Por: Jonas | 17 Abril 2012
Por que a atual crise do capitalismo fortalece quem a provocou? Por que a racionalidade da solução da crise se baseia nas previsões que fazem, e não nas consequências que quase sempre as desmentem? Por que é tão fácil para o Estado mudar o bem-estar dos cidadãos pelo bem-estar dos bancos? Por que a grande maioria dos cidadãos assiste seu empobrecimento como se fosse inevitável, e o escandaloso enriquecimento de uma minoria como se fosse necessário, para que sua situação não piore ainda mais? Por que a estabilidade dos mercados financeiros só é possível à custa da instabilidade na vida da grande maioria da população? Por que os capitalistas individualmente são, em geral, gente de bem e o capitalismo, na sua totalidade, é amoral? Por que o crescimento econômico, hoje, parece a panaceia para todos os males econômicos e sociais, sem que nada seja perguntado sobre os custos sociais e ambientais, se são ou não sustentáveis? Por que Malcolm X tinha plena razão quando advertiu: “Se não tens cuidado, os jornais te convencerão de que a culpa dos problemas sociais é dos oprimidos e não de quem os oprime”? Por que as críticas que as esquerdas fazem ao neoliberalismo entram nos noticiários com a mesma rapidez e irrelevância com que saem? Por que as propostas alternativas escasseiam quando mais são necessárias?
O artigo é de Boaventura de Sousa Santos, publicado no jornal Página/12, 12-04-2012. A tradução é do Cepat.
Estas questões devem estar na agenda da reflexão política das esquerdas, sob pena de serem remetidas ao museu das felicidades passadas. Isto não seria grave se não significasse, como significa, o fim da felicidade futura das classes populares. A reflexão deve começar por aqui: o neoliberalismo é, antes de tudo, uma cultura do medo, do sofrimento e da morte para as grandes maiorias: a ele não se combate eficazmente se não lhe opuser uma cultura da esperança, da felicidade e da vida. A dificuldade que as esquerdas têm, para assumirem-se portadoras dessa outra cultura, advém da queda, durante grande tempo, na armadilha com que as direitas sempre se mantiveram no poder: reduzir a realidade ao que existe, por mais injusto e cruel que seja, para que a esperança das maiorias pareça irreal. O medo na espera mata a esperança de felicidade. Contra esta armadilha é preciso partir da ideia de que a realidade é a soma do que existe, e de tudo o que nela emerge, como possibilidade e luta por concretizar-se. Se as esquerdas não sabem detectar as emergências, serão submergidas ou irão parar nos museus, o que é o mesmo.
Este é o novo ponto de partida às esquerdas, a nova base comum que lhes permitirá, depois, divergirem fraternalmente nas respostas que dão às perguntas formuladas acima. Uma vez ampliada a realidade sobre a qual se deve atuar politicamente, as propostas das esquerdas devem ser percebidas como críveis pelas grandes maiorias, como prova de que é possível lutar contra a suposta fatalidade do medo, do sofrimento e da morte, em nome do direito à esperança, felicidade e vida. Essa luta deve ser conduzida por três palavras-guia: democratizar, desmercantilizar, descolonizar. Democratizar a própria democracia, já que a atual deixou-se sequestrar pelos poderes antidemocráticos. É preciso tornar evidente que uma decisão tomada de forma democrática não pode ser destruída, no dia seguinte, por uma agência qualificada de riscos ou por uma baixa na cotação das Bolsas (como pode ocorrer em breve na França). Desmercantilizar significa mostrar que usamos, produzimos e intercambiamos mercadorias, porém que não somos mercadorias, nem aceitamos nos relacionarmos com os outros, e com a natureza, como se fossem uma mercadoria a mais. Somos cidadãos antes de sermos empreendedores e, para que o sejamos, é imperativo que nem tudo se compre, nem tudo se venda, que existam bens públicos e bens comuns como a água, a saúde, a educação. Descolonizar significa desenraizar das relações sociais a autorização para dominar aos outros, sob o pretexto de que são inferiores: porque são mulheres, porque possuem uma cor de pele diferente ou porque pertencem a uma religião estranha.
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Democratizar, desmercantilizar, descolonizar. Artigo de Boaventura de Sousa Santos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU