Por: Jonas | 13 Agosto 2013
Em julho de 2013, foi publicado um novo relatório a respeito dos riscos associados ao consumo de plantas transgênicas. O documento intitulado “Levantamento e análise de estudos e dados técnicos referentes ao consumo de plantas transgênicas: o caso do NK603”, de autoria do pesquisador Gilles Ferment, foi publicado pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) do Ministério do Desenvolvimento Agrário e realizado com o apoio do Órgão das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
A reportagem é da AS-PTA, publicada pelo jornal Brasil de Fato, 12-08-2013.
Ferment apresenta uma síntese das descobertas publicadas na literatura científica, tanto sobre os riscos gerais ligados ao próprio processo de transgenia, como sobre os riscos relacionados ao consumo de plantas que sintetizam uma toxina Bt (tóxica a lagartas) e/ou toleram altas doses de herbicidas – juntos, esses dois tipos de plantas representam quase a totalidade dos transgênicos plantados no mundo.
Na segunda parte do relatório, o autor aprofunda a questão dos riscos associados ao consumo do milho NK603, tolerante aos herbicidas a base de Roundup. Esse milho foi objeto de avaliação toxicológica independente realizada por pesquisadores franceses, que apontou riscos sanitários graves relacionados ao consumo do produto no longo prazo.
O autor ressalta que, embora a literatura científica sobre riscos dos transgênicos à saúde sempre tenha sido relativamente escassa, o volume de publicações científicas sobre o tema aumentou consideravelmente nos últimos anos e, atualmente, existem mais de cem estudos de toxicidade focados no consumo de ração à base de diferentes plantas transgênicas.
Um dado importante obtido da avaliação desses estudos é que, embora exista um equilíbrio entre os estudos que apontam para riscos para a saúde e aqueles que concluem pela ausência de riscos, a maioria dos estudos que consideram as plantas transgênicas avaliadas tão seguras quanto as plantas convencionais foram realizados pelas empresas de biotecnologia que comercializam esses produtos.
Com relação aos riscos relacionados ao próprio processo da transgenia, Ferment observa que são amplamente documentadas na literatura científica as alterações indesejadas nas sequências genômicas que são transferidas através da modificação genética. Essas alterações são devidas ao fato de o processo de transgenia atualmente empregado constituir uma ferramenta de biologia molecular bastante aleatória e imprecisa. Além disto, a experiência mostra que a integridade do transgene após processo de inserção na célula hospedeira é raramente preservada.
Ferment destaca que, mesmo se melhorias técnicas forem realizadas no direcionamento da inserção de transgenes no DNA de células vegetais, a falta de conhecimento científico relativo ao funcionamento global do genoma impede os pesquisadores de determinar um local de inserção isento de desdobramentos biológicos não desejados. Descobertas recentes a respeito das funções do chamado “DNA lixo” (que representa cerca de 98% do genoma humano, por exemplo) apontam que não existe local no genoma do organismo a ser transformado onde a transgenia não irá alterar a expressão gênica de um ou vários processos biológicos.
Na parte do relatório dedicada aos riscos específicos associados ao consumo de plantas geneticamente modificadas para produzir uma toxina inseticida Bt, têm destaque as evidências científicas demonstrando que, ao contrário do que alegam a indústria e os cientistas defensores da tecnologia, essas proteínas são biologicamente ativas em humanos que consomem as plantas Bt. O autor cita estudos realizados em laboratório que demonstraram que as proteínas Bt podem desencadear uma reação imune ou favorecer respostas imunológicas a outras substâncias, bem como estudos cujos resultados apontam que a suposta total degradação das proteínas Bt durante o processo de digestão em mamíferos não ocorre na realidade.
O autor acrescenta que a maioria dos estudos toxicológicos realizados com cobaias animais disponíveis na literatura científica aponta para a existência de perturbações metabólicas e/ou fisiológicas relacionadas ao consumo de plantas inseticidas.
Entre os riscos específicos associados ao consumo de plantas geneticamente modificadas para tolerar altas doses de herbicidas detalhados pelo autor está, em primeiro lugar, o significativo aumento do volume de herbicidas verificado nessas lavouras e o consequente aumento do consumo de resíduos de herbicidas pelos humanos. Ferment destaca em seguida a questão da subestimação da classificação toxicológica dos herbicidas a base de glifosato, uma vez que já existem atualmente na literatura científica dezenas de estudos que apontam danos toxicológicos em animais ou em células humanas associados ao contato com o glifosato e suas formulações comerciais como o Roundup.
Por fim, a esse respeito, o autor lista uma grande quantidade de exemplos de estudos científicos que apontam a existência de perturbações metabólicas e endócrinas resultantes do consumo de plantas transgênicas tolerantes a herbicidas (HT). No caso da soja RR, por exemplo, pesquisas de longo prazo observaram uma diminuição das enzimas digestivas (pâncreas), alterações da estrutura celular e da expressão gênica em vários tecidos/órgãos (rins e fígado principalmente) e o aumento da atividade metabólica do fígado. Um dos estudos citados observou alteração na estrutura e função dos testículos em ratos que consumiram a soja.
Outros trabalhos referidos levantam graves questões em relação a perturbações endócrinas provavelmente resultantes do consumo de plantas transgênicas HT. Têm destaque, nesse caso, os resultados obtidos pela pesquisa francesa a respeito do milho NK603, tolerante à aplicação do herbicida Roundup (a base de glifosato). O aprofundamento da análise desse estudo é justamente o foco da segunda parte do relatório de Ferment.
O autor ressalta que a pesquisa francesa de toxicologia, realizada pela equipe do professor Gilles-Eric Séralini, foi a única até hoje a analisar os efeitos do consumo de um milho transgênico HT durante período correspondente à vida inteira de um animal modelo (neste caso, o rato). O estudo comprovou cientificamente a existência de perturbações endócrinas e anormalidades hepato-renais nos ratos alimentados com o milho NK603, com e sem o herbicida Roundup, provavelmente indutores de cânceres hormônio-dependentes nesses mesmos animais. As perturbações metabólicas e fisiológicas envolvendo mecanismos hormonais eram sexo-dependentes: nas fêmeas, onde os efeitos de perturbação endócrina foram mais pronunciados, a hipófise foi o segundo órgão mais afetado, após as glândulas mamárias, que desenvolveram a maioria dos tumores observados. Tais perturbações sexo-dependentes não são inusitadas e já haviam sido relatadas em artigos anteriores publicados pela equipe do professor Séralini.
Também foram observados efeitos citotóxicos: os processos de necrose e de congestão do fígado foram 2,5 - 5,5 vezes maiores nos machos de determinados grupos testes. Além disso, as análises bioquímicas revelaram graves perturbações nas funções renais, em ambos os sexos, totalizando 76% dos parâmetros alterados monitorados no estudo.
Ferment discute ainda a polêmica que se seguiu à publicação do estudo, aprofundando questões como escolha da raça de ratos utilizada, o número de animais usados nos experimentos e a metodologia estatística empregada.
Por fim, o autor aborda o processo que levou à liberação comercial do milho NK603 no Brasil em 2008, a despeito de terem sido apresentados vários pareceres contrários à liberação e críticas de membros da própria Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). A maioria das críticas apontava a ausência de provas científicas a respeito da inocuidade do produto para o meio ambiente e a saúde pública. O milho foi aprovado apesar dos votos contrários dos representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Ministério da Saúde e dos representantes da sociedade civil para o meio ambiente e a saúde.
Ferment destaca que, após a publicação do artigo de Séralini, várias entidades da sociedade civil solicitaram aos poderes públicos a reavaliação do milho NK603 no Brasil, mas que, por 14 votos contra 4, a CTNBio rejeitou tanto a reavaliação quanto a suspensão do cultivo comercial dessa variedade. O autor observa que processos idênticos aconteceram em vários países do mundo.
A grande novidade decorrente da divulgação do estudo de Séralini foi a recente publicação de um edital pela União Europeia, no valor de 3 milhões de euros, com o objetivo conduzir uma pesquisa sobre efeitos carcinogênicos desse milho transgênico.
Em suma, a história tem mostrado que o ditado “quem procura, acha” não poderia ser mais pertinente à questão dos riscos relacionados ao consumo de alimentos transgênicos. Não há dúvidas de que, se realizadas com rigor e independência, as novas pesquisas financiadas pela UE irão engrossar o caldo das evidências científicas a respeito das consequências dos transgênicos para a saúde pública. Esperemos que, ainda que aos poucos, essas evidências possam reverter o quadro atual de desregulamentação e utilização em larga escala de transgênicos em nossa agricultura e alimentação.
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Relatório aponta riscos associados ao consumo de plantas transgênicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU