18 Julho 2012
Contrariando avaliações de que o acidente nuclear de Fukushima não afetaria a saúde da população local, pesquisadores da Universidade de Stanford concluíram que entre 24 e 2,5 mil pessoas provavelmente desenvolverão câncer pelo contato com o material radioativo vazado no desastre. Além disso, entre 15 e 1,3 mil pessoas devem morrer prematuramente em decorrência da doença.
A reportagem é de Mariana Lenharo e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 18-07-2012.
A grande maioria dos casos ficará concentrada no Japão, com poucas ocorrências previstas no restante da Ásia e na América do Norte. Para John Ten Hoeve, pesquisador do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental de Stanford, o número de casos no resto do mundo é relativamente baixo e a estimativa serve apenas para "administrar o medo em outros países de que o desastre possa ter tido um alcance mundial".
O acidente foi precipitado por um terremoto de magnitude 8,9 na escala Richter que atingiu o Japão no dia 11 de março de 2011. O tremor levou à formação de um tsunami que inundou quatro dos cinco reatores na usina de Fukushima Daichii.
Este é o primeiro estudo sobre o desastre a usar um modelo atmosférico global em terceira dimensão para prever a maneira como o material radioativo foi transportado. Diferentemente de avaliações anteriores, essa pesquisa levou em conta o transporte das partículas radioativas pelo ar, pela água e pela chuva, além da deposição em solo.
O fato de que 80% do material radioativo vazou no Oceano Pacífico, e não no solo, como ocorreu no acidente de Chernobyl, levou a análises otimistas quanto aos efeitos da radiação. "Há grupos de pessoas que disseram que não haveria efeitos", disse o engenheiro Mark Jacobson, professor de Stanford e autor do estudo.
Riscos
Em maio, o Comitê Científico da ONU para os Efeitos da Radiação Atômica (Unscear), que avalia os danos de Fukushima, divulgou que 167 trabalhadores, de um total de 20.115 funcionários ligados à Tepco, operadora da usina nuclear de Fukushima, receberam doses de radiação que podem ter aumentado discretamente o risco do desenvolvimento do câncer. Já o público em geral, de acordo com o comitê, foi amplamente protegido pela rápida evacuação promovida pelo governo.
Para calcular os prejuízos da exposição à radiação para a saúde, o estudo de Stanford, que foi publicado na revista científica Energy & Environmental Science, usou um segundo modelo científico, similar ao utilizado para calcular os efeitos de outros acidentes nucleares.
Segundo Jacobson, será muito difícil constatar, fora do Japão, a presença de casos de câncer relacionados ao acidente de Fukushima, por causa da pulverização das ocorrências. "Mas, no Japão, eu estimaria que tendências de aumento do câncer poderão ser detectáveis em um prazo de cinco a dez anos", diz o engenheiro.
De acordo com a física Kellen Adriana Curci Daros, da Comissão de Proteção Radiológica do Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR), os tipos mais comuns de câncer provocados em longo prazo pela exposição a altas doses de radiação atingem a tireoide e o sangue.
A especialista observa que, no caso de Fukushima, os prejuízos foram minimizados pela ação rápida do governo local. "O Japão, como teve a experiência de Hiroshima, já tinha estudos relativos a esse tipo de efeito. A intervenção foi muito mais rápida que em Chernobyl e, em pouco tempo, as áreas foram isoladas e começaram a ser monitoradas."
Em dosagem menor, efeito é terapêutico
O efeito da radiação no organismo pode ser comparado ao de um remédio. Em pequenas doses, é terapêutico; em altas, pode ser letal. A analogia é da física Kellen Adriana Curci Daros, da Comissão de Proteção Radiológica do Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR).
Ela explica que, em acidentes como o de Fukushima, quando alguém é exposto a altas doses de radiação por inalação ou ingestão, existe o risco de desenvolvimento da Síndrome Aguda das Radiações (SAR). Trata-se de uma reação imediata à exposição para a qual só existe tratamento paliativo.
De acordo com o médico João Luís Fernandes da Silva, do Hospital Sírio Libanês, esse tipo de efeito mais grave ocorre quando a intensidade da radiação é maior do que 500 centigreis. "Se doses menores forem absorvidas, com o decorrer do tempo, podem aparecer tumores secundários da radiação."
No caso do acidente de Chernobyl, em 1986, além da morte de 30 trabalhadores da usina, quase 6 mil casos de câncer de tireoide foram detectados em regiões contaminadas. Estudos estimam que, nas décadas seguintes, de 10 mil a 40 mil casos de câncer estariam ligados ao vazamento de material radioativo.
Ela observa que, apesar dos efeitos deletérios, a radiação tem grande importância na medicina, possibilitando exames de imagem que vão desde o raio X até a sofisticada tomografia computadorizada por emissão de pósitrons. A radiação também é usada na esterilização de material cirúrgico.
Na terapêutica contra o câncer, a radiação também é utilizada para destruir tumores em sessões de radioterapia.
Medo
Para Kellen, a população leiga ainda tem pouco conhecimento sobre a radiação, o que leva a um medo exagerado de seus efeitos. "A radiação é muito próxima da vida da gente, mas a população não vê. O paciente que está com uma doença crítica, mas que tem cura, deve fazer vários exames conforme o médico considera necessário. O benefício de se curar é muito maior do que os riscos da radiação dos exames", diz
O estudo de Stanford destaca que, no caso de comunidades que vivem perto de usinas nucleares, como a de Fukushima, esse medo também podem levar a efeitos psicológicos como depressão, ansiedade e sintomas físicos inexplicados. Fenômeno semelhante foi observado em Chernobyl logo após o acidente nuclear.
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Estudo mostra pela primeira vez que radiação de Fukushima poderá causar câncer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU