21 Março 2012
O novo livro do historiador italiano subverte e redesenha, provocativamente, um conceito.
A reportagem é de Francesco Erbani, publicada no jornal La Repubblica, 20-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
E se fossem justamente os radicais, apesar do rótulo que os prende, os defensores de uma vida individual e coletiva mais sóbria, mais comedida, mais moderada? E os moderados, ao invés, os defensores de uma ordem econômica e social dedicada à competição, ao excesso, ao extremismo?
É a dupla pergunta que percorre ao longo das 170 páginas de Elogio della radicalità [Elogio da radicalidade], um livro do historiador Piero Bevilacqua (foto) que propõe subverter uma questão partindo do nome das coisas e chegando às próprias coisas. E que se oferece como uma reflexão desorientadora em muitos aspectos sobre as causas profundas da crise, "mesmo que o verdadeiro rosto de um certo capitalismo, nós o vimos prescindindo da crise", diz o estudioso, que há muito tempo investiga os efeitos sobre o ambiente, as paisagens e os recursos naturais de escolhas políticas e econômicas.
Eis a entrevista.
O elogio da radicalidade como o elogio da loucura de Erasmo de Rotterdam?
Erasmo contrapunha um modo de pensar razoável, fundamentado no bom senso ao doutrinarismo abstrato. No nosso tempo, o doutrinarismo abstrato espera que o mercado ajuste por si mesmo todas as coisas, e que a tarefa da política é o de pôr óleo na máquina.
E os moderados, segundo o senhor, defendem essa sistematização?
Eles assumem as relações de força existentes como um dado da realidade imutável. Mas o que há de moderado na pretensão das empresas de ter um desempenho cada vez mais intenso dos empregados, que estão cada vez mais precarizados? E o que há no impulso a um consumo sem limites, que seja, que devora recursos e que traz instabilidades aos complicados equilíbrios do planeta?
E seria esse o verdadeiro extremismo?
É extremista a ideologia de uma sociedade baseada na competição obsessiva. Nós conhecemos a torção berlusconiana do moderatismo, que era extremismo em estado puro. E eu não falo dos comportamentos sexuais, mas sim da distorção de toda regra institucional.
E o radicalismo, ao contrário?
Quem é definido como radical tem uma perspectiva invertida. Defende a redução dos desperdícios, individuais e coletivos. Combate a bulimia destrutiva de recursos, a mortificação da operosidade reduzida a mercadoria. Enfim, valores que recuperam a base etimológica do moderatismo, do latim “modus”, medida.
É o decrescimento teorizado por Serge Latouche, que levanta tantas polêmicas.
Não acredito muito na viabilidade política de algumas teses de Latouche. Mas, na sua mensagem, me convencem a recusa do consumismo compulsivo e de um crescimento ilimitado que dilapida o solo, a natureza, a biodiversidade, isto é, os patrimônios a partir dos quais a humanidade viveu. A linguagem de Latouche, contudo, é uma linguagem moderada.
Você argumenta que esse capitalismo teria perdido capacidade hegemônica.
O capitalismo é o primeiro sistema econômico portador de hegemonia, não só de domínio. Ele captura consensos, já diziam Marx e Engels. Mas agora ambos os pilares sobre os quais se manteve essa habilidade, a mesmo que lhe permitiu vencer o comunismo no fim do século XX, estão cedendo. Isto é, a capacidade de produzir riqueza como nenhum outro sistema na história humana, uma capacidade desmentida ainda antes da crise: aumentaram as desigualdades, a riqueza está nas mãos de cada vez menos pessoas, e, em 2000, nos países da OCDE, havia 35 milhões de desempregados, sem contar os trabalhadores precários.
E o segundo pilar?
A libertação do ser humano, transformada em um individualismo patológico. Zygmunt Bauman e legiões de filósofos denunciam a infelicidade produzida pela doença existencial de homens e mulheres levados a se fazerem por si mesmos, a se desprenderem da sociedade. Já se difunde enormemente a literatura médica sobre os mal-estares que afligem a classe alta, produzidos por frustrações e pela absorção total em seu próprio papel de trabalho. Por outro lado, camufla-se a precaridade com a criatividade, provocando a desintegração da identidade individual. Historicamente, o capitalismo sempre prometeu uma melhoria constante da condição humana, tanto através do trabalho, quanto através do progressivo encurtamento dos seus tempos. Agora, ambos são negados. E, com eles, toda promessa de felicidade, o que não produz mais consenso.
É uma crise sistêmica, portanto?
A crise da hegemonia, não é a crise do domínio. Manda-se, mas sem consenso, promovendo até forçações nas regras democráticas.
Você dedica um capítulo a grandes obras e a pequenas obras de engenharia. As primeiras, extremistas, e as segundas, moderadas?
Qualquer pessoa que estude as grandes obras do passado reconhece o admirável esforço de infraestrutura de um país moderno e industrial. No entanto, quando é que termina a gigantesca infraestruturação de um país? Por isso, capitalismo nunca. As grandes obras são um dos modos pelos quais ele funciona. Buscam-se áreas a serem utilizadas para o lucro, independentemente de outras avaliações.
Você é contra o TAV [trem de alta velocidade]?
Não podemos nos permitir uma gigantesca obra que concentra enormes capitais e trabalho em um pequeno pedaço da Itália, enquanto pouco é destinado para reparar o nosso território como um todo, único em fraqueza e fragilidade estrutural, um território completamente reconstruído ao longo dos séculos.
O que quer dizer com reconstruído?
A planície do Pó é obra da engenharia humana, das recuperações de terra dos beneditinos na Idade Média até a dos Estados regionais e do Estado unitário. Grande parte de Ferrara é mantida seca por máquinas hidróvoras. E as obras artificiais precisam de cuidados constantes. Porém, a planície do Pó é uma das partes mais estáveis do país, apesar das ameaças do Pó e da intensidade do ambiente construído, se comparada com as encostas montanhosas, da Ligúria à Sicília. Podemos ver todo esse território desmoronar além do que já desmoronou? Tempos atrás, os agricultores controlavam as águas, cuidavam de esgotos e valas, reflorestavam. Agora, os terrenos estão abandonados. 66% da população está assentada nas faixas costeiras. E o cimento subtrai solo para a absorção de chuvas cada vez mais intensas e concentradas sobre porções limitadas de território.
E o que isso tem a ver com o TAV?
O TAV não é uma prioridade. Uma manutenção constante e difundida coloca o país em segurança e gera desenvolvimento nas áreas internas sujeitas ao abandono: atividades florestas, piscicultura, criação de animais, agricultura que valorize a a biodiversidade, agricultura não só para produzir, mas também para a recreação, para a assistência social. Gasto público é o do TAV, gasto público é também essa, mas que alimenta a iniciativa privada.
Há uma tradição italiana nesse tipo de obras?
Bastaria lembrar a obra secular de engenharia hidráulica que visa a conservar o equilíbrio da lagoa de Veneza. Mas uma excelente lição vem das chamadas recuperações integrais de terras, elaboradas nos anos 1920 por Arrigo Serpieri e outros. Drenavam-se os pântanos e se construíam os vilarejos, as estradas, dava-se a terra aos agricultores, e eles eram instruídos. As obras individuais não resistiam, era preciso construir comunidades.
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As pequenas boas ações do novo radicalismo. Entrevista com Piero Bevilacqua - Instituto Humanitas Unisinos - IHU