01 Setembro 2012
Desde o dia 30 de agosto, o Centro Pastoral Maria Mãe da Igreja, em Fortaleza, Ceará, sedia o Simpósio 50 anos do Concílio Vaticano e 40 anos da Teologia da Libertação. O encontro – que vai até o dia 1º de setembro – lança uma discussão sobre esses dois momentos importantes para as igrejas cristãs e seus desdobramentos nos dias atuais.
Um dos convidados é o padre Francisco Aquino Junior, autor do livro Teoria Teológica – Práxis teologal – sobre o método da Teologia da Libertação.
A entrevista é da Adital, 30-08-2012.
Eis a entrevista.
Muita gente acha que a Teologia da Libertação (TdL) é coisa do passado. Parte da geração mais jovem nem sabe o que isso... Por que um livro "sobre o método da TdL”?
A teologia é a inteligência da experiência de Deus. Na medida em que o Deus de Jesus Cristo e sua experiência histórica têm a ver com a libertação dos pobres e oprimidos, como se pode ver na Sagrada Escritura, a teologia tem que ser teologia da libertação: Inteligência da presença e ação de Deus nos mais diversos processos de libertação e inteligência a serviço desses mesmos e de outros processos de libertação. Daí a importância, necessidade e atualidade da reflexão sobre o método da teologia da libertação. Isso se torna ainda mais relevante no atual contexto eclesial, onde a Igreja parece mais preocupada com seus interesses e privilégios institucionais que com a salvação/libertação da humanidade sofredora – coração do Evangelho de Jesus Cristo.
Em poucas palavras: O que é teologia da libertação? Quais as suas principais características?
É uma teologia voltada para aquilo que constitui o núcleo da experiência bíblica de Deus: a salvação/libertação dos pobres e oprimidos. Segundo Gustavo Gutiérrez, na teologia da libertação há "duas intuições centrais que foram as primeiras cronologicamente e que continuam constituindo sua coluna vertebral”: primado da práxis e perspectiva do pobre/oprimido. A revelação e a fé de que trata a teologia é ação ou interação entre Deus e seu povo (primado da práxis) e ação ou interação salvífico-libertadora (perspectiva do pobre/oprimido).
Parece haver diferenças e mesmo divergências entre os teólogos da libertação sobre a TdL e sobre o método dessa teologia...
Sem dúvida. E não poderia ser diferente em uma teologia que procurar pensar a experiência de Deus em sua totalidade e nos mais diferentes contextos. Essas diferenças têm a ver com a diversidade de enfoques ou perspectivas (econômico, gênero, ecologia etc.), de mediações práticas (CEBs, movimento social etc) e teóricas (ciências sociais, antropologia etc.), de temas/problemas (sociedade, igreja, Jesus Cristo etc.). Mas há um ponto crucial e polêmico que diz respeito à compreensão da TdL e de seu método. Enquanto para alguns, a TdL é uma teologia das questões sociais (é a tese básica de Clodovis Boff), para a grande maioria dos teólogos, a TdL é uma teologia que procura pensar a experiência de Deus em sua totalidade a partir do núcleo fundamental da experiência bíblica de Deus: salvação/libertação dos pobres/oprimidos.
Depois de 40 anos, o que mudou na TdL?
Houve uma ampliação do horizonte da libertação e, consequentemente, das mediações práticas e teóricas dos processos de libertação. Se nos primeiros anos se deu muita ênfase às dimensões econômica e política da opressão e da libertação, a partir dos anos 90 se insiste muito em outras formas e em outros processos de opressão e libertação: gênero, etnia, cultura, ecologia, religião etc. Passa-se a falar cada vez mais de teologias da libertação: feminista, negra, indígena, ecológica, das religiões e, mais recentemente, tem-se falado também de teologia gay.
Estamos celebrando 50 anos do Concílio e 40 anos da TdL. Que relação existe entre o Concílio e a TdL?
Não se pode pensar a TdL sem o Concílio Vaticano II, embora tampouco se possa entendê-la simplesmente a partir dele. Se o Concílio teve o mérito incalculável de descentrar a Igreja, de abri-la e lançá-la ao mundo, a TdL avançou nas trilhas abertas pelo Concílio, explicitando que mundo era esse (mundo estruturalmente injusto e opressor) e determinando, a partir da fé, o lugar que a Igreja deve ocupar nesse mundo (mundo dos pobres e oprimidos).
Por que se fala tanto do Concílio e tão pouco da "Igreja dos pobres”, de Medellín, da TdL, inclusive na América Latina e, concretamente, no Brasil?
Isso é curioso... Mesmo o tema da Igreja dos pobres proposto pelo papa João XXIII tem sido completamente silenciado nas comemorações dos 50 anos do Concílio. Basta ver os títulos de livros e artigos publicados e os temas das conferências nos congressos, simpósios etc. Talvez porque os que estão discutindo o Concílio estejam mais preocupados com seus interesses e problemas (saber, poder etc.) do que com os dramas da humanidade sofredora... Não por acaso o tema não teve muita repercussão no Concílio – mais voltado para os problemas e preocupações das igrejas do primeiro mundo... Evangelicamente, parece um mau sinal: desvio do núcleo do Evangelho de Jesus Cristo.
Muita gente fala que a Igreja caminha atualmente numa direção muito diferente, quando não contrária, à direção tomada e proposta pelo Concílio e, sobretudo, pela TdL. O que você acha?
Tenho a mesma impressão, pelo menos em relação ao conjunto da Igreja e, sobretudo, com relação aos bispos e padres. Basta ver as prioridades pastorais das dioceses e paróquias e mesmo as últimas diretrizes da ação evangelizadora da igreja no Brasil. Dá a impressão que os problemas do mundo, sobretudo dos pobres e oprimidos, são completamente estranhos à vida da Igreja que parece ter coisas mais "importantes” e "urgentes” para cuidar (número de fieis, templos, vestes litúrgicas, corais, coroinhas, devoções, missão popular etc). Se o Concílio abriu e descentrou a Igreja de si mesma e a TdL a colocou a serviço da humanidade sofredora, a conjuntura atual para ir numa direção contrária, concentrando todas as suas preocupações e "urgências” pastorais na vida interna da Igreja. Mais que de uma volta à grande disciplina, é preciso falar hoje de uma volta à sacristia ou, na melhor d as hipóteses, ao templo...
Na sua opinião, qual o maior desafio para a Igreja e a teologia atualmente?
Recuperar as intuições e as preocupações mais fundamentais do Concílio e da TdL: A Igreja não existe para si mesma; deve ser sinal e instrumento de salvação e salvação das mais diferentes formas de opressão e dominação. Por isso mesmo, ela é e tem que ser sempre mais, na feliz expressão de João XXIII, a Igreja dos pobres e oprimidos como Ele, para que os pobres e oprimidos possam viver. Eles são, no Juiz e Senhor, juízes e senhores de nossas vidas, igrejas e teologias (Mt 25, 31-46)...
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"A Igreja deve ser instrumento de salvação das formas de opressão e dominação" Entrevista com Francisco Aquino Junior - Instituto Humanitas Unisinos - IHU