11 Abril 2013
São Paulo tem onze milhões de habitantes, cinco linhas de metrô, sete milhões de automóveis, rios poluídos, favelas, avenidas largas, muita fumaça e uma quantidade imensurável de concreto. É a mais rude definição de cidade que o Brasil conseguiu produzir. Mas muitos paulistanos continuam vivendo em contato com a terra. E outros tantos se sustentam com o que plantam e colhem nos espaços ainda não colonizados pelo asfalto.
A reportagem é de Tadeu Breda e publicada por Rede Brasil Atual, 01-04-2013.
Embora não pareça, falar em agricultura dentro da maior metrópole da América do Sul é cada vez menos um paradoxo. De acordo com levantamento da prefeitura, há mais de mil pequenos produtores rurais dentro dos limites de São Paulo. A esmagadora maioria se concentra no distrito de Parelheiros, extremo da zona sul. “Lá tem sido historicamente o cinturão verde da cidade”, lembra Tiago Janela, diretor do Departamento municipal de Agricultura e Abastecimento. “É um lugar que continua guardando muitas características do campo.”
De fato, as regiões agrícolas de Parelheiros nem parecem cidade. As ruas são de terra e há árvores por todos os lados. O lugar é cortado por duas áreas de proteção ambiental e ladeada pelas represas Billings e Guarapiranga. Por ali, cultivar hortaliças e plantas ornamentais é coisa séria: a atividade alimenta famílias, abastece feiras nos bairros mais próximos, cria renda e empregos e evita que as reservas ecológicas deem lugar a condomínios de luxo. “Além de produzir alimentos, a agricultura é uma estratégia do poder público para conservar os mananciais que abastecem os reservatórios de água da cidade”, reconhece Janela.
Algumas partes da zona leste de São Paulo também praticam agricultura pra valer. Mas, como o concreto já avançou bastante por lá, o jeito para seguir plantando e colhendo foi utilizar terrenos onde não é permitido construir. Embaixo de linhas de transmissão elétrica ou em cima de oleodutos, pequenos agricultores vivem com a venda de hortaliças à vizinhança, sobretudo no bairro de São Mateus. Assim como ocorre em Parelheiros, contam com apoio da prefeitura e de ONGs dedicadas à segurança alimentar e à agroecologia. Cumprem uma dupla função para a comunidade: fazem uso “nobre” de pedaços de terra que serviam como depósito de entulho ou ponto de tráfico; e produzem verduras e legumes fresquinhos para a clientela dos arredores.
Parelheiros e São Mateus podem ser vistos como espaços de resistência agrícola em São Paulo, mas há outras frentes de batalha no ataque – e estas se localizam nas áreas mais centrais da cidade, onde a disputa contra o concreto é mais evidente. Recentemente, vizinhos começaram a se organizar em bairros de classe média para retomar praças abandonadas pelo poder público e recuperar um contato com a terra há muito perdido por seus pais. Não querem matar a fome de ninguém. Veem nas hortas uma maneira de reunir gente que vive lado a lado mas sequer se conhece. Vencem as barreiras da falta de tempo utilizando massivamente as redes sociais da internet, por onde discutem e agendam mutirões. Em sua luta pelo verde, estão aliados com outros grupos urbanos, como os cicloativistas, e pretendem colaborar na construção de uma cidade que definem como “mais humana”. Algumas empresas entraram nessa onda.
Um shopping na zona oeste viu nas hortas uma maneira simples de reciclar os restos da praça de alimentação e enquadrar-se no Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que obriga grandes empreendimentos a darem um fim sustentável a seu lixo. Na falta de espaço, a direção decidiu plantar no teto – que tem quase um hectare de área útil. A agricultura também se espalha por escolas, postos de saúde e terrenos particulares por toda a cidade. Cresce a cada dia. Mostra disso é a procura cada vez mais numerosa pelos cursos oferecidos pela Escola Municipal de Jardinagem, que funciona no Parque do Ibirapuera há 38 anos.
“Começou para formar os jardineiros da prefeitura na década de 1970, depois passou a receber inscrições de senhoras interessadas em paisagismo e então se abriu para todos os interessados”, explica Assucena Tupiaçu, professora da escola. “De lá pra cá, o perfil dos alunos mudou muito. Tem gente que vem por indicação médica, em busca de terapia. Outros porque exercem profissões estressantes e querem uma válvula de escape. Há aposentados também.” Em comum, todos manifestam interesse em mexer com a terra – seja para cultivar os próprios temperos dentro do apartamento, para começar uma horta no quintal ou mesmo mudar de vida. “Já encontrei ex-alunos trabalhando com paisagismo no litoral norte, outros no Ceasa”, pontua. “Há muita gente no mercado.”
A Escola Municipal de Jardinagem oferece cursos de hortas, paisagismo, jardinagem e orquídeas – tudo grátis. Quem não mora em São Paulo ou não tem tempo de frequentar as aulas pode também pode aprender. Basta marcar um horário com um dos técnicos da escola ou mandar perguntas pela internet. “Até cartas já recebemos, inclusive do Nordeste.” Assucena acredita que o interesse crescente dos paulistanos pela terra deita raízes na produção industrial de alimentos. “Acho que perceberam o problema dos agrotóxicos e querem saber exatamente o que estão consumindo”, suspeita. “E também é super prazeroso comer o que você mesmo plantou.”
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Hortas resistem na periferia e avançam sobre praças nas regiões centrais de SP - Instituto Humanitas Unisinos - IHU