19 Junho 2013
Não é preciso temer o desenvolvimento, a acolhida e a celebração de novas formas de vida comprometida hoje. Elas devem ser acolhidas e encorajadas. Tudo o que se requer é abertura ao Espírito ou, melhor dizendo, a disposição de dançar com o Espírito.
A reflexão é de Maureen Fiedler, religiosa das Irmãs de Loretto, apresentadora do programa Interfaith Voices, programa da rádio pública dos Estados Unidos retransmitido em 66 estações na América do Norte. O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 15-06-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Suponha que alguém queira viver uma vida comprometida com o Evangelho, mas não quer viver os três votos tradicionais – pobreza, castidade e obediência – da forma como eles têm sido geralmente interpretados. Ou talvez apenas um ou dois desses votos fazem sentido para essa pessoa. Talvez alguém queira fazer um novo voto que fale ao coração da sua identidade e chamado. Ou talvez ela ou ele queira desenvolver uma nova forma de vida comprometida sem votos. Todas essas possibilidades já estão acontecendo – e evoluindo.
Meu amigo e mentor espiritual Bill Callahan era um jesuíta com quatro votos eclesiais (pobreza, castidade, obediência e aquele voto especial de obediência ao papa), mas acrescentou um quinto: "Viver uma vida de fé dedicada às obras de justiça". Sua vida foi um documentário sobre o significado desse voto.
As Irmãs da Misericórdia sempre tiveram quatro votos, em que o quarto voto é "o serviço dos pobres, doentes e ignorantes". As Missionárias da Caridade da Madre Teresa fazem um quarto voto de "serviço aos mais pobres dos pobres".
Uma coirmã de Loretto desenvolveu e fez três votos que fazem sentido para ela: um voto de praticar a não violência de Jesus, um voto de solidariedade com todos aqueles e aquelas que não são privilegiados na sociedade e um voto de sanidade ecológica na busca de salvar o nosso planeta.
"Novos" votos, em outras palavras, não são novos.
Comecemos com os três votos tradicionais, olhemos brevemente a sua intenção original e reexaminemo-los à luz do século XXI.
Nos velhos tempos, o voto de pobreza muitas vezes se tornava um voto de dependência. Era preciso pedir ao superior para tudo, desde a pasta de dentes até o uso de um carro. Isso mudou depois do Concílio Vaticano II (1962-1965), quando os religiosos e religiosas que faziam votos começaram a ter verba e a gastar dinheiro.
Mas a dependência não era o propósito do voto de pobreza. Esse voto estava destinado a afastar o coração e a mente de uma pessoa da busca de riquezas e de bens mundanos. Na prática, ele se tornou um voto de partilha, de manter todas as coisas em comum, uma forma de participar da sorte de cada um junto a um grupo com o qual se compartilhavam ideais.
Muitos daqueles e daquelas que vivem o voto de pobreza enfatizam o seu compromisso a viver de forma simples, sem um excedente de bens deste mundo.
Então, como seria um voto do século XXI? Obviamente, há muitas respostas possíveis. Alguém hoje pode abraçar um "voto de partilha" (com outros membros da comunidade ou com o mundo em geral), ou um "voto de viver de forma simples" em um mundo excessivamente repleto de mercadorias. Ou, em uma época de mudanças climáticas, algumas pessoas podem levar em consideração um "voto de viver ecologicamente", como fez uma das nossas coirmãs de Loretto.
O voto de castidade, na realidade, é um termo equívoco. A castidade é uma virtude que requer que alguém seja fiel ao seu estado de vida ou parceiro. Pode-se ser casado e casto ao mesmo tempo, contanto que se seja fiel ao seu cônjuge.
Na vida religiosa, o voto de castidade, na realidade, é um voto de celibato, um voto de viver sem uma relação de amor exclusiva ou sexual com outro ser humano.
O pressuposto por trás disso era de que uma relação de amor primordial, tal como o casamento, distrairia do amor mais forte possível a Deus e ao próximo. Muitos teólogos desafiam essa ideia e apontam para uma legião de pessoas em relacionamentos comprometidos que se fortalecem no seu amor a Deus e aos seus ministérios por meio de uma relação humana íntima. Outros argumentam que o celibato, para aqueles que têm esse chamado, de fato, pode aumentar o sentimento de "um só coração com Deus" na pessoa que faz o voto.
A ideia básica por trás do celibato era uma busca de um amor expansivo: a devoção do próprio coração e mente em primeiro lugar a Deus e ao povo no próprio ministério, aos membros da própria comunidade e/ou ao mundo em geral. Então, como seria um voto nessa tradição no século XXI?
Aqueles que estão em relacionamentos comprometidos e mesmo aqueles que não estão, podem optar por prometer "fidelidade nos relacionamentos amorosos". Para ambos, esse seria um voto de fidelidade a Deus. Para uma pessoa, isso pode significar uma vida de celibato; para outra, um voto de fidelidade em um relacionamento já prometido.
Alguém poderia prometer viver uma vida com um "amor expansivo pela humanidade", partilhando com os necessitados e rejeitando as tradicionais divisões humanas de raça, etnia, classe, gênero e/ou orientação sexual. Isso se assemelha ao "voto de solidariedade" que uma das nossas coirmãs de Loretto fez, ou poderia ser chamado de um "voto de viver compassivamente".
E, como o amor certamente pede a não violência, um "voto de viver não violentamente" poderia fazer parte de tal compromisso.
Na prática, esses votos em evolução tirariam a ênfase da sexualidade e a colocariam no significado expansivo dos relacionamentos humanos amorosos.
O voto de obediência foi instituído em um mundo em que a realeza governava. Era uma época em que bispos, abades e abadessas geralmente eram mais instruídos do que os seus subordinados, e se assumia que eles sabiam mais sobre as necessidades do mundo em geral. Assim, os sujeitos supostamente deviam obedecê-los, especialmente no que se referia ao ministério. Em muitos aspectos, era um modelo militar.
Antes do Vaticano II, esse modelo era mais visível no ministério e na vivência de atribuições dadas a irmãs, muitas vezes em uma base anual. Mas o Vaticano II introduziu grandes mudanças. As irmãs começaram a escolher seus próprios ministérios e condições de vida.
A maioria das comunidades religiosas femininas hoje raramente operam em um estilo militar: as superioras não dão ordens a "subalternas". Os membros são encorajados a se consultar com a liderança, com um diretor espiritual ou com companheiros em um processo de discernimento para tomar decisões importantes, tais como a mudança no ministério. Mas os membros raramente, ou nunca, são ordenados a fazer ou a não fazer alguma coisa. Em Loretto, os membros são considerados como adultos na tomada de decisões.
Assim, as interpretações históricas de estilo militar desse voto não se encaixam no século XXI.
Então, qual é a essência desse voto? A ideia básica é a de permitir que uma pessoa siga o seu chamado evangélico descobrindo como viver o exemplo dado por Jesus.
A maioria daqueles dentre nós que vivem ou levam em consideração uma forma de vida comprometida hoje são bem instruídos e altamente informados sobre as necessidades do mundo, com acesso quase instantâneo à informação. A maioria das pessoas que pensam sobre estilos de vida comprometidos têm fortes consciências formadas pelos valores que moldam a sua fé.
Ao mesmo tempo, nós não somos seres humanos isolados. Muitas vezes, nós precisamos e queremos ajuda e apoio de comunidades ou famílias amorosas para tomar grandes decisões. Nós ansiamos por orientação e sabedoria em comunidade, mas não por ordens de cima.
Então, como alguém poderia expressar a essência desse voto de uma forma que reflita a nova realidade?
Alguém poderia prometer "fidelidade aos valores evangélicos da forma como são guiados por uma consciência esclarecida". Isso comprometeria a pessoa a um processo de discernimento, o mais provavelmente junto com outras pessoas, se for uma decisão importante. Isso também comprometeria essa pessoa a um estudo dos Evangelhos e a um honesto exame da sua consciência. Isso poderia ser simplesmente chamado de "fidelidade a uma consciência esclarecida".
Ou talvez se poderia prometer "pôr os próprios dons a serviço da comunidade em geral", independentemente de como essa comunidade seja definida.
Aquelas pessoas que vivem uma vida comprometida no século XXI não precisam se limitar, de forma alguma, aos três votos tradicionais. As pessoas podem optar por desenvolver votos que expressem o tipo de vida ao qual elas querem se comprometer, valores que tenham uma ressonância especial no mundo de hoje. Os exemplos podem incluir:
É claro que os votos de qualquer tipo não precisam definir a vida comprometida no século XXI, embora precisem de alguns parâmetros significativos. Algumas comunidades ecologicamente focadas, como a Genesis Farm, dão exemplos – por exemplo, um compromisso com a saúde do planeta Terra no que se refere às comunidades humanas.
Algumas dessas vidas comprometidas podem ser vivido sozinhas. Mas fazer parte de uma comunidade de valores (que pode ou não ser uma comunidade de vida comum) soma poder e força a qualquer compromisso. Muito frequentemente, essas vidas comprometidas são vividas como uma forma de filiação alternativa a comunidades religiosas já existentes, contanto que as comunidades sejam abertas a novas ideias e a novas realidades.
Talvez o declínio das vocações tradicionais seja um catalisador do Espírito, abrindo corações e mentes para novas possibilidades. Tais tipos de filiação só podem enriquecer a tradição secular de uma vida comprometida.
Assim, não é preciso temer o desenvolvimento, a acolhida e a celebração de novas formas de vida comprometida hoje. Elas devem ser acolhidas e encorajadas. Eu tenho visto uma vida comprometida sempre em evolução em uma grande variedade de expressões entre as minhas coirmãs de Loretto. Tudo o que se requer é abertura ao Espírito ou, melhor dizendo, a disposição de dançar com o Espírito.
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Pobreza, castidade, obediência: votos tradicionais redefinidos para o século XXI. Artigo de Maureen Fiedler - Instituto Humanitas Unisinos - IHU