09 Fevereiro 2012
A morte do jesuíta biógrafo de Pio IX e autor de um manual de história da Igreja a partir do qual se formaram diversas gerações de estudiosos.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 07-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Morreu na véspera da memória litúrgica do Beato Pio IX – isto é, do papa a quem havia dedicado a maior parte de sua visão de estudioso, com uma biografia em três volumes publicada entre 1974 e 1990 – o padre Giacomo Martina, jesuíta, que faleceu depois de uma doença que durou três anos e meio.
Ele formou diversas gerações de estudantes e de professores da Pontifícia Universidade Gregoriana e, das suas lições, tomou forma o manual História da Igreja de Lutero aos nossos dias (Ed. Loyola). Sempre disposto a ajudar os outros em suas pesquisas, ele tinha um caráter franco e jamais renunciou à sua liberdade intelectual.
Ele nascera em Trípoli, em 1924, mas, desde os primeiros anos de vida, vivera em Roma e entrou na Companhia de Jesus aos 15 anos. Ordenou-se padre em 1953 e também havia se formado em letras na Universidade La Sapienza, ensinando no Seminário Leoniano de Anagni (1956) e depois na Universidade Gregoriana (1964), na Faculdade de Teologia e na Faculdade de História Eclesiásticas (1974).
"O período do Risorgimento – escreveu Maria Lupi, sua aluna e professora de história da Igreja, recordando-o no L'Osservatore Romano – foi o momento em que mais despertou o seu interesse e a sua curiosidade de historiador desde o início. Nunca lhe perguntei as razões dessa preferência, mas não acredito que tenha sido totalmente estranha à sua escolha de um episódio familiar que ele contava frequentemente. O bisavô materno, Giacomo Venezian, do qual portava o nome orgulhosamente, havia sido um garibaldino e havia participado da defesa da república romana em 1849. Essa recordação e essas raízes o divertiam muito, até porque, em certo sentido, refletiam a sua personalidade multiforme, não conformista e, no fundo, amante dos paradoxos".
A paixão por aprofundar o difícil período do século XIX, que viu a Igreja se confrontar com o processo de unificação, já surge em seu primeiro livro, dedicado em 1959 ao Sílabus e ao liberalismo católico. Depois, vieram as traduções dos livros de Roger Aubert e de um ensaio sobre Pio IX (foto) e Leopoldo II. "Certamente, porém – lembra Maria Lupi –, a sua obra mais famosa é a trilogia dedicada a Pio IX, publicada entre 1974 e 1990, a respeito da qual ele costumava dizer: Iuvenis inchoavi, perfici senex. Efetivamente, foram necessários muitos anos para reunir as intermináveis quantidades de documentos, com os quais havia reconstruído o pontificado piano e para elaborá-los com o seu característico método que trazia muito da sua vocação de professor.
A apresentação das fontes e da bibliografia no início de cada temática, mas especialmente a sua surpreendente capacidade de explicar e dessecar os problemas subentendidos aos eventos reconstruídos através dos documentos e de transpô-los em eficazes sínteses, expressas às vezes em uma série de pontos-chave ou de tabelas facilmente memorizáveis, se uniam à absoluta honestidade e liberdade de interpretação e de avaliação dos fatos, dos homens e das ideias, das quais ele punha em relevo magistralmente as 'luzes e sombras'".
Não é nenhum segredo, por exemplo, que, apesar de ter contribuído de forma decisiva para apresentar a grandeza do pontificado do Papa Mastai, certamente não redutível apenas à questão do Risorgimento, o padre Martina não era favorável à sua beatificação. Concluída a grande obra sobre Pio IX, o historiador jesuíta havia se dedicado a escrever outra grande obra, a Storia della Compagnia di Gesù in Italia dal 1814 al 1983 (publicado em 2003). Uma história que chegou quase a se tornar reportagem, incluindo todo o período em que o geral dos jesuítas foi o padre Pedro Arrupe. Mas são incontáveis os artigos científicos, as conferências em congressos e as resenhas: a sua bibliografia, organizada por Simona Negruzzo, reúne 397 títulos.
Até recentemente, além de se cruzar com ele nos debates e nas apresentações dos livros, era possível encontrá-lo na biblioteca da Gregoriana, enquanto ele olhava para um bloco de anotações à caneta de datas, citações, referências. "A quem lhe falava de computadores – escreveu no jornal vaticano outra aluna que se tornou historiadora, Grazia Lo Parco –, ele dizia, divertido, que era preciso guardar as coisas na cabeça. A sua memória, de fato, tornava vivos personagens e contextos".
"Ele tinha – observou ainda Grazia Lo Parco – um modo totalmente próprio de ensinar a história da Igreja, de buscar as fontes, de escrever com lealdade, sem remorso. Quem vinha de uma formação literária antes que teológica sintonizava com ele sem dificuldade, porque a história é história, sem outros adjetivos tendenciosos. A sua leitura, superando no tempo antigos separações, alargava horizontes, levantava perguntas, dava orientações sóbrias e seguras. Como sábias pinceladas, a história saía esboçada em sínteses inesquecíveis, jamais cansativas".
E quando ele participava de algum congresso distintamente secular, talvez sobre o Risorgimento, ele brincava lembrando ser o único secular da assembleia. "Ele sempre convidou os seus alunos – conclui Lo Parco – a estarem presentes nos espaços culturais amplos, a não se fecharem em um gueto, a se confrontar, a se deixar interrogar, a se pôr em discussão. A sua lealdade lhe custou caro, mas também lhe abriu muitas portas e muitas consciências. A sua dedicação é uma herança preciosa".
É significativa a recordação de Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, professor, historiador e hoje ministro italiano para a Cooperação Internacional e a Integração: "Fiquei profundamente triste com o falecimento do padre Giacomo Martina, esplêndida figura de estudioso e de sacerdote".
Nota da IHU On-Line:
Uma versão anterior desta notícia apresentava equivocadamente uma foto de Pio X, em vez de Pio IX. A foto já foi corrigida.
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Faleceu padre Giacomo Martina, um historiador livre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU