22 Janeiro 2011
O microcrédito é um segmento financeiro que já existe há décadas, mas algo aconteceu para que, nos últimos anos, ele deslanchasse de maneira muito forte no país. Como isso aconteceu? O economista da Fundação Getúlio Vargas, Lauro Gonzalez, analisa, na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, as políticas de microcrédito existentes hoje no país, dá exemplos de projetos e critica: "os bancos tradicionais ainda se interessam pouco pelo microcrédito. Acredito que o direcionamento obrigatório dos 2% dos depósitos à vista que o governo instituiu não criou uma estrutura de incentivo adequada para deslanchar as operações".
Lauro Gonzalez é professor de Finanças da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP). É doutor em Economia pela FGV SP. Foi professor visitante no Center for Brazilian Studies da Universidade de Columbia (EUA) em 2004. Atualmente, coordena o Centro de Microfinanças da FGV.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor analisa as políticas de microcrédito atuais?
Lauro Gonzalez – Primeiro, creio que definir o que é microcrédito seja importante. O que nós estamos chamando de microcrédito segue uma lógica que chamamos de "microcrédito produtivo" ou de "crédito para microempreendimentos". Dentro deste segmento, acredito que o governo possui seus prós e contras. Por exemplo, os programas do Banco do Nordeste, como o Grande Amigo, precisa ser reconhecido pelo seu sucesso na expansão do crédito para os microempreendedores. É o mais importante do Brasil e o que tem tido um aumento significativo e constante ao longo dos últimos anos nesse segmento. No que diz respeito ao direcionamento de crédito, ainda questiono um pouco a eficácia, sobretudo em relação ao objetivo principal, ou seja, é a atração dos bancos, principalmente os bancos tradicionais, sobre o microcrédito.
IHU On-Line – Por que 2010 foi um ano chave para o microcrédito no Brasil?
Lauro Gonzalez - O microcrédito tem crescido a níveis superiores da taxa de crescimento do crédito tradicional nos últimos anos. Porém, isso tem que ser relativizado pelo fato de que os dados iniciais são muito inferiores dos demais segmentos. O crescimento tem ocorrido em função de um mercado assessorado. Ainda assim, nossas estimativas aqui giram em torno de 10% do mercado comercial potencial atendido. Então, nós trabalhamos com um número de microempreendedores entre 16 e 20 milhões, adotando a ideia de que 50% deles teriam capacidade de tomar crédito efetivamente. Assim, estamos falando de cerca de 10% do mercado atual atendido.
IHU On-Line – Que condições permitiram que o microcrédito avançasse desta forma?
Lauro Gonzalez – O avanço do microcrédito nos últimos anos foi alavancado, sobretudo, por duas instituições importantes: o primeiro é o Banco do Nordeste, que instituiu um programa de inovações. Dentre as inovações já tradicionalmente relacionadas ao microcrédito, como o agente de crédito, créditos em grupo, essa postura adotada demanda investimento e demanda uma administração que certamente envolve caminhar ao longo de uma curva de aprendizado.
Além deste, o Banco Santander, através do Banco Real, também tem um exemplar programa de inovação. Agora, o próprio crescimento da economia brasileira tem criado uma estrutura de incentivos capaz de atrair novas instituições para aumentar a oferta.
IHU On-Line – Por que os grandes bancos tradicionais têm se interessado pelo microcrédito?
Lauro Gonzalez – Em primeiro lugar, é importante dizer que os bancos tradicionais ainda se interessam pouco pelo microcrédito. Acredito que o direcionamento obrigatório dos 2% dos depósitos à vista que o governo instituiu não criou uma estrutura de incentivo adequada para deslanchar as operações. Os números do Banco Central mostram, ao longo de constante tempo, que os bancos preferem deixar os recursos depositados a investir no microcrédito. No entanto, creio muito na evolução e na constituição de bancos especializados nesse tipo de atividade, os bancos microfinanceiros.
IHU On-Line – Como o senhor analisa o mercado nacional para o microcrédito?
Lauro Gonzalez – As instituições tradicionais se voltam para as oportunidades de ganho. Se nós não tivermos nada contra a atuação de instituições com finalidade de lucro no microcrédito, para o mercado isso pode se tornar interessante. Isto demanda inovação por parte das instituições, demanda investimentos e, muitas vezes, as instituições analisam as diversas oportunidades de negócio, mas têm outras oportunidades que podem estar à frente do microcrédito, por exemplo. O crédito para habitação no Brasil é relativamente é pequeno e um tipo de crédito que está muito mais atrelado no que já existe nas instituições do que o microcrédito produtivo com esse conjunto de inovações.
Então, dentro da lógica do negócio, talvez haja alguns segmentos para as instituições tradicionais que venham antes. Estão abertos, mas há toda essa questão da lógica de negócio que acaba em alguns momentos colocando o microcrédito mais para o final da fila. Agora, isso cria oportunidade para instituições que queiram operar exclusivamente com os microcréditos e as microfinanças. Por isso, acredito que há uma tendência ao surgimento de instituições voltadas exclusivamente para as operações de microfinanças.
IHU On-Line – Quem utiliza o microcrédito no Brasil hoje?
Lauro Gonzalez – Geralmente, pessoas que trabalham em atividades de comércio, sobretudo comércio nas periferias e grandes centros urbanos.
IHU On-Line – O microcrédito pode ser considerado uma alternativa para combater a pobreza?
Lauro Gonzalez – Claro que sim. O microcrédito é um elemento a mais, ele não vai resolver todos os males, mas pode fazer parte de um conjunto de políticas para combater situações de extrema pobreza. Certamente, há outros tipos de iniciativas, sobretudo políticas públicas que precisam ser implementadas. Mas dentro de um conjunto geral de combate a pobreza, sim, o microcrédito pode, inclusive, ser uma solução interessante para promover uma porta de saída ao programa Bolsa Família.
IHU On-Line – Algumas pesquisas mostram que a probabilidade de um cliente que era pobre sair da pobreza em 12 meses após utilizar o microcrédito é de 60%. De que forma políticas públicas podem incentivar o uso de microcrédito no país?
Lauro Gonzalez – Eu acredito que as políticas públicas poderiam ter uma estratégia de microcrédito que fossem acopladas às políticas de transferência de renda, como, por exemplo, o Bolsa Família. Creio que a minha sugestão principal seria instituir uma maneira de integrar as renovações do microcrédito para uma certa parcela dos beneficiários dos programas sociais e que, através disso, possa promover uma porta de entrada dessas pessoas nos mercados tradicionais.
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Microcrédito: uma porta de saída para o Bolsa Família. Entrevista especial com Lauro Gonzalez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU