19 Mai 2012
Às vésperas da cúpula Rio+20, o maior lixão a céu aberto da América do Sul, Gramacho, será fechado.
A reportagem é de Nicolas Bourcier, publicada no jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 18-05-2012.
A montanha de lixo vibra com todo seu peso sob o efeito das escavadeiras e dos últimos caminhões-coletores que vêm despejar suas últimas cargas de dejetos e imundícies. Cerca de 200 formigas humanas ainda se curvam para fazer a triagem dos resíduos, às vezes sem proteção nenhuma nas mãos. Os catadores, como são chamados, homens e mulheres, jovens e não tão jovens, sabem que não continuarão aqui por muito tempo.
Após cinco anos de negociações e várias tentativas infrutíferas, o Aterro de Gramacho, o maior lixão a céu aberto da América do Sul, funcionando desde 1976 sobre um manguezal às margens da Baía de Guanabara, deve fechar definitivamente suas portas no dia 1º de junho.
Uma decisão irrevogável, segundo a prefeitura. O epílogo de uma história longa demais, que começou sob a ditadura militar e que poderia ter terminado em desastre ambiental, uma vez que esse local gigantesco de cerca de 130 hectares, com uma altura de 60 metros, corria o risco de deslizar para o mar a qualquer momento.
A três semanas da abertura da cúpula sobre o desenvolvimento sustentável Rio+20, a extinção do Gramacho vem revestida tanto de importância quanto de valor simbólico. Acima de tudo, ela coloca em uma dura evidência os atrasos acumulados pela cidade carioca em matéria de meio ambiente e saneamento.
O Rio, um dos últimos do mundo em matéria de coleta seletiva, não reaproveita nem 3% das 9.000 toneladas de lixo geradas a cada dia. Os serviços de coleta recolhem somente 1% deles, deixando o resto para os catadores que percorrem noite e dia todos os cantos da cidade, tendo como principal ponto de referência Gramacho e seus arredores, até os últimos dias. “Seu fechamento é uma resposta ao crime ambiental cometido durante todos esses anos pelas autoridades municipais anteriores”, alega o atual prefeito, o jovem Eduardo Paes.
Vendido em 2008, o aterro passou para as mãos de um grupo privado, Novo Gramacho, encarregado de deixar o local seguro e transformá-lo após seu fechamento. A escolha de um terreno “ambientalmente compatível”, capaz de receber um centro mais moderno e mais seguro de reciclagem, recaiu sobre Seropédica, um bairro no subúrbio do extremo leste do Rio. Custo da usina: R$ 250 milhões.
Depois foi preciso conseguir o financiamento para compensar os gastos extras associados à transferência do lixo. Como o preço da tonelada depositada em Gramacho é de R$ 5, contra R$ 38 no novo centro de triagem inaugurado no ano passado, o custo extra anual chegará a R$ 100 milhões para a cidade.
“O fechamento era nossa prioridade,” ressalta Carlos Roberto Osório, secretário da infraestrutura e dos serviços públicos da cidade. “O objetivo é agora aumentar em cinco vezes a capacidade de reaproveitamento dos resíduos, em 2014, passando para 10% em 2016.” Um empréstimo de R$ 50 milhões foi obtido junto ao BNDES a fim de iniciar a construção de seis centros de triagem na cidade. O número de bairros que dispõem de caminhões que coletam esse lixo reciclável deverá triplicar, passando de 40 para 120.
“Estamos longe das normas europeias,” admite o secretário, “mas precisamos reconstruir tudo do zero, repensar as zonas de coleta, cobrir locais totalmente negligenciados como as favelas e certas comunidades afastadas”.
Uma tarefa ainda mais difícil pelo fato de que inúmeras empresas privadas de coleta não têm interesse na coleta seletiva devido ao seu modo de remuneração por peso. Certos representantes de bairros tampouco têm interesse, em razão do financiamento de suas campanhas eleitorais por essas mesmas companhias. “As coisas estão mudando”, diz Osório, referindo-se à lei federal que acaba de obrigar todas as municipalidades, sob pena de multa, a separar todos os seus resíduos recicláveis até 2014. “Essas metas evidentemente são irrealizáveis, mas têm o mérito de dar um direcionamento”, ele diz. “A lei se adaptará, e as cidades também.”
Dos 900 caminhões diários, somente 300 ainda fazem o trajeto até Gramacho enquanto ele não é fechado. Uma transição progressiva, desejada pela prefeitura e pelas associações de catadores. Segundo as listas de seus representantes, há 1.603 deles no local, todos empenhados na triagem, reaproveitamento e separação, dependendo de suas especialidades, de ferro, papel ou plástico, “matérias-primas” que eles revendem a intermediários por preços muito baixos.
“Antes, eu ganhava de R$ 120 a R$ 130 por dia”, afirma Giluan Correo dos Santos, 57, dez filhos e o mesmo tanto de anos passados no lixão. “Desde a diminuição da atividade, passei a ganhar R$ 40 por dia. Estou esperando pela minha indenização.” Após negociações, foi determinado que cada catador registrado receberá R$ 14.864, de uma só vez. As primeiras contas bancárias foram abertas no dia 2 de maio. “É uma bênção, isso vai me ajudar a construir minha casa”, diz Helen, mãe de quatro filhos, 34 anos, 18 dos quais no aterro de Gramacho. “O futuro? Talvez um curso, mas isso seria apertado do ponto de vista financeiro. Algumas pessoas estão se organizando em cooperativas para fazer a triagem diretamente na fonte, nas empresas.”
O montante total do acordo chega a R$ 23,8 milhões. O dinheiro é adiantado pela prefeitura sob forma de empréstimo concedido à companhia Novo Gramacho, responsável pela indenização dos catadores. Esta se compromete a pagar adiantado, graças à receita obtida com a venda do gás metano que emana do lixão.
Sondas já foram introduzidas em sua base. Um gasoduto e uma usina de tratamento deverão entrar em funcionamento já em julho para vender gás à refinaria vizinha Reduc, propriedade da gigante Petrobras. Estão previstos 15 anos de exploração.
“Gramacho pode se tornar um modelo para os outros aterros”, observa Tião Santos, 33 anos, 22 dos quais passados no local. Líder de uma associação de catadores, essa figura central do documentário do artista Vik Muniz dedicado à montanha de lixo afirma querer continuar defendendo a causa de sua profissão. “Gramacho é um começo”, ele explica. “Ainda restam muitos outros”.
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Gramacho: O Rio de Janeiro derruba sua "montanha de lixo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU