22 Fevereiro 2011
No auge do levante egípcio, os manifestantes buscavam encorajamento e conselhos práticos nas mensagens no Facebook e twits tunisianos: “Nós conseguimos, vocês também podem!” dizia uma. Outra aconselhava: “Coloquem vinagre ou cebola sob seus lenços para se protegerem do gás lacrimogêneo”.
A reportagem é de Katrin Bennhold, publicada pelo International Herald Tribune e reproduzida pelo Portal Uol, 23-02-2011.
Por muito tempo desdenhado no mundo árabe como um país neutro, afrancesado, pró-Ocidente, sem contar pequeno, a Tunísia agora se destaca, com muitos de seus 10 milhões de habitantes orgulhosos por sua revolução ter se tornado um exemplo para outros países.
Mas há outra fonte de sabedoria tunisiana que pode inspirar ao menos metade da população por todo o Norte da África e Oriente Médio: uma longa tradição de direitos da mulher, que vai além de qualquer outra coisa na região.
As mulheres já estavam em maior evidência antes mesmo do descontentamento que está varrendo o mundo árabe. Enquanto a agitação se espalha para locais como o Irã, onde as mulheres ainda podem ser apedrejadas até a morte por adultério, e Bahrein, vizinho da Arábia Saudita do outro lado da ponte, onde elas não podem dirigir automóveis, muito menos votar, o fator feminino neste novo amanhecer árabe pode provar ser um dos mais poderosos e fundamentais na mudança na região.
Khadija Cherif, secretária-geral da Federação Internacional de Direitos Humanos e ex-presidente da Associação Tunisiana de Mulheres Democráticas, colocou desta forma: “As mulheres árabes têm mais a ganhar com um novo século de iluminismo árabe”.
“Nós esperamos que nossa experiência na Tunísia possa ser uma inspiração”, disse Cherif, uma das muitas mulheres que enfrentaram os cassetetes da polícia e as milícias nas manifestações que duraram um mês, mas que fizeram com que o ex-presidente Zine El Abidine Ben Ali fugisse para a Arábia Saudita em 14 de janeiro.
As mulheres tunisianas estiveram entre as primeiras no mundo árabe a obter direito de votar, logo após a independência em 1956. Elas conseguiram o direito de aborto no mesmo ano em que as mulheres americanas e ocupam um maior percentual de cadeiras no Parlamento tunisiano do que as mulheres no Parlamento francês. A poligamia é proibida, o casamento é condicional ao consentimento da mulher e minissaias são uma visão tão comum na paisagem de Túnis quanto o lenço de cabeça muçulmano.
Talvez mais importante, as mulheres tunisianas possuem alta escolaridade: seu índice de alfabetização, de 71% segundo a Unesco, é o maior entre todos os países do Norte da África. Elas superam em número os homens entre os formandos universitários e estão alcançando os homens em número de juízes e médicos.
Ben Ali adorava citar essas estatísticas. Por três décadas, os direitos da mulher eram seu baluarte contra os radicais islâmicos em casa e seu álibi junto aos governos ocidentais que questionavam sobre abusos de direitos humanos. (Um álibi que todos aceitavam alegremente.)
Mas parece que essa estratégia voltou para assombrá-lo.
“Os homens e mulheres marchando para a democracia no mês passado eram todos filhos e netos de mulheres que cresceram com educação e um senso de seus direitos”, disse Fatma Bouvet de la Maisonneuve, uma psiquiatra tunisiana que vive em Paris e que apoiou o levante em seu país natal, por meio de postagens no Facebook e artigos na imprensa francesa.
“Não é coincidência a revolução ter começado na Tunísia, onde temos um nível elevado de educação, uma classe média considerável e um maior grau de igualdade de gênero”, ela disse. “Nós tínhamos todos os ingredientes da democracia, menos a democracia em si. Isso não poderia durar.”
Mas se as mulheres árabes têm potencialmente mais a ganhar com um maior grau de liberdade política, elas potencialmente também têm mais a perder.
O grande elemento desconhecido na Tunísia, Egito e além é quão fundamentalistas – e quão populares – ainda são os grupos islâmicos que antes não viam com bons olhos os direitos da mulher. “Não se pode considerar os direitos como sendo algo garantido”, alertou Cherif.
Os grupos de mulheres árabes apontam para o exemplo do Afeganistão, onde, sob ocupação soviética, as mulheres frequentavam as universidades, enquanto sob o Taleban muitas temiam enviar até mesmo suas filhas à escola primária.
No Irã sob o xá, um ditador secular que foi deposto na revolução de 1979, muitas mulheres usavam vestidos ocidentais. De lá para cá, elas foram forçadas a cobrir seus cabelos e aderir ao código de vestuário islâmico, sob risco de prisão.
“O movimento tunisiano foi neutralizado e mantido em desaprovação por 20 anos, de modo que hoje ele apresenta um discurso bastante moderado”, disse Eric Goldstein, vice-diretor para o Oriente Médio e Norte da África do Human Rights Watch.
“As pessoas estão nervosas agora que ele está retomando suas atividades políticas”, ele disse. “Não é garantido que ele manterá sua tolerância, especialmente em relação aos direitos da mulher.”
Mas mesmo os islamitas tunisianos, ele acrescentou, falam em nome de muitas mulheres. Multidões de mulheres vestindo os trajes tradicionais islâmicos deram as boas-vindas ao líder há muito exilado do movimento Ennahda tunisiano, Rachid Ghannouchi, quando ele retornou ao país em 30 de janeiro.
Mas como apontou Radhia Nasraoui, uma proeminente advogada de direitos humanos tunisiana, diferente do Taleban em 1996 ou dos mulás iranianos em 1979, Ghannouchi se sentiu compelido a prometer repetidas vezes publicamente proteger os direitos da mulher nas últimas semanas.
“Pode ser apenas uma tática, mas o fato de ele sentir que precisa dizer isso é um bom sinal de que querer reverter os direitos da mulher não é o modo de conquistar apoio na Tunísia no momento”, disse Nasraoui.
Nasraoui conhece bem o movimento islâmico. Ela defendeu muitos de seus membros sob o regime de Ben Ali. “Eu defendi os piores deles, aqueles cujas esposas se vestem de preto da cabeça aos pés”, ela disse. “Não porque concorde com a filosofia deles, mas porque acredito no direito deles de não serem torturados e no direito deles de liberdade de expressão.”
Ela também sabe quão corajosas são as mulheres tunisianas. Quando as forças de segurança de Ben Ali intimidavam seus clientes, os pressionando a procurarem outros advogados, em geral eram os homens que se acovardavam, ela disse. “As mulheres não cediam”, ela disse. Ela esteve entre os milhares que marcharam no último fim de semana, pela segunda vez em três semanas, em defesa da separação do Estado da mesquita e da preservação do código de direitos civis progressista do país para as mulheres.
Entre os que marcharam estavam mulheres usando véus e um bom contingente de homens, disse Cherif.
“Talvez em breve o país esteja pronto para ser liderado por uma mulher”, ela disse. “As mulheres certamente estão prontas.”
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Um ponto forte a favor da Tunísia: suas mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU