22 Junho 2011
Hoje, nos confrontamos com uma nova religião da morte. Uma vida não mais amada está pronta para matar e para ser morta.
A opinião é do teólogo alemão Jürgen Moltmann, em conferência apresentada durante a cerimônia de abertura do sétimo Fórum de Pequim, organizado entre os dias 5 e 7 de novembro de 2010 pela Universidade de Pequim.
Com a participação de mais de 350 estudiosos representantes de 50 países, o tema do fórum foi "Harmonia das civilizações e prosperidade para todos. Compromissos e responsabilidades para um mundo melhor".
O artigo foi publicado no blog da Editora Queriniana, 17-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Conferência de abertura do Fórum de Pequim, China, novembro de 2010
A minha intervenção será sobre o que está me ocupando há muito tempo:
E isso porque acredito firmemente que "onde há perigo é, cresce também aquilo que salva" [1].
Vou começar com alguns dos perigos do nosso tempo na primeira parte, às quais vou responder na segunda parte com as dimensões de um mundo vivível e a vitalidade do amor.
I. O terror hoje de uma morte universal
1. A vida humana atualmente está em perigo, e não só porque a nossa existência é mortal. De fato, sempre foi assim. Mas está em perigo porque ela já não é mais amada, afirmada e acolhida. O poeta francês Albert Camus, depois da Segunda Guerra Mundial, afirmava: "Este é o mistério da Europa: a vida não é mais amada". Aqueles que sofreram naquela guerra homicida sabe o que ele queria dizer. Uma vida não mais amada está pronta para matar e para ser morta.
Hoje, nos confrontamos com uma nova religião da morte. Não quero dizer com isso a religião do Islã, mas sim a ideologia do terror tão típica do século XXI: "Os seus jovens amam a vida", assim se expressou o mulá talibã Omar, no Afeganistão, "os nossos amam a morte". Depois do assassinato em massa de Madri, no dia 11 de marco de 2004, foram encontradas cartas com a mesma mensagem: "Vocês amam a vida; nós, a morte". Essa parece ser a ideologia do terrorista moderna dos assassinos suicidas. Lembro que ainda 60 anos atrás, na Europa, houve um evento semelhante: "Viva la muerte", gritou um velho general fascista durante a Guerra Civil. E não se pode dissuadir um assassino suicida: ele rompeu o temor da morte, não ama mais a vida e quer morrer junto a suas vítimas.
2. Além dessa superfície de terror, encontra-se um perigo maior. Os tratados de paz e pela não proliferação das armas entre as nações têm um pressuposto tácito: a vontade de sobrevivência, a vontade de viver de ambos os lados. Mas o que acontece se um parceiro não quer sobreviver, mas pretende morrer, e se, com essa morte, ele pode destruir, como um todo, esse mundo "ímpio" e "sem Deus"? O que acontece quando um país que possui armas nucleares está obcecado por essa "religião da morte" e se torna o agente suicida do extermínio coletivo do resto do mundo, só porque está empurrado contra um canto e renuncia a todas as formas de esperança? A dissuasão só funciona se todas as partes têm a vontade de viver e querem sobreviver.
A sedução de destruir este mundo, que é percebido como velho, ímpio ou ateu, pode crescer em um desejo de morte universal. Se queremos sacrificar nossa própria vida, que parece ser inútil e sem significado, podemos destruir este mundo hostil por inteiro. Essa "religião da morte" apocalíptica é o verdadeiro inimigo da vontade de viver, do amor pela vida e da afirmação do ser.
3. Além dos perigos que existem hoje para a vida comum das nações em nível político, existe uma ameaça constante de data mais antiga: a nuclear. A primeira bomba atômica sobre Hiroshima, em agosto de 1945, marcou o fim da Segunda Guerra Mundial e foi, ao mesmo tempo, o início do fim para todo o gênero humano, ou seja, a idade em que é possível, a qualquer momento, o fim da humanidade. Nenhum ser humano é capaz de sobreviver ao "inverno nuclear" que se seguiria a uma grande guerra atômica. Lembrem-se: o gênero humano esteve à beira de um evento semelhante há mais de 40 anos durante a Guerra Fria. E é verdade que o conflito aberto não é mais muito provável, já que tal confronto cessou em 1990. Vivemos em um tempo de relativa paz, mas ainda há tantas bombas atômicas e de hidrogênio armazenadas nos arsenais das grandes nações (e até mesmo das mais pequenas), capazes de autodestruir a humanidade. Sakharov chamou isso de "suicídio coletivo": "Quem atira primeiro morre por segundo" – essa foi, há mais de 40 anos, a chamada "destruição recíproca assegurada".
Muitas pessoas haviam se esquecido da ameaça atômica até que o presidente Obama despertou no ano passado, em Praga, o velho sonho de um "mundo sem bombas atômicas" e empreendeu novas negociações com a Rússia para o desarmamento. Então, de repente, muito de nós se deram conta novamente do destino que paira como uma nuvem escura sobre as nações. Insolitamente, tem-se a percepção explícita da presença da ameaça nuclear naquilo que os psicanalistas norte-americanos chamam de "entorpecimento nuclear". Reprimimos a ansiedade, procuramos esquecer essa ameaça e vivemos como se o perigo não existisse, embora ele corroa o nosso subconsciente, desgastando o nosso amor pela vida.
4. Diferentemente da ameaça nuclear, as mudanças climáticas não são apenas uma ameaça, mas já uma realidade que está surgindo em toda parte. As pessoas sabem disso porque todos podem vê-las, percebê-las e, às vezes, sentir o seu odor.
A destruição do meio ambiente que causamos por meio do sistema econômico global de hoje, indubitavelmente, danificará seriamente a sobrevivência da humanidade no século XXI. A sociedade industrial moderna desequilibrou o equilíbrio do organismo Terra e deu início à morte ecológica universal, a menos que se mude o modo em que as coisas se desenvolvem. Os cientistas mostraram que as emissões de dióxido de carbono e de gás metano destroem o nível de ozônio da atmosfera, enquanto o uso dos fertilizantes químicos e de uma multidão de pesticidas torna o solo estéril. Eles demonstraram que o clima global já está mudando agora, hoje, tanto que experimentamos um aumento de catástrofes "naturais", como secas e inundações, que não são naturais, mas sim causadas pela mão do homem. O gelo do Ártico e da Antártida derrete, e, nos próximos séculos – dizem-nos os cientistas –, cidades costeiras como Hamburgo, minha cidade, e regiões como Bangladesh e muitas ilhas dos mares do Sul serão inundadas. Tudo, em todas as formas de vida sobre a Terra, está ameaçado.
A crise ecológica é, em primeiro lugar, causada pela civilização científica e tecnológica ocidental. Isso é verdade.
Mas é um erro pensar que os problemas ambientais são problemas unicamente dos países industriais do Ocidente. Ao contrário, as catástrofes ecológicas estão agravando ainda mais os problemas econômicos e sociais já existentes nos países do Terceiro Mundo. Indira Gandhi tinha razão quando dizia que "a pobreza é a pior poluição".
Todos conhecemos essa realidade, mas parecemos paralisados. Não fazemos aquilo que sabemos que é necessário para impedir as piores consequências. Essa paralisia também pode ser definida de "aturdimento ecológico". Nada acelera uma catástrofe iminente quanto a paralisia do fazer.
Não sabemos se o gênero humano vai sobreviver ao destino que ele criou. E isso é bom. Porque, se soubéssemos que não sobreviveremos, não faríamos nada. Se soubéssemos que existem possibilidades, igualmente não faríamos nada. Só se o futuro for aberto a ambas as soluções, somos obrigados a fazer hoje o que é necessário para sobreviver amanhã. Como não somos capazes de saber se o gênero humano vai sobreviver, devemos agir hoje como se o futuro da vida dependesse de nós, e devemos, ao mesmo tempo, confiar que nós e os nossos filhos faremos a vida e a sobrevivência vencerem.
5. Mas deve haver uma raça humana ou somos só um acidente da natureza? Atualmente, mais de seis bilhões de seres humanos vivem na terra, e esse número deverá crescer rapidamente. Mas a Terra também poderia não ser habitada. Ela viveu sem seres humanos por milhões de anos e pode sobreviver talvez por milhões de anos depois que a raça humana desapareça. Tudo isso deixa o campo aberto para a pergunta última e mais crucial:
Nós, seres humanos, estamos sobre a terra só por acaso, ou faz parte da evolução da vida que os homens deviam vir? Se a natureza mostrasse um "forte princípio antrópico", poderíamos nos sentir "em casa no universo" (Stuart Kauffman). Se isso não pode ser provado, o universo não dá nenhuma resposta à questão existencial da humanidade. Nem as estrelas, nem os nossos genes nos dizem se um ser humano deve existir ou não. Mas como podemos amar a vida e afirmar o nosso existir humano se a humanidade é só um acidente da natureza e, como tal, supérfluo e irrelevante para o universo, talvez só um erro dela? Há um "dever ser", como nos diz Hans Jonas? Existe qualquer razão para amar a vida e afirmar o ser humano? Se não há respostas, toda cultura da vida é incerta em seus fundamentos e está construída sobre bases precárias.
II. Uma cultura da vida deve ser uma cultura de vida comum entre os humanos e o mundo natural
1. Podemos "viver com a bomba"? Acho que é possível crescer em sabedoria, mas como?
O sonho do presidente Obama de um "mundo sem armas nucleares" é justo, mas continua sendo um sonho. Jamais a humanidade será capaz de enfrentar aquilo que agora ela consegue fazer. Qualquer pessoa que tenha aprendido a fórmula da fissão atômica não a esquece jamais. Desde Hiroshima, em 1945, o gênero humano perdeu a sua "inocência atômica".
Mas o prazo atômico é também a primeira idade comum das nações. Todos os países se encontram no mesmo barco. Todos nós compartilhamos a mesma ameaça, cada um de nós pode se tornar uma vítima. Nessa nova situação, a humanidade deve se organizar como sujeito da sobrevivência comum. A criação das Nações Unidas em 1946 foi um primeiro passo. Os acordos de segurança internacionais vão garantir a paz e nos darão tempo para viver, e um dia, talvez, a unificação transnacional entre humanos manterá sob controle os meios de destruição nuclear. A ciência nos diz como adquirir poder sobre a natureza; a sabedoria nos ensina a controlar o nosso poder. O desenvolvimento da sabedoria pública e política é tão importante quanto o progresso científico.
A primeira lição a ser aprendida é esta: a dissuasão não assegura mais a paz. Só a justiça salva a paz entre as nações. Não há outro caminho para alcançar a paz no mundo se não houver ações e equilíbrios harmônicos entre os vários interesses. A paz não é a ausência da violência, mas sim a presença da justiça. A paz é um processo, não uma propriedade. Ela é um caminho comum de redução da violência e de construção da justiça nas relações sociais e globais do gênero humano.
A paz dentro das nossas nações é uma questão de justiça social. A alternativa à pobreza não é a propriedade. A alternativa à pobreza e à propriedade é a comunidade, e o espírito de comunidade é a solidariedade e a ajuda recíproca. Esse é, em síntese, o ensinamento moral das religiões mundiais.
2. O "respeito pela Vida"
Se, em um sistema de vida, que liga uma sociedade humana com o ambiente natural, se verifica uma crise – a morte da natureza –, tem-se também uma crise de todo o sistema vital. Aquela que hoje chamamos de "crise ecológica" não é simplesmente uma crise do nosso ambiente, mas é uma crise total do nosso sistema de vida e não pode ser resolvida apenas com os instrumentos tecnológicos. Ela pede uma mudança do sistema e uma mudança dos valores e das convicções-guia da nossa sociedade. As sociedades modernas industriais não estão mais em harmonia com os ciclos e os ritmos da terra como ocorria nas sociedades agrícolas pré-modernas. As sociedades da modernidade estão programadas sobre o progresso e a expansão dos projetos humanos. Reduzimos a natureza da terra a "nosso ambiente" e destruímos o espaço vital das outras formas de vida. Ano após ano, centenas delas morrem. Nada é mais destrutivo do que reduzir a natureza a ambiente do homem.
Precisamos de uma mudança do domínio moderno da natureza a um "respeito pela vida", como Albert Schweitzer e o Tao Te Ching nos ensinam. Isto é, respeito por cada forma única de vida e pela nossa vida comum no mundo humano e natural e pela grande comunidade de todos os seres vivos. Um biocentrismo pós-moderno substituirá o antropocentrismo ocidental e moderno. Naturalmente, não se pode voltar a uma orientação ao "kósmos" do mundo rural antigo e pré-moderno, mas podemos dar início a uma necessária transformação ecológica da sociedade industrial. Para isso, devemos – acho – mudar o nosso conceito de tempo. A concepção linear de progresso no consumo e no descarte da produção deve abrir caminho para uma concepção circular de tempo de "energia renovável" e de "economia da reciclagem". Só as circulações da vida podem dar estabilidade ao nosso mundo de progresso. Mas a economia da reciclagem ainda é a economia dos pobres.
A Carta Mundial para a Natureza, aprovada no dia 28 de outubro de 1982 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, vai neste sentido:
A humanidade faz parte da natureza [...] Toda forma de vida é única e merece ser respeitada, qualquer que seja a sua utilidade para o homem [2].
Nós fazemos "parte da natureza" e só podemos sobreviver, portanto, preservando a integridade da natureza.
3. A vida do amor em tempos de perigo
O ser humano não é apenas um dom da natureza, mas é também a tarefa do ser humano. Aceitar isso em tempos de terror requer uma grande coragem de viver. A vida deve ser afirmada contra o terror e a ameaça. Em palavras simples: a vida deve ser vivida; a vida amada, a vida comum no mundo humano e no natural é mais forte do que a ameaça da aniquilação universal. Vejo três fatores maiores dessa coragem de existir e da coragem de viver:
a) A vida humana deve ser afirmada, porque também pode ser negada. Como todos sabem, uma criança só pode crescer em uma atmosfera de confiança. Em uma atmosfera de rejeição, a criança desapareceria na alma e no corpo. Ela aprende a se aceitar quando é aceita. O que é verdade para ela vale para os seres humanos sempre: onde somos acolhidos, apreciados e afirmados, somos motivados a viver; onde percebemos um mundo hostil de desprezo e de rejeição, nos retiraremos em nós mesmos e ficamos na defensiva. Precisamos de uma forte afirmação de vida que possa enfrentar tais negações. Cada sim à vida é mais forte do que toda negação da vida, porque pode criar algo novo que os resíduos não podem fazer.
b) A vida humana é uma vida de participação e de partilha. Estamos vivos onde sentimos a simpatia dos outros e permanecemos vivos onde compartilhamos a nossa vida com outros. Na medida em que temos interesses, estamos vivos. É fácil fazer a contraprova: a indiferença leva à apatia. A apatia total é uma vida absolutamente não vivida; é a morte da alma antes da morte física.
c) A vida humana é viva se for busca da felicidade. A vida humana ganha em vitalidade com o seu lutar inato. A "busca da felicidade" é, desde os tempos da Declaração Americana de Independência, um direito humano essencial. Buscar a própria felicidade não é só um direito humano privado, mas é também um direito público. Falamos de "vida boa" ou de uma "vida significativa" e, com isso, queremos dizer uma vida que vive suas máximas potencialidades na vida pública de uma sociedade boa e harmoniosa, como nos disse Confúcio.
Quando levamos a sério essa "busca da felicidade", encontramos o infortúnio das massas pobres e começamos a sofrer com aqueles aos quais cabe esse destino. A compaixão com o qual tomamos parte na sua paixão pela vida é o reverso da busca da felicidade. Quanto mais nos tornamos capazes de felicidade na vida, mais somos capazes de sentir dor e compaixão. Essa é a grande dialética da vida humana.
Mas "onde há perigo, cresce também aquilo que salva". Como cresce a salvação? Tentei mostrar como o Ser pode levar consigo o não-ser e como a vida pode superar a morte mediante o amor e como as contradições mortais podem se transformar em diferenças produtivas e em formas superiores de vida e de comunidade, ou – como disse o professor Tu Weiming – "enquanto a harmonia reconhece o conflito e a contradição, busca transformar a tensão destrutiva em tensão criativa, de modo que uma relação estressante pode ser regenerada em uma síntese superior".
Lembro-me da famosa afirmação do filósofo alemão Friedrich Hegel, amigo Hölderlin desde seus tempos de estudante na Universidade de Tübingen. Ele escreveu a primeira afirmação do pensamento dialético na sua Fenomenologia do Espírito de 1807:
[A vida do Espírito, ao contrário, não é] aquela que se enche de horror perante a morte e se preserva íntegra da decadência e da devastação, mas é aquela vida que suporta a morte e nela se mantém [3].
Uma vida humana plenamente amada e vivida supera as contradições do terror e da ameaça. Toda verdadeira espiritualidade religiosa revela o grande e divino Sim à vida, Sim à Terra e Sim ao futuro, apesar dos perigos.
Notas:
1 - Patmos, in F. Hölderlin, Poesie, Ed. Rizzoli, Milão, 2001, p.489.
2 - http://nadiadesantis.com/leggi-e-trattati/la-carta-mondiale-della-natura.html
3 - Bompiani, Milão 2000, 87 (Prefácio 27).
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Por uma cultura da vida nos perigos do tempo presente. Artigo de Jürgen Moltmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU