Por: Andriolli Costa | 07 Setembro 2013
Fotos: Ricardo Machado |
Inseridas na lógica do capital, que movimenta as sociedades contemporâneas, as universidades perdem cada vez mais seu papel de instituições autônomas, espaços livres para o questionamento e a quebras de certezas, para assumirem a posição de corporações sujeitas às demandas do mercado. Esta é a crítica do doutor em Filosofia, Franklin Leopoldo e Silva, professor aposentado da Universidade de São Paulo – USP. De acordo com ele, a lógica funcionalista permeia toda a civilização moderna. “Como toda a sociedade está submetida a este pensamento, ele prevalece em todas as esferas da vida e, claro, na Universidade”, aponta.
Pesquisador especializado em filósofos franceses, como Bergson, Descartes e Sartre, Franklin vem dedicando vários artigos ao longo dos anos para questionar o papel das universidades na atual conjuntura brasileira. A discussão levantada por ele foi apresentada na quinta-feira, 05-09-2013, durante a palestra “Da Universidade logicamente necessária à Universidade ética e politicamente necessária”, ministrada durante o II Seminário preparatório ao XIV Simpósio Internacional IHU – Revoluções tecnocientíficas, cultura, indivíduos e sociedades. O evento ocorreu na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
A Universidade necessária
Mas e em que consistiria esta universidade logicamente necessária? Para Franklin Leopoldo e Silva, seria aquela orientada pelo raciocínio mercadológico, da exigência de profissionais tecnificados e com conhecimento prático, tendo em vista a pressa com que os acadêmicos devem chegar ao mercado de trabalho. No entanto, alerta o professor, a supervalorização do ensino funcionalista leva à perda da universidade ética e politicamente necessária. “Muitos pensam que a representação legítima da sociedade é o mercado, e que o pensamento da universidade deveria ser o de justificar, racionalizar e reiterar este mercado”, expõe o professor. No entanto, o filósofo alerta para o fato de que, ao assumir para si este papel, a universidade exerceria uma função menor, uma delegação dos poderes oficiais e não oficiais que atuam na definição das necessidades do capital.
“Caminhamos no sentido de divorciar o treinamento profissional da formação do cidadão, o que pode produzir competências específicas e ao mesmo tempo prejudicar a cidadania, ou simplificá-la, adaptando-a às relações exclusivamente mercadológicas”, afirmou Silva em entrevista. Para o professor, essa necessidade de adaptação é uma demanda constante em nossa época. “O país deve se adaptar ao mundo, a universidade deve se adaptar ao país e o aluno à universidade”. Em verdade, no entanto, a palavra acaba sendo utilizada no sentido de conformismo. “Adaptar-se quer dizer aceitar a prevalência destes modelos que, de uma forma, triunfaram na modernidade. É encontrar racionalidades justificadoras para o estado das coisas”. Ainda de acordo com ele, a universidade, ao se adaptar à esta lógica, deixa de poder produzir alguma diferença significativa em relação ao meio em que se insere.
Liberdade de pensamento
Em seu papel questionador instituído desde o princípio, a universidade deveria se mostrar como o espaço adequado para a crítica e o confronto às demandas hegemônicas da sociedade. É nesta questão que se insere a necessidade de autonomia da instituição. Autonomia que, para Franklin, é e deve ser reafirmada diariamente, pois esta existe sempre em relação a algum poder contrário. Em seu lugar de oposição ao pensamento hegemônico dominador, a Universidade não deveria render-se aos interesses alheios. “Isso não significa que a Universidade esteja desvinculada do social. É justamente por estes vínculos serem tão bem estabelecidos que deveria haver uma ligação viva entre a produção de conhecimento e o ritmo do devir”.
Para o professor, discutir autonomia não é uma questão abstrata, mas um imperativo. Especialmente tendo em vista que, frente a situação de perda da autonomia das instituições - que não é percebida como um enfraquecimento pela sociedade. “Isso acontece por que o sujeito contemporâneo é um sujeito descentrado, fragmentado, uma soma de comportamentos induzidos pelas circunstâncias, e não uma unidade centrada em si mesma. Isso repercute sobre a sua conduta e sobre a instituição pelas quais ele atua”.
É possível perceber este fenômeno sob a ótica do traço narcísico do ser humano. Silva esclarece: “Nunca discuto a liberdade do outro quando esta vai ao encontro do meu pensamento. Critico sim quando não está de acordo comigo. Isso é também social, diz sobre os poderes e instituições e como se relacionam com as pessoas”. Eis mais um traço da sociedade que se manifesta na universidade: o culto ao autoritarismo e às certezas pessoais. Raciocínio este que, como alerta o professor, é muito perigoso. Afinal, quem conquistou todas as certezas não precisa mais pensar e, consequentemente, também pode agir sem pensar.
Ética Instrumental
Por mais que se busque uma formação universitária que valorize o ser humano e os princípios éticos da profissão, o espaço para estas discussões é cada vez mais restrito. Isso porque os próprios alunos de cursos voltados para as ciências aplicadas exigem que o ensino seja igualmente aplicado para as suas especialidades. Em cursos como engenharia, jornalismo ou medicina, a disciplina de ética muitas vezes é apresentada não na forma de questionamento e autorreflexão, mas na de normas a serem seguidas, de preocupações jurídicas acerca de comportamentos legais ou ilegais.
“Na USP, alguns anos atrás, os acadêmicos de medicina elegeram Ética como uma das disciplinas mais ‘inúteis’", relembra Silva. “Isso porque o aluno quer saber o que ele vai fazer com aquilo às 3h30 da manhã com o paciente morrendo”. Assim, importa-se uma instrumentalização da ética semelhante à dos Estados Unidos, onde esta é utilizada como artifício para se desresponsabilizar. Uma técnica de decisão. “Por que aí você tem uma objetividade. Uma aplicação prática para o que você está vendo. É o mesmo motivo pelo qual a sustentabilidade teve tanta adesão no mundo empresarial. Apresenta-se um valor subjetivo que é quantificado por meio de um comportamento tecnicamente controlado”, finaliza.
Quem é Franklin Leolpoldo e Silva
Franklin Leopoldo e Silva é graduado, mestre e doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo - USP, universidade onde lecionou desde a década de 1970 e, atualmente, está aposentado. Atualmente dá aulas em outras três faculdades em São Paulo – São Bento, São Judas e Carmelianos. É autor de dezenas de artigos e publicou seis livros, entre eles, o intitulado “O Outro”, publicado pela editora WMF Martins Fontes (São Paulo: 2012).
Para ler mais:
- A universidade e a formação cidadã. Um divórcio. Entrevista especial com Franklin Leopoldo e Silva publicada nas Notícias do dia, de 05-09-2013, no sítio do IHU.
- Democracia na universidade católica. Artigo de Francisco Borba Ribeiro Neto publicada nas Notícias do dia, de 20-12-2012, no sítio do IHU.
- A Banalidade da ética e da política. Entrevista com Franklin Leopoldo e Silva publicada nas Notícias do dia, de 14-09-2006, do sítio IHU.
- A transformação da universidade num campo de missão a partir do conhecimento. Entrevista com Carlos Eduardo Procópio publicada na Revista IHU On-line da edição 307, de 08-09-2009.
- Galimberti e o ser humano na idade da técnica. Confira nas Notícias do dia, de 13-05-2013, no sítio do IHU.
(Reportagem de Andriolli Costa)
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Entre técnica e ética - O dilema das universidades brasileiras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU