Por: Cesar Sanson | 14 Mai 2013
125 anos após a promulgação da após a Lei Áurea, continuamos um país escravocrata. Desde 2003, mais de 26 mil pessoas foram libertadas de trabalhos forçados em todo o país.
O comentário é de Henrique Cortez, ambientalista e coordenador editorial do Portal EcoDebate, em artigo publicado pelo sítio EcoDebate, 13-05-2013.
Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do retirou no ano passado 2.560 trabalhadores de condições análogas à de escravo em todo país. Ao todo foram 135 operações já computadas pela Secretaria em 2012 e que resultaram em mais de R$ 8,6 milhões em pagamentos de indenizações aos trabalhadores resgatados.
No estado do Pará foi onde houve maior numero de resgates em 22 operações, que resultaram na retirada de mais de 500 trabalhadores expostos a condição análoga a de escravo. A pecuária foi o setor onde mais houve resgates, seguida por atividades ligadas ao plantio.
E, por favor, atenção ao número de resgatados, porque no período de 1995 a 2012, o Grupo Móvel libertou 44.231 trabalhadores em 3.428 estabelecimentos. Repito: 44.231 trabalhadores em 3.428 estabelecimentos. O número é mais do que relevante e comprova a continuada presença do escravagismo entre nós.
Confira o quadro de resgate desde 1995 clicando no link.
A “lista suja” é um passo importante para erradicar a irresponsabilidade empresarial. Como consumidores/cidadãos devemos exigir que estas empresas criminosas sejam eliminadas do cenário econômico nacional. Caso contrário, os automóveis continuarão a ser abastecidos com uma triste mistura de álcool e sangue. Mas, diante a atual legislação, os escravocratas continuarão impunes, porque apenas as multas não os inibem. É imperativo que sempre sejam criminalmente responsabilizados e que estejam expostos à possibilidade real da expropriação da propriedade e/ou negócio.
E, como se isto não bastasse, mediante liminares judiciais, diversos escravocratas continuam imunes à lista suja.
Conheçam a lista suja através do site do MTE, através da qual e possível identificar as propriedades exploradoras do trabalho escravo através do nome do proprietário, estado, município, nome da propriedade, ramo de atividade.
Há quem questione ou não compreenda a preocupação de ambientalistas para com o trabalho escravo, com o argumento que não é um tema ambiental. O assunto nos interessa e preocupa porque é evidentemente socioambiental. Um verdadeiro ambientalista não aceita uma cidadania parcial ou direitos humanos pela metade.
O trabalho escravo, por outro lado, está associado às madeireiras ilegais e à grilagem de terras públicas na “amazônia sem lei”. Nas palavras do gerente do Ibama em Belém, Marcílio Monteiro – “O crime ambiental é primeiro do iceberg. Atrás vem formação de quadrilha, falsificação de documento, trabalho escravo. Em síntese: é toda uma atividade ilegal que o Ibama, junto com outros órgãos federais que estão atuando na região buscam eliminar”.
Sempre insistimos nas nossas preocupações com o mais do que conhecido consórcio amazônico da devastação: grilagem-madeireiras ilegais-queimadas-pecuária-monocultura da soja. É igualmente importante destacar o crescimento das denúncias de trabalho escravo e degradante na mesma medida da expansão da fronteira agropecuária na amazônia, principalmente porque o trabalho escravo é intensamente utilizado na primeira fase do processo – o desmatamento ilegal.
É importante reafirmar que não falamos da agricultura sustentável e responsável, nem do agronegócio em si, mas dos agrobandidos que se escondem atrás daqueles que produzem de forma correta e responsável.
Defendemos a aprovação da PEC 438 que permite a expropriação, para fins de reforma agrária, das propriedades em que for comprovado trabalho escravo. Defendemos, inclusive, que seja criado uma marco legal igualmente firme com o trabalho escravo urbano. É necessário agir para que a PEC seja votada com urgência. O trabalho escravo é um perverso “subsídio” que a todos prejudica, inclusive os produtores rurais que cumprem a lei.
A imensa maioria dos produtores rurais é social e ambientalmente responsável. Neste sentido nada tem a temer com a PEC 438, que apenas atingirá os escravocratas. Seria importante que a bancada ruralista compreendesse que obstruir o andamento da PEC 438 resulta como contrário aos interesses da maioria dos produtores rurais, apenas servindo para subsidiar a uma minoria criminosa e, aparentemente, muito poderosa.
Há ainda a necessidade de ampliar o combate ao trabalho escravo nos grandes centros urbanos, com destaque para São Paulo, no qual a mão de obra de imigrantes ilegais é escravizada para fins de produção, destacadamente em confecções. O trabalho escravo e/ou degradante nos centros urbanos é tão vergonhoso quanto o seu equivalente rural.
A exploração do trabalho escravo contamina toda a cadeia produtiva, levando às nossas casas a carne, a madeira e as roupas produzidas a partir do suor escravo. Não temos como saber, mas podemos exigir a partir da lista suja que a cadeia produtiva seja interrompida e que os frigoríficos e lojas não comprem produtos que tenham origem do trabalho degradante.
Aliás, já estamos enfrentando boicotes e restrições não alfandegárias, como a recente iniciativa de parlamentares norte-americanos em imporem restrições à importação de produtos siderúrgicos “contaminados” pelo trabalho escravo e do desmatamento ilegal. É evidente que é uma medida protecionista maquiada com a responsabilidade social, mas somos obrigados a reconhecer que os motivos realmente existem e por nossa responsabilidade.
Como cidadãos devemos pressionar o Senado para que a PEC 438 seja retirada da gaveta e colocada em votação.
O país está combatendo o trabalho escravo e os avanços foram significativos, mas ainda há muito que fazer.
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“125 anos da Lei Áurea e continuamos escravocratas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU