11 Abril 2011
São alguns dos maiores pensadores tradicionalistas. Haviam apostado nele e agora se sentem traídos. As últimas desilusões: o Átrio dos Gentios e o encontro de Assis. A acusação que fazem a Ratzinger é a mesma que fazem ao Concílio: ter substituído a condenação pelo diálogo.
A reportagem é de Sandro Magister e está publicada no sítio Chiesa, 8-04-2011. A tradução é do Cepat.
A Santa Sé confirmou oficialmente que no dia 27 de outubro próximo, em Assis, Bento XVI vai presidir uma jornada de "reflexão, diálogo e oração" ao lado de cristãos de outras confissões, expoentes de outras religiões e "homens de boa vontade".
O encontro acontecerá 25 anos depois daquele, agora célebre, desejado por João Paulo II. Joseph Ratzinger, na época cardeal, não participou. E já deu a entender que, com ele como Papa, o próximo encontro de Assis será revisado e corrigido, purificado de qualquer sombra de assimilação da Igreja católica às outras confissões de fé.
Mesmo assim, os tradicionalistas não o perdoaram. Alguns deles assinaram um manifesto crítico. O "espiríto de Assis", na sua opinião, faz parte da confusão mais geral que está desagregando a doutrina católica e que teve origem no Concílio Vaticano II.
Uma confusão contra a qual Bento XVI não reagiu como devia.
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Nos últimos tempos, no campo católico tradicionalista, as críticas contra o Papa Ratzinger não diminuíram; ao contrário, aumentaram em intensidade. Refletem uma crescente desilusão em relação às esperanças inicialmente suscitadas na ação restauradora do atual pontificado.
As críticas de alguns tradicionalistas se concentram em particular no modo como Bento XVI interpreta o Concílio Vaticano II e o pós-Concílio.
Na opinião deles, o Papa se equivoca quando limita sua crítica às degenerações do pós-Concílio. Com efeito, o Vaticano II – sempre na sua opinião –, não foi apenas mal interpretado e mal aplicado: ele próprio foi portador de erros. O primeiro deles foi a renúncia das autoridades da Igreja em exercer, em caso de necessidade, um magistério de definição e de condenação; ou seja, a renúncia ao anátema, para privilegiar o diálogo.
Do ponto de vista histórico, tende a convalidar esta tese o livro recentemente publicado pelo professor Roberto de Mattei: "Il Concilio Vaticano II. Una storia mai scritta" [O Concílio Vaticano II. Uma história nunca escrita]. Segundo Mattei, os documentos conciliares não podem ser isolados dos homens e das vicissitudes que os produziram: desses homens e dessas manobras cuja intenção deliberada – abundantemente conseguida – era romper com a doutrina tradicionalista da Igreja católica, nos pontos mais essenciais.
Do ponto de vista teológico, um conhecido crítico tradicionalista de Bento XVI é Brunero Gherardini, com 85 anos, vigorosamente levados, canônico da Basílica de São Pedro, professor emérito da Pontifícia Universidade Lateranense e diretor da revista de Teologia tomista Divinitas.
Em 2009, Gherardini publicou um livro com o título: "Concilio Vaticano II. Un discorso da fare" [Concílio Vaticano II. Um debate a fazer], que terminava com uma "Súplica ao Santo Padre". Nela pedia que os documentos do Concílio fossem submetidos a exame e se esclarecesse de forma dogmática e definitiva "se, em que sentido e até que ponto", o Vaticano II esteve ou não em continuidade com o magistério anterior da Igreja.
Agora, dois anos depois da publicação deste livro, Gherardini publicou outro, intitulado: "Concilio Vaticano II. Il discorso mancato" [Vaticano II. O debate que falta], no qual lamenta o silêncio com que as autoridades da Igreja reagiram à sua publicação anterior. E radicaliza ainda mais a sua crítica.
Escreve Gherardini: "Caso se queira continuar culpando apenas o pós-concílio, se pode fazê-lo, porque, efetivamente, está longe de ser irrepreensível. Mas seria necessário também não esquecer que ele é filho natural do Concílio, e a partir do Concílio alcançou esses princípios sobre os quais, exasperando-os, baseou depois seus conteúdos mais devastadores".
Na opinião de Gherardini, pelo contrário, predomina na cúpula da Igreja uma exaltação cega do Concílio, que "amputa as asas à análise crítica" e "impede de lançar sobre o Concílio um olhar mais penetrante e menos deslumbrado".
E os primeiros responsáveis por esta exaltação acrítica seriam justamente os últimos Papas: desde João XXIII, passando por Paulo VI e até João Paulo II. Quanto ao pontífice reinante – observa Gherardini –, "até agora não corrigiu nem um ponto nem uma vírgula desta "Vulgata’ que foi patrocinada pelos predecessores": ele, que também "como outros poucos funcionários católicos clamou contra as deformações do pós-concílio, nunca deixou de cantar os louros ao Concílio, nem de afirmar a continuidade com todo o magistério anterior a ele".
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Outro grande decepcionado com Bento XVI é Enrico Maria Radaelli, filósofo e teólogo, discípulo do maior pensador tradicionalista do século XX, Romano Amerio.
A obra capital de Radaelli é o ensaio "Ingresso alla bellezza", de 2007, ao qual fez seguir nestes dias a edição – por enquanto "pro manuscripto" e impressa em pouquíssimas cópias – de um segundo ensaio igualmente destacável, com o título "La bellezza che ci salva".
O subtítulo do novo ensaio de Radaelli sintetiza assim o conteúdo: "A força de "Imago’, o segundo Nome do Unigênito de Deus, que com o "Logos’ pode dar vida a uma nova civilização, fundada na beleza".
E, com efeito, este é o coração do ensaio, como destaca Antonio Livi, sacerdote da Opus Dei e filósofo metafísico de primeira linha, professor da Pontifícia Universidade Lateranense, no prefácio.
Mas, nas cultas e vibrantes páginas de seu novo livro, Radaelli não deixa de submeter à crítica, em sua quase totalidade, a atual hierarquia da Igreja católica, inclusive o Papa.
Para Radaelli, assim como para outros tradicionalistas, a decepção com o magistério de Bento XVI não provém apenas do fato de ter convocado um novo encontro inter-religioso em Assis ou por ter dado vida ao Átrio dos Gentios, ambas iniciativas julgadas como fonte de confusão.
A maior culpa imputada ao Papa Ratzinger é a de ter renunciado a ensinar com "a força de um cetro que governa". Em vez de definir as verdades e condenar os erros, "tornou-se dramaticamente exposto para ser criticado também ele, não pretendendo nenhuma infalibidade", como ele mesmo escreveu no prefácio ao seu livro sobre Jesus.
Em consequência, também Bento XVI teria aderido ao erro capital do Vaticano II: a renúncia às definições dogmáticas, para favorecer uma linguagem "pastoral" e, portanto, inevitavelmente equívoca.
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Mattei, Gherardini e Radaelli não estão sozinhos.
O livro de Gherardini, de 2007, tem o prefácio do arcebispo de Colombo, hoje cardeal, Albert Malcolm Ranjith. E outro bispo, Mario Olivieri, de Albenga-Imperia, escreveu que é preciso unir-se "toto corde" à súplica ao Papa que se encontra no final do livro e que pede um reexame dos documentos do Vaticano II.
Radaelli escreve no L’Osservatore Romano. E tanto Gherardini como Mattei tomaram a palavra, em dezembro passado, em um congresso em Roma, a poucos passos da Basílica de São Pedro, "para uma hermenêutica correta do Concílio à luz da Tradição da Igreja".
Nesse congresso, foram expositores também o cardeal Velasio de Paolis, o bispo Luigi Negri, de San Marino e Montefeltro, e o monsenhor Florian Kolfhaus, da Secretaria de Estado vaticana.
E outro prelado muito estimado, o bispo auxiliar de Astana, no Cazaquistão, Athanasius Schneider, concluiu sua intervenção propondo ao Papa a elaboração de um "Syllabus" contra os erros doutrinais de interpretação do Concílio Vaticano II.
Mas o bispo Schneider, como quase todos os participantes no congresso de dezembro, organizado pelos Franciscanos da Imaculada, não considera que nos documentos do Vaticano II haja efetivos pontos de ruptura com a grande tradição da Igreja.
A hermenêutica com a qual interpreta os documentos do Concílio é aquela definida por Bento XVI em seu memorável discurso à cúria romana, de 22 de dezembro de 2005: "a hermenêutica da reforma, da renovação na continuidade do único sujeito-Igreja".
É uma hermenêutica seguramente compatível com o apego à tradição da Igreja. E é também a única capaz de vencer a oposição de alguns tradicionalistas às "novidades" do Concílio Vaticano II, como mostra Francesco Arzillo na nota que segue.
Com efeito, a linguagem "pastoral" do Vaticano II, precisamente por sua natureza não dogmática, com maior razão exige ser compreendida à luz da tradição da Igreja, tal como o fez o próprio Bento XVI no discurso antes citado, a propósito de uma das "novidades" conciliares mais impopulares para muitos tradicionalistas, a da liberdade religiosa.
O autor da nota é um tribunal administrativo de Roma, mais afiançado em filosofia do que em direito, aluno de Antonio Livi.
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Sobre a continuidade, por Francesco Arzillo
A tempestade eclesial ligada aos conflitos entre tradicionalistas e progressistas não dá sinais de que vai passar. Pelo contrário, parece se acirrar, porque as posições do Papa evitam – e não poderia ser de outro modo – este tipo de oposição. Se os progressistas não aceitam com agrado o moto próprio Summorum Pontificum, os tradicionalistas permanecem perplexos com a iniciativa de Assis, etc.
É com pesar que constatamos que a questão da hermenêutica da continuidade permanece submetida a uma substancial incompreensão, não obstante que se trata de uma indicação magisterial autorizada e vinculante para os católicos, além de fundada sobre o evidente pressuposto da continuidade no tempo da vida do corpo eclesial, com a correspondente assistência do Espírito Santo aos pastores.
A dialética eclesial tende a assumir formas e métodos mais políticos que teológicos, acabando por reproduzir no interior da Igreja a dialética direito-esquerda, própria da modernidade política.
Muito já se disse e se escreveu – com justiça – contra aqueles que se obstinam em ver no Concílio Vaticano II o novo começo que colocaria fim ao período caracterizado pela "forma constantiniana" da Igreja.
Mas é necessário censurar também o tradicionalismo que interpreta a riquíssima herança da teologia clássica com mentalidade mais cartesiana que aristotélica, confundindo a priori as mudanças das fórmulas com as mudanças de doutrina, ou tratando os conceitos teológicos como se fossem ideias claras e distintas, com uma aproximação racionalista e para nada afim com aquela da grande escolástica medieval, para não dizer com aquela dos Padres da Igreja.
Como superar isto?
Em primeiro lugar, buscando assumir uma atitude de humildade, também intelectual, que deveria ser – nos diferentes papéis ocupados por cada um – aquela de todo fiel católico, inclusive a dos teólogos.
As doutrinas infalíveis ou em todo caso irreformáveis não podem ser discutidas. Mas uma reverência particular se deve também ao magistério ordinário. Efetivamente, o § 752 do Código de Direito Canônico dispõe: "Não assentimento de fé, mas religioso obséquio de inteligência e vontade deve ser prestado à doutrina que o Sumo Pontífice ou o Colégio dos Bispos, ao exercerem o magistério autêntico, enunciam sobre a fé e os costumes, mesmo quando não tenham a intenção de proclamá-la por ato definitivo; portanto os fiéis procurem evitar tudo o que não esteja de acordo com ela".
Não é possível então despojar-se do ensinamento consolidado sobre a liberdade religiosa ou sobre o ecumenismo, dizendo que não se trata de doutrinas infalíveis: mesmo quando não as consideramos como tais, é preciso segui-las como tais.
Nem sequer podemos lamentar o fato de que os últimos pontífices tenham feito da reta atuação do Vaticano II um ponto de referência de seu ministério (e que outra coisa deveriam ter feito?).
A hermenêutica da continuidade seria verificada e praticada com exercícios concretos, que – se forem corretamente conduzidos – demonstrariam que ela sempre é possível.
Para simplificar, suponhamos que eu tenha uma clássica asserção dogmática A e uma doutrina conciliar B, esta última sendo passível de duas interpretações: B1, isto é, uma interpretação compatível com A; e B2, isto é, uma interpretação não compatível com A (este último caso não é raro, por causa da linguagem "pastoral" utilizada pelo último Concílio e por uma parte do magistério recente).
A hermenêutica da continuidade me pede então escolher a interpretação B1. Mas não se trata de uma imposição voluntarista e positivista. Pelo contrário, ela pressupõe não somente o princípio lógico da não-contradição, mas também a não-irracionalidade do dado revelado, assim como os princípios teológicos e eclesiológicos típicos do catolicismo, que visam a salvaguarda da unidade-continuidade da Igreja no tempo.
Por exemplo, se leio o texto do Vaticano II em que se diz que "por Sua encarnação, o Filho de Deus uniu-se de algum modo a todo homem" (Gaudium et Spes, n. 22), deverei interpretá-lo de forma compatível com os concílios cristológicos antigos, valorizando as implicações da expressão "de algum modo".
Por conseguinte, não nenhum "pan-cristianismo" antropocêntrico ao qual cantar louvores ou contra o qual elevar gritos escandalizados. Mais simplesmente, e de maneira mais católica, trata-se de uma inteligência sempre maior e cada vez mais penetrante do dado revelado.
Poder-se-ia replicar: mas se vejo uma contradição que me impede de lhe dar o consentimento?
Neste sentido, poderia ajudar-nos o dito de Santo Inácio de Loyola, segundo o qual "Para em tudo acertar, devemos estar sempre dispostos a crer que o que nos parece branco é negro, se assim o determina a Igreja hierárquica; persuadidos de que entre Cristo Nosso Senhor – o Esposo – e a Igreja – sua Esposa – não há senão um mesmo Espírito, que nos governa e dirige para a salvação das nossas almas. Porque é pelo mesmo Espírito e mesmo Senhor, autor dos dez mandamentos, que se dirige e governa a santa Igreja, nossa Mãe".
O obséquio do intelecto, que deriva da aceitação desta posição, não é infrutífero, porque purifica a vontade e predispõe a razão a uma mais atenta consideração da questão e aceita, em última análise, esclarecer os motivos de perplexidade que pareciam invencíveis e que eram na realidade produto de preconceitos.
Com esta finalidade, pode ser de grande ajuda a leitura de teólogos que aplicam este tipo de hermenêutica, como, por exemplo, o cardeal Leo Scheffczyk (1920-2005), o padre Jean-Hervé Nicolas ou o padre Giovanni Cavalcoli.
Dessa maneira, sairia reforçada a consciência eclesial e a vontade de lutar – de maneira católica – "cum Petro e sub Petro" [com Pedro e sob a sua autoridade], na extraordinária aventura da comunicação da mensagem cristã aos nossos contemporâneos, filhos de Deus e irmãos na humanidade.
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Os grandes desiludidos com Bento XVI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU