18 Janeiro 2011
"Os mercados são hoje o coração do capitalismo cognitivo porque são o centro do processo de financiamento da atividade em inovação e da produção de conhecimento e, ao mesmo tempo, são elementos relevantes na distribuição da renda, que se baseia na desigualdade."
A opinião é de Andrea Fumagalli, professor de Economia Política da Università di Pavia, Itália, em entrevista a P. Elorduy, B. García e D. Grasso, publicada no jornal Diagonal, 17-01-2011. A tradução é de Anne Ledur.
Eis a entrevista.
Bioeconomia e capitalismo cognitivo estão escritos ao início do que conhecemos como "a crise". Você nesse tempo como se desenvolviam as teses que propunha em sua obra?
A situação da crise que estamos vivendo é uma confirmação da tese principal do livro. Por exemplo, o que está passando na Europa, a partir da crise na Grécia até os protestos na França, está demostrando que o problema da reforma das aposentadorias é capaz de unificar uma frente de luta que não afeta só os sujeitos econômicos mais interessados, nesse caso, os pensionistas, mas também os estudantes, pessoas trabalhadores, etc. Isso se dá porque o que está em jogo não é uma parte da vida, como pode ser o tema das pensões, mas o interesse de todas as pessoas. Há uma centralidade do papel jogado por mercados financeiros nesse momento na hierarquização social, na distribuição da renda e no momento biopolítico.
Chegou o que se chama de "capitalismo cognitivo"?
Tem dois elementos característicos do passo do paradigma industrial fordista ao paradigma cognitivo imaterial, ou com uma tendência prevalecente à produção imaterial. O primeiro é o aspecto da financeirização. O segundo é a transformação do modelo produtivo que, de um modo rígido e homogêneo, se transforma em uma estrutura em rede, dinâmica, que cria novas modalidades de crescimento da produtividade que são definidas pelo papel do conhecimento e a individualização da força do trabalho. "Controlar o mecanismo da formação e do aprendizado é a nova forma de controlar os trabalhadores".
Por parte da financeirização, os mercados são hoje o coração do capitalismo cognitivo porque são o centro do processo de financiamento da atividade em inovação e da produção de conhecimento e, ao mesmo tempo, são elementos relevantes na distribuição da renda, que se baseia na desigualdade. Por exemplo, nos mercados, se joga com a possibilidade que a seguridade social, que está em contato direto com a vida, seja privatizada. Isso significa passar o controle da vida da propriedade pública à propriedade privada.
Você fala da importância que a produtividade dos corpos adquiriu nessa fase do capitalismo. O que significa isso?
O processo de valorização hoje está baseado em um terço de produção imaterial, um terço sobre a cobertura de serviços ligados à mercadoria, e uma terceira parte formada por esses serviços imateriais que são a produção da linguagem, a produção de convenções sociais, de controle, de serviços financeiros, de inovações, de símbolos, etc.
De um ponto de vista qualitativo, o tipo de prestação de serviço se caracteriza porque o trabalho "maquínico", o repetitivo, está interiorizado no corpo humano, especialmente na atividade cerebral e cognitiva. Nesse sentido, o controle do corpo é o controle dos nervos e, sobretudo, do cérebro, dos sentimentos, dos desejos. A precariedade é um exemplo dessa mudança de estratégia. Também tem muita importância o controle do processo de formação da força de trabalho. Esse é o motivo por que é muito importante nos últimos anos o problema da reforma da educação superior, o processo de Bolonha, etc. Porque controlar o mecanismo da formação e do aprendizado é a nova forma de controlar os trabalhadores.
De um ponto de vista quantitativo, o problema é a dificuldade ou a impossibilidade de calcular o valor que produz a utilização biopolítica do corpo e o cérebro humanos. Já que se a produção é material, tem uma medida (quilos, etc.). O problema é como dar uma medida da ideia, o pensamento ou o imaterial.
Como se traslada o indivíduo?
Em economia, "alienação", tem que ver com a ideia de ser humano como força de trabalho, essa é a típica ideia de alienação da cadeia de montagem. Hoje, quando a máquina se interiorizou no cérebro, o tipo de alienação evidente no trabalho de produção imaterial é resultado do processo de prestação de serviço e não está separado, como na cadeia de montagem.
A alienação mudou e se integrou na atividade cerebral. O cérebro se divide em duas partes. Uma funciona como máquina em atividades rotineiras; a outra é a que busca que sejamos criativos; é necessário que sejamos para favorecer o processo de produção. Em um contexto em que aparentemente se pode exprimir a liberdade, quando termina a partida, tu és mais infeliz que no começo. Tem um aumento do número de suicídios que estão ligados ao funcionamento da economia, para dar um exemplo. A autodestruição do corpo e mente está estreitamente ligada à dinâmica do mercado de trabalho.
O que fica por conquistar os mercados de nossa vida?
A crise financeira, ou econômica (porque a economia e as finanças já não se diferenciam), mostra que não é possível sair dessa crise em um sentido tradicionalmente reformista. Essa proposta era capaz de manter juntos os interesses contrapostos: os dos trabalhadores e os do capital. Era uma sorte de pacto social ou New Deal. Por que não é possível agora? Porque, do ponto de vista econômico, a saída da crise financeira passa por uma melhora na distribuição de renda, que permita um crescimento da demanda em nível internacional. Uma medida, nesse sentido, é a proposta de renda básica.
A segunda intervenção seria uma maior liberdade do campo de geração e difusão das variáveis estratégicas (conhecimento e atividade em rede), o que implica numa reproposição da estrutura de propriedade. O problema está em como sair dessa "transição" e introduzir um modelo que propriedade baseado no conceito de comum, que, por outro lado, uma propriedade pública sobre serviços como educação, saúde, controle de meio ambiente, etc., e está também uma forma de propriedade que é a comum, que afeta bens imateriais não sujeitos a escassez.
Essa pode ser a solução reformista (aparentemente reformista) para sair da crise. Mas, se se aprofunda no conceito de renda básica, se observa que é contrário à possibilidade de capital de controle da força de trabalho, porque minimiza o princípio de necessidade, que faz com que o trabalho esteja subordinado ao poder e a quem organiza o sistema político. Isso é perigoso para os sistema capitalista. Por outro lado, o conceito de propriedade comum nega um princípio fundamental do sistema capitalista, que é a propriedade privada e o processo de privatização.
Por isso, há duas vias: de um lado, está a tentativa de sair da crise ao modo capitalista, quer dizer, acelerar o processo de privatização. Isso implica uma privatização total da vida natural e possivelmente da vida artificial (o que afeta o controle da biogenética). Creio que essa tentativa está destinada a fracassar, porque essa é uma crise de crescimento, não de saturação. Nessa crise se deu o começo de um novo paradigma, que é o do capitalismo cognitivo.
A segunda possibilidade é uma forma de New Deal, a renda básica, a produção ecocompatível, etc., mas não pode ser uma solução institucional, tem que ser imposta pela capacidade de mobilização dos grupos sociais, das sociedades civis. Ninguém sabem qual dessas posições se imporá à outra.
Quatro conceitos-chave da nova sociedade do capitalismo cognitivo segundo Fumagalli
Controle: "No Fordismo, a disciplina da fábrica era a disciplina da submissão do corpo físico. Agora, o controle da força de trabalho passa pelo controle da atividade cognitiva".
Propriedade Intelectual: "Quanto maior é a troca de conhecimento, mais conhecimento se gera. Por isso se criou o direito de propriedade intelectual: para introduzir artificialmente um princípio de escassez de conhecimento".
Renda Básica: "A ideia da renda básica ameaça o controle do sistema capitalista sobre o processo formador, a possibilidade de controle social, e pode fazer crescer ideias mais subversivas, além do reformismo".
Bioeconomia: "É um paradigma econômico que tem como objetos de troca acumulação e valorização, as faculdades vitais dos seres humanos, em primeiro lugar a linguagem e a capacidade de gerar conhecimento".
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"A saída do capital à crise é a privatização total da vida" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU