Por: Cesar Sanson | 01 Junho 2013
A depressão na economia mundial e o aumento da competição pelo mercado consumidor brasileiro forçaram uma mudança na orientação da política industrial. Alvo de resistências ideológicas, a aposta na formação de empresas líderes, as campeãs nacionais, adotada a partir de 2008, tinha o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social como investidor direto e articulador das fusões e aquisições. Tal política saiu da agenda de prioridades do Planalto. O foco agora são empresas inovadoras, eventualmente de menor porte, mas capazes de concorrer no mercado nacional.
A reportagem é de Samantha Maia e publicada pela Carta Capital, 31-05-2013.
Apesar de o BNDES seguir disposto a apoiar empresas interessadas em se internacionalizar, as candidatas minguaram. Mesmo as tais “campeãs”, entre elas a JBS, a Marfrig, a Fibria, a BRF, a LBR (dona da Parmalat, Vigor e outras marcas famosas de laticínios) e a Oi, botaram um pé no freio, seja pelas dificuldades externas, seja pela necessidade de reduzir o endividamento, após os fortes investimentos na compra de ativos.
A hora, portanto, é de revisão da estratégia de formação de grandes grupos com foco internacional. “Trata-se de uma política sujeita às oportunidades e iniciativas empresariais. É possível que agora seja um momento mais escasso”, diz Julio Ramundo, diretor do banco estatal.
Consolidado o novo cenário, as expectativas dos formuladores da política industrial se concentram em setores como a biotecnologia, em que o atraso nacional é expressivo. O melhor exemplo até aqui: a GranBio, desenvolvedora de etanol de segunda geração, que vendeu, em janeiro passado, 15% do capital ao BNDES por 600 milhões de reais. “Seremos os primeiros a produzir etanol de segunda geração em escala industrial na América Latina”, diz Manoel Carnaúba, vice-presidente de operações da empresa.
Ainda sem faturamento, a GranBio constrói uma usina em São Miguel dos Campos, a 60 quilômetros da capital alagoana, Maceió. Outras que seguem a aposta tecnológica do banco são a Recepta Biopharma (tratamento de câncer) e as companhias de software Senior Solution, Linx e Totvs.
O valor investido, via BNDESPar, é significativo, mas pequeno se comparado aos aportes realizados nos setores escolhidos pela Política de Desenvolvimento Produtivo(PDP), de 2008. As seis companhias citadas acima receberam cerca de 13 bilhões de reais em investimento direto do BNDES, sem falar nos empréstimos a juros mais baixos.
O objetivo era reforçar a competitividade e impulsionar as exportações dos setores de carnes e derivados, celulose e papel, laticínios, alimentos congelados, etanol, mineração e siderurgia básica e gás e petróleo.
A JBS (com a compra da Bertin), a Fibria (união da Aracruz com a Votorantim Celulose) e a BRF (fusão entre a Sadia e a Perdigão) de fato viraram líderes mundiais em seus mercados. A Oi tornou-se a primeira grande empresa nacional na telefonia móvel a partir da fusão com a Telemar, apesar de não ter conseguido levar à frente os planos de internacionalização. O BNDESPar possui 20% de participação direta na JBS, 30% na Fibria, 1,5% na Oi e 13% na Telemar. O banco vendeu suas ações na BRF.
Por que então a reviravolta? Os impactos na economia não foram o esperado. Em 2008, o País tinha 20 mil empresas exportadoras, os manufaturados representavam 47% das exportações. A tendência de consolidação levou o número de exportadoras a cair para 19 mil em 2012, e os manufaturados perderam a primeira posição para os produtos básicos.
O desempenho contribui para a redução do superávit comercial. As vendas ao exterior de produtos com alta e média-alta tecnologia caiu de 26% do total exportado em 2008 para 21% em 2012. É esse quadro que o plano Brasil Maior, lançado em 2011 para substituir a PDP, tenta modificar com mais incentivos à inovação.
“O diagnóstico no lançamento da PDP partia da necessidade de termos grandes empresas para participar das cadeias de exportação. O dinheiro foi dado para setores em que o Brasil já era competitivo, e o crescimento das exportações foi pelas commodities”, diz Mansueto Almeida, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, defensor de uma política industrial capaz de modificar a estrutura produtiva.
Para sustentar os incentivos, os ativos do BNDESPar cresceram de 25 bilhões de reais para 99 bilhões em cinco anos. “O repasse de verbas do Tesouro para bancos públicos foi feito por meio de dívida, com custo fiscal, de 23 bilhões de reais, apenas em 2011. Para ter um retorno baixo com esse tipo de investimento, o desenvolvimento social deveria ter sido maior”, avalia Mansueto.
O economista David Kupfer, assessor da presidência do BNDES, defende que os setores focados pela PDP tinham necessidades particulares. “No caso da celulose, o objetivo era criar canais de comercialização. A maior empresa brasileira na produção de celulose era a trigésima do mundo. No setor de carne, era preciso organizar a cadeia agropecuária para combater problemas de baixa qualidade e certificação”, justifica.
A estratégia, contudo, esbarrou na conjuntura internacional de crise. A dificuldade para reduzir o endividamento causado pelas aquisições é um dos maiores desafios. Nessa perspectiva, a Marfrig, a Fibria e a LBR estão em situação mais complicada.
Segunda maior empresa de carnes do País, a Marfrig registrou prejuízo operacional em 2011 e 2012. No primeiro trimestre de 2013, novo resultado ruim, de 81 milhões de reais. Recentemente foi apresentado um plano de recuperação que prevê a venda de ativos e um rearranjo produtivo. O objetivo é economizar 250 milhões de reais e reduzir o endividamento em 2 bilhões. Com participação do BNDESPar de 19,63%, há o risco de o prejuízo ser socializado.
A LBR protocolou há uma semana um plano de recuperação judicial para reduzir sua dívida de 1 bilhão de reais, com a previsão de venda de 75 milhões em ativos ociosos e quitação do principal a partir de 2021. O plano causou uma baixa contábil de 658 milhões de reais para o BNDESPar, detentor de 30% da empresa. Resultado da fusão da Bom Gosto e da Leitebom, em 2010, a companhia tem perdido valor de mercado e volta sua atuação para o leite UHT, de margens baixas.
A Fibria enfrenta problemas resultantes da valorização do dólar, ao qual é atrelada a sua dívida de 7,7 bilhões de reais. Nos últimos dois trimestres, ela conseguiu, porém, obter resultados positivos. Vendeu ações para reduzir o prejuízo. Os seus diretores confiam em uma elevação da geração de caixa neste ano. Uma subida abrupta na cotação do dólar, contudo, poderá ser fatal.
O endividamento da JBS e da Oi preocupa os investidores. O frigorífico registrou prejuízo entre 2009 e 2011, mas não interrompeu as aquisições. No primeiro trimestre deste ano, as contas voltaram a fechar no azul: lucro de 228 milhões.
No caso da Oi, a alavancagem superou o patamar máximo estipulado para pagar dividendos. A companhia busca se livrar de ativos estratégicos para controlar o endividamento e realizar os investimentos exigidos pela Anatel, depois de descumprir metas de qualidade na prestação dos serviços.
O resultado ruim de várias dessas empresas contribuiu para a queda de 93% dos lucros do BNDESPar, de 4,3 bilhões de reais em 2011 para 298 milhões, no ano passado. Segundo Ramundo, o momento não preocupa. “Pegar períodos curtos não traz análises consistentes. O objetivo do banco não é o lucro na renda variável, e sim o desenvolvimento das empresas.”
A “campeã nacional” em melhor situação não pertence mais à carteira do BNDESPar. A BRF precisou passar por um processo de desconcentração após o Cade aprovar a fusão em 2011. Os resultados têm sido positivos. É hoje a sétima do setor de alimentos no mundo e começou em 2012 a investir em ativos no exterior.
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Um balanço do desempenho das "campeãs nacionais" incentivadas pelo BNDES nos últimos anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU