27 Outubro 2014
O sítio Il Sismografo, 21-10-2014, dirigiu-se a alguns colegas vaticanistas para pedir-lhes uma contribuição de análise e de comentário sobre a importância Assembleia extraordinária sinodal dedicada à família.
Giuseppe Rusconi, do blog Rosso Porpora, ofereceu a sua reflexão em resposta a esta pergunta: "Sem entrar em complexos aprofundamentos, qual a característica ou reflexão que mais lhe chamou a atenção ou que você considera de notável relevância desse Sínodo?". A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a resposta.
Não foi um Sínodo banal, foi um Sínodo realizado no contexto de uma sociedade que fez da "liquidez" a sua bandeira. Muitas coisas do Sínodo nos chamaram a atenção. Mas – considerando na sua globalidade o que aconteceu antes, durante, no fim do Sínodo – uma pergunta surge em nós espontânea e prepotentemente: a Igreja de Roma está se anglicanizando? Ou seja: corre o risco seriamente de tomar o caminho que hoje agrada tanto ao mundo e ao seu conhecido lobby, o da valorização dos "novos direitos", com a consequência dramática – justamente como aconteceu na Comunhão Anglicana – de um doloroso aprofundamento do racha interno entre "progressistas" e defensores radicais da tradicional doutrina social da Igreja?
Somos pessimistas? Não queremos ser, mas a razão nos deixa inquietos. E nos explicamos, recapitulando, primeiro, os momentos importantes do Sínodo. No início, a intuição, certamente feliz, do Papa Francisco, que quis uma reflexão o máximo possível ampla do mundo católico sobre o assunto tão complexo quanto atual da família.
Daí o "Questionário" com as 39 perguntas e as respostas de uma grande maioria das Conferências Episcopais, fundamentadas, muitas vezes, sobre o que surgiu de uma consulta do povo católico do próprio país.
Seguiram-se o Instrumentum laboris, que acolheu tudo isso; os toques de trombeta da fanfarra que – graças também à contribuição de cardeais e bispos, assim como de religiosos de grande nome – alimentaram expectativas e polêmicas; a nomeação papal bastante orientada dos membros das Comissões para a redação da "Mensagem" e do Relatório Final, a Relatio Synodi; o início do Sínodo com os relatórios do secretário-geral e do relator-geral; a primeira semana de intervenções programadas e livres, com um debate aberto e franco, como desejado pelo papa.
Depois, chegou-se à segunda-feira da segunda semana, com a Relatio post disceptationem, lida pelo relator-geral, mas que, na coletiva de imprensa, se distanciou dela nos pontos mais delicados. Memoráveis aquele "o chamado meu relatório" e o convite ao secretário especial (Nota da IHU On-Line: Bruno Forte, bispo de Chieti) a responder a uma pergunta sobre as coabitações homossexuais, considerado como o parágrafo que ele havia escrito.
Memorável o dia depois do comunicado da Secretaria do Sínodo, que desclassificava como um simples documento de trabalho a própria Relatio post disceptationem. Enquanto isso, os sopros da fanfarra elogiavam a "Igreja" finalmente "aberta" às demandas concernentes aos divorciados em segunda união e às pessoas homossexuais (até mesmo às uniões com tal característica).
A Relatio intermediária foi profundamente remanejada nos dias seguintes, por vontade da maior parte dos padres sinodais, distribuídos nos dez grupos linguísticos, os Circuli minores. Na quinta-feira de manhã, o descontentamento de muitos se expressou flagrantemente com a crítica à anunciada decisão da Secretaria Geral do Sínodo de não publicar os relatórios dos círculos.
E não só: também na quinta-feira, foi comunicada a decisão do Papa Francisco de integrar a Comissão para a redação da Mensagem com o cardeal africano Napier e o bispo australiano Hurt.
Perguntas espontâneas: não era possível inserir um africano já inicialmente na citada Comissão? Talvez não havia sido encontrado um suficientemente "progressista"? Ou talvez haja alguns que considerem que os africanos não têm nada a nos ensinar em matéria de família e afins?
Depois, foram obrigado, dado o ar que circulava na Assembleia ou talvez também apenas por considerações de justiça distributiva, a inseri-lo... e o escolhido foi um dos críticos mais duros da Relatio post disceptationem...
Assim, chegou-se ao grande final do sábado, 18 de outubro. Aprovada com larga maioria – com uma votação única sobre o conjunto – a "Mensagem" (que também continha uma referência à reflexão feita sobre o acompanhamento e o acesso aos sacramentos para os "divorciados recasados"), de tarde votou-se sobre cada ponto da Relatio Synodi, o documento final dessa etapa do percurso desejado pelo Papa Francisco.
Quem leu com atenção e comparou entre si a Relatio post disceptationem e a Relatio Synodi não pode deixar de ter notado as profundas diferenças entre as duas. Na linguagem, não mais ambígua, maçante, pós-1968 (lia-se na relatio de um Círculo menor que a Relatio post disceptationem era caracterizada por "um estilo redundante, contorcido, prolixo demais e, portanto, muito frequentemente, cansativo"). Mas também nos conteúdos. Parágrafos extraídos, parágrafos reescritos, acréscimos substanciais um pouco por toda a parte.
Em suma, é provável que, se a Relatio Synodi (como estava nas intenções e nas esperanças de alguns dos organizadores do Sínodo) tivesse se baseado substancialmente na Relatio post disceptationem, teria sido sonoramente rejeitada.
Em vez disso, a Relatio Synodi parece muito mais equilibrada. Em primeiro lugar, evidencia a beleza da família formada por um homem e uma mulher, e aberta à procriação: o conceito é repetido várias vezes.
Depois, sobre os temas "quentes", ela reitera certamente a necessidade de conjugar verdade e misericórdia, apontando várias vezes que a primeira é indispensável para que a segunda possa se expressar plenamente.
É clara a correção de rota sobre o acesso aos sacramentos para os "divorciados recasados". Na Relatio Synodi, lê-se, dentre outras coisas, no número 52: "Diversos padres insistiram em favor da disciplina atual, com respeito à relação constitutiva entre a participação na Eucaristia e a comunhão com a Igreja e o seu ensinamento sobre o matrimônio indissolúvel. Outros se expressaram por uma acolhida não generalizada à mesa eucarística, em algumas situações particulares e com condições bem precisas, especialmente quando se fala de casos irreversíveis e ligados a obrigações morais para com os filhos, que viriam a sofrer sofrimentos injustos. (...) Ainda deve ser aprofundada a questão (…)".
Não há quem não note a extrema cautela em abordar o assunto, também notando que diversos padres sinodais defendem a disciplina atual, e outros defendem uma abertura muito condicionada.
Além disso, deve-se notar o número 48, que afirma que "um grande número de padres salientou a necessidade de tornar mais acessíveis e ágeis, possivelmente totalmente gratuitos, os procedimentos para o reconhecimento dos casos de nulidade": do qual se evidencia que a grande maioria do Sínodo era a favor da simplificação dos procedimentos nos casos de nulidade, a opção preferida no contexto do problema dos "divorciados recasados".
São muito claras as modificações nos parágrafos sobre a "atenção pastoral para com as pessoas com orientação homossexual" (ponto 55), em que – na Relatio Synodi – confirma-se, nem mais nem menos, o que se faz há muito tempo: de um lado, eles "devem ser acolhidas com respeito e delicadeza", por outro, é forte o lembrete do fato de que "não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem mesmo remotas (NdR: note-se esse "nem mesmo remotas"), entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família".
Desaparecem da Relatio Synodi em particular as afirmações: "As pessoas homossexuais têm dons e qualidades a oferecer à comunidade cristã", "A questão homossexual nos interpela a uma séria reflexão sobre como elaborar caminhos realistas de crescimento afetivo e de maturidade humana e evangélica integrando a dimensão sexual" (NdR: ???), "Sem negar as problemáticas morais relativas às uniões homossexuais, reconhece-se que há casos em que o mútuo sustento até o sacrifício constitui um apoio precioso para a vida dos parceiros".
Honestamente, quem escreveu tal parágrafo da Relatio post disceptationem deveria reconhecer a sonora rejeição a respeito.
Utilizando uma terminologia talvez não totalmente adequada, vem à tona, então, que, globalmente, a Relatio Synodi deve ser considerada como um documento bastante equilibrado, a ponto de ser votado pelos tantos "centristas", aliados a uma parte dos "conservadores" (enquanto outra parte votou contra até a cautelosa abertura – cautelosa, mas, mesmo assim, sempre possível "abertura" – ao acesso à Comunhão para os "divorciados recasados").
É um relatório "moderado", de compromisso, em que os "progressistas" parecem ceder muito mais do que os "conservadores". Acima de todos, vale outro exemplo claríssimo, ou seja, o do desaparecimento na Relatio Synodi do ponto da Relatio anterior m que se retoma a constituição Lumen gentium do Vaticano II para introduzir uma analogia entre a relação da Igreja Católica-Igrejas e comunidades irmãs e o matrimônio-uniões imperfeitas: em síntese, se queria afirmar que, tanto nas Igrejas e comunidades irmãs, quanto nas uniões imperfeitas, há "muitos elementos de santificação e de verdade". O conceito, mas muito mais suavemente, foi retomado com outras palavras nos pontos 25 e 41.
Certamente, os "progressistas", que prefeririam muito mais uma Relatio Synodi como cópia da Relatio post disceptationem, puderam ser contados na votação de grande importância simbólica relativa ao número 55, que diz respeito "à atenção pastoral para com as pessoas com orientação homossexual".
Nesse ponto, os "progressistas" constataram que eram 62, pouco mais de um terço da Assembleia, um bom número para impedir a aprovação sinodal com os dois terços exigidos, mas transparente sobre a sua força efetiva hoje, apesar de trombetas e tambores.
Digamos que a "alegre máquina de guerra" sinodal, nessa ocasião, engasgou por causa das muitas pequenas pedras encravadas nas engrenagens. Depois a votação sobre o número 55, o número posterior: e aqui surgiu algo quase inacreditável.
Se 159 o aprovaram, 21 (vinte e um) padres sinodais rejeitaram o seguinte texto: "É totalmente inaceitável que os Pastores da Igreja sofram pressões nessa matéria e que os órgãos internacionais condicionem as ajudas financeiras aos países pobres à introdução de leis que instituam o 'matrimônio' entre pessoas do mesmo sexo".
Conseguem ver algo de inconveniente nesse texto, que fotografa apenas a realidade nua e crua? Porém, 21 o rejeitaram: quem são? De que curva provêm esses "ultras" alegremente "progressistas"?
Em síntese: o Sínodo não se concluiu como gostariam alguns dos seus organizadores e animadores. Prevaleceu a parte moderada dos padres sinodais, que sempre obteve ao menos uma ampla maioria absoluta dos votos. Neste Sínodo, hoje.
No entanto, consideramos que:
- alguns cardeais, bispos, diretores e mídia alimentaram com insistência as expectativas do "mundo";
- as manchetes que apareceram em grande maioria nos meios de comunicação depois da apresentação da Relatio post disceptationem (manchetes, na verdade, geralmente correspondentes ao que foi prospectado na Relatio) induziram os leitores a pensar que a Igreja também se "abria" à comunhão aos "divorciados recasados" e aos "elementos de santificação" presentes nas uniões gays. É difícil corrigir essa impressão que permaneceu nas mentes;
- nos próximos 12 meses, o debate será muito intenso em nível local. Intenso e previsivelmente duro, com grande parte da mídia – imaginem quanto o conhecido lobby tentará se aproveitar disso! – pronta para marginalizar supostos "homofóbicos" (também na Itália, onde foi o caso de que, ao mesmo tempo, tanto um Berlusconi pascalizado, quanto o presidente da Conselho [Renzi], em apoio imediato, propusessem/anunciassem a apresentação em breve de uma lei sobre as "uniões civis" entre pessoas do mesmo sexo);
- no próximo Sínodo, os "conservadores" provavelmente serão menos. Algumas eminências talvez serão "transferidas" primeiro. E é difícil que os bispos novos, nomeados pelo Papa Francisco, sejam da mesma tendência conservadora, fiel à doutrina social vigente da Igreja.
O quadro delineado é complexo e não tranquiliza. Não poucos católicos praticantes pensam no que aconteceu nos últimos anos justamente sobre temas do mesmo âmbito dentro da Comunhão Anglicana.
Quem impulsiona a todo o custo que nos conformemos aos desejos do mundo, quem postula de fato uma Igrja substancialmente "líquida" está consciente do risco de divisões profundas no mundo católico?
Quer-se – por parte de algumas pessoas de boa fé ou motivadas por interesses mundanos – a anglicanização da Igreja de Roma?
Pode até ser verdade que, como disse o secretário especial do Sínodo na coletiva de imprensa, os leigos católicos muitas vezes sejam "mais clericais" do que os padres. Talvez, porém, esses leigos sejam apenas "mais católicos" – expressão correta, apaixonada, comprometida da doutrina social da Igreja – do que alguns deles.
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Sínodo: ''Vamos nos tornar anglicanos?'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU