque o Estado pede. Sem se fazerem perguntas. Se você passar por Erfurt, não faça como o papa: visite também a Topf & Söhne.
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Erfurt: o lugar histórico dos judeus esquecido por Bento XVI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU