Por: Jonas | 24 Outubro 2014
Um grupo de cristãos chilenos escreve ao papa Francisco em solidariedade aos três sacerdotes denunciados para a Congregação da Doutrina da Fé, como também para demonstrarem insatisfação com os caminhos traçados por parte da hierarquia católica, especialmente em relação ao comportamento do arcebispo de Santiago, Ricardo Ezzati. O grupo de cristãos lamenta “que apenas 30% dos chilenos dão credibilidade à Igreja católica. Isso significa que metade dos católicos não confia em sua própria Igreja”. A carta é publicada no sítio Reflexión y Liberación, 07-10-2014. A tradução é do Cepat.
Eis a carta.
A propósito dos fatos recentes que desconcertam ao Povo de Deus no Chile
Querido Irmão Papa Francisco,
Junto ao agradecimento pela esperança que o senhor trouxe novamente à Igreja universal, nós, um grupo de cristãos, consideramos conveniente exercer nossa corresponsabilidade como leigos e solicitar, respeitosamente, sua atenção para um fato que mexeu com a opinião pública de nosso país: a acusação, contradições, esclarecimentos e retratações de altos dignitários da Igreja que produziram desacordo, confusão e divisão no Povo de Deus, derivado de uma investigação canônica contra três insignes sacerdotes.
A imprensa informou sobre uma investigação canônica, motivada por opiniões públicas pessoais que expressam: apoio a reformas que são discutidas no Congresso Nacional; acolhida a marginalizados por sua condição sexual; compreensão em relação às mulheres que morrem dramaticamente abortando um filho em gestação; e acompanhamento no discernimento moral.
Sem nos adentrarmos em questões canônicas, vemos que o ocorrido não é um fato isolado, mas, sim, o sintoma de uma grave crise que a nossa Igreja chilena vive, em geral, e a Igreja de Santiago em particular. Por isso, consideramos necessário compartilhar uma visão objetiva da situação de nossa Igreja, oferecendo ao mesmo tempo um testemunho da vida sacerdotal dos irmãos questionados.
1. “Os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho” (EG 48)
Os sacerdotes envolvidos – padres José Aldunate SJ., Mariano Puga e Felipe Berríos SJ. – conquistaram o carinho e o respeito da maioria dos chilenos. Eles são o rosto comprometido e acolhedor de uma Igreja próxima aos pobres e perseguidos. Eles são referências morais e pessoas credíveis por sua coerência evangélica, cativando a multidão de crianças, jovens e adultos, sem distinção de classe, credo, nem ideologia.
Sabe-se que a voz destes sacerdotes incomoda, entre eles, alguns bispos e grupos ligados à Igreja que exercem poder.
2. “Desejo de escutar a todos e não apenas alguns que acariciem os ouvidos” (EG 31)
A opinião pública foi testemunha, com não pouca perplexidade, de um recatado conflito entre o arcebispo de Santiago, cardeal Ricardo Ezzati Andrello, e o núncio apostólico, dom Ivo Scápolo. Enquanto o Cardeal desconhece responsabilidade e atribui culpas à nunciatura, dom Scápolo atua com prudencial sigilo.
Entre os antecedentes objetivos disponíveis, há constância da investigação canônica, assim como da difusão dos fatos em uma reunião do clero de Santiago, presidida pelo Cardeal arcebispo.
Instala-se, assim, a dúvida, a intriga e a desconfiança, invadindo a alma do Povo de Deus que, confundido, contempla o Corpo Místico de Cristo ferido.
3. “A gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8, 22b)
Com estes fatos, impõe-se a censura à liberdade de opinião e se revela um traço da Igreja pré-conciliar, hierárquica e piramidal. Fica também em evidência o indevido respeito pela consciência alheia.
Como um fato persistente, vemos na Igreja de Santiago um nocivo ambiente de desconfiança e de medo, que inibe a liberdade dos filhos de Deus, afetando especialmente o clero e a vida religiosa. Isso é consequência de um estilo de liderança autoritário, de público conhecimento: “Há alguns meses, em reunião com seus vigários, o Arcebispo consultou: “É verdade que me veem como alguém autoritário?” Os vigários se olharam e negaram o fato, pois assumem que o estilo executivo que imprime em sua gestão é parte de sua personalidade”. (Jornal La Segunda, 22 de agosto de 2014).
4. “O dinheiro deve servir e não governar” (EG 58)
Na Igreja chilena, vemos opacidade econômica que atinge a sua imagem pública. Nós fiéis temos o direito de conhecer com transparência as fontes de financiamento e os gastos de nossa Igreja, assim como a administração de seu patrimônio e os vínculos comerciais com alguns grupos econômicos. Nossa Igreja precisa se libertar do apego ao poder do dinheiro, que inibe a liberdade evangélica dos pastores.
Como exemplo, existe o caso da ação judicial de uma família contra a Arquidiocese de Santiago por 200 milhões de dólares, pela suposta apropriação indevida de parte da propriedade da filial da SOPROLE, Sociedade Processadora de Leite do Sul S. A. (El Mostrador, 21 de novembro de 2013).
5. “Não à mundanidade espiritual” (EG 97)
Vemos com preocupação que um emblemático edifício institucional, inaugurado em dezembro de 2013, no Campus Santo André, da Pontifícia Universidade Católica da Santíssima Conceição, leve o nome de dom Ricardo Ezzati Andrello e tenha sido inaugurado por ele mesmo. (http://noticias.iglesia.cl/noticia.php?id=22992)
6. “Cada povo, em seu devir histórico, desenvolve sua própria cultura, com legítima autonomia” (EG 115)
Vemos que não se respeita a autonomia do Estado, como quando o Arcebispo de Santiago fazia lobby privado com o governo do ex-presidente Sebastián Piñera, para persuadir que o Estado do Chile não ratifique a Convenção Interamericana Contra Todas as Formas de Discriminação e Intolerância, adotada pela 43ª Assembleia da OEA. Isto prejudicou a imagem eclesial, colocando-a diante de um severo escrutínio social e político. (The Clinic, 16 de outubro de 2013).
7. “A mensagem que anunciamos sempre tem alguma roupagem cultural, mas às vezes... podemos mostrar mais fanatismo do que autêntico fervor evangelizador” (EG 117)
Enxergamos falta de prudência pastoral quando o Arcebispo de Santiago protagonizou um persistente e forte confronto público na discussão sobre a Reforma Educacional, onde a Igreja aparece defendendo privilégios e mecanismos de segregação que não são compartilhados por todo o Povo de Deus. Muitos veem nisso a defesa de privilégios, mais do que serviço ao Bem Comum.
Nos denominados temas de valor, a falta de serenidade e um estilo de confronto impedem que a riqueza magisterial da Igreja ilumine o diálogo social, provocando tensão na vida cívica do país. (El Mercurio, 19 de janeiro; 22 de maio e 27 de julho de 2014).
8. “A homilia é a pedra de toque para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo” (EG 135)
Vemos como a autoridade do Arcebispo de Santiago se deteriora. Prova disso é que ao convocar para um “Grande Propósito Nacional”, na homilia do Te Deum, realizado na catedral da Igreja de Santiago, no dia 18 de setembro de 2014, não obteve resposta pública. Diante do silêncio, insistiu publicando uma carta, em El Mercurio, no dia 28 de setembro, e novamente não encontrou acolhida.
9. “A Igreja católica é uma instituição credível perante a opinião pública” (EG 65)
Vemos com tristeza a ausência de credibilidade de nossa Igreja, comprovada em uma persistente queda deste atributo nas pesquisas de opinião sérias. Causa-nos dor o fato de que apenas 30% dos chilenos dão credibilidade à Igreja católica. Isso significa que metade dos católicos não confia em sua própria Igreja. (Pesquisa CEP, julho de 2014).
10. “A doce e confortadora alegria de evangelizar” (EG 9)
Nossa Igreja chilena sofre e sua imagem é desacreditada; enquanto o Povo de Deus ressente a crise e parece “como ovelhas sem pastor” (Mt 9, 36b). Nossa Igreja faz muito bem, mas sua tarefa essencial se vê dificultada porque, sem credibilidade, não é possível anunciar a confortadora Alegria do Evangelho.
Querido papa Francisco, para encontrar vias de solução, e pelo bem superior da nossa Igreja, queremos solicitar, respeitosa e responsavelmente, que considere a realização de uma Visita Apostólica até a Arquidiocese de Santiago, para avaliar objetivamente a delicada situação descrita.
Neste atrevimento de lhe escrever uma carta aberta, move-nos um profundo amor pela nossa Igreja, e nos convenceu a advertência que “mais do que o medo de errarmos, espero que nos mova o medo de nos fechar nas estruturas que nos dão uma falsa contenção, nas normas que nos tornam juízes implacáveis, nos costumes onde nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus nos repete sem se cansar: “Dai-lhes vós mesmos de comer”!” (Mc 6,37) - (EG 49).
Com afeto filial, cheio de esperança, e com o compromisso de nossa perseverante oração pelo senhor e pelo bem de nossa Igreja, afetuosamente lhe saúdam:
1. Marta Cruz Coke; 2. Andrés Aylwin A.; 3. Moy de Thoá; 4. Marcial Edwards; 5. Mónica Echeverría; 6. Esteban Tomic; 7. Pía Matta; 8. Héctor Valdés; 9. Carmen Gloria Aguayo; 10 Vicente Sota B.; 11. Isabel Margarita Morel; 12. Luis Matte; 13. Teresa Turpoud; 14. Ricardo French Davies; 15. Carmen Gloria Aguayo; 16. Gustavo Varela; 17. Fabiola Letelier del Solar; 18. María Olivia Monckeberg; 19. Humberto Gianinni; 20. Ana María Bussi; 21. Ramón Huidobro; 22. Florencia Velasco; 23. Claudio Di Girolamo; 24. Estela Ortíz; 25. Alfredo Jadresic; 26. Matilde Chonchol; 27. José Bengoa; 28. Mercedes Bulnes; 29. Roberto Celedón; 30. Carmen Paz Allende; 31. Manuel Jacques; 32. Teresa Valdés; 33. Héctor Noguera; 34. Naschla Aburman; 35. Armando Uribe A.; 36. Luz Pacheco; 37. Juan Guillermo Espinosa; 38. Angélica Prats; 39. Andrés Wood; 40. María Teresa Pozzoli; 41. Fernando Villagrán; 42. Bárbara Larraín; 43. Pedro Gastón Pascal; 44. Isabel Vergara; 45. Jacques Chonchol; 46. Laura Albornoz; 47. Dr. Patricio Bustos; 48. Isabel Aldunate; 49. Nelson Caucoto; 50. Joaquín Velasco; 51. Carmen Barros; 52. Eduardo San Martín; 53. Graciela Bórquez; 54. Eduardo Palma; 55. Sara Campos; 56. Ricardo Halabí; 57. Margarita Iglesias; 58. Harry Dauvern; 59. Kena Lorenzini; 60. Fernán Díaz; 61. Gloria Lazo; 62. Bady Salas; 63. Giselle Munizaga; 64. Jorge Andrés Richards; 65. Verónica Salas; 66. Manuel Ossa; 67. Dra. Fanny Pollarolo; 68. Dr. Arturo Jirón; 69. Viviana Díaz; 70. Marcel Young; 71. Anita González; 72. Pedro Ruz C.; 73. Ana María Allende; 74. Andrea Brandes; 75. Felipe Portales; 76. Cecilia Olmos; 77. Roberto Garretón M.; 78. María Jesús Martínez; 79. Jaime Escobar; 80. Verónica Vergara; 81. Juan Carlos Navarrete; 82. Ana María Aarón; 83. Juan Subercaseaux A.; 84. Alfredo Barahona; 85. Raúl Rosales; 86. Luis Meneses C.; 87. Luis Sebastián Cano; 88. Juan Pablo Canessa; 89. Marco Antonio Velásquez; 90. Eduardo Cruz Coke; 91. Hernán Montealegre; 92. Cristián Palma A.; 93. Alejandro Medina; 94. Celso Rocha Morales; 95. Bosco Parra; 96. Rebeca Ortega Gamboa; 97. Viviana Martínez-Conde Ugarte; 98. Javier Manosalva Iturriaga; 99. Angélica Proaño Calderón;100. Claudia Rozas González;101. Jorge Alvarez Eugenin;102. Hernán Valdés Sánchez;103. Manuel Gutiérrez González; 104. Sandra Martínez-Conde Ugarte; 105. Jacqueline Escobar Fernández; 106. Jasmina Awad Cerda; 107. Pedro Contardo V.; 108. María Eugenia Cifuentes; 109. Felicia Concha Blanchard; 110. Lilia Santos Soto-Moreno; 111. Hilda Sotomayor Monsalves; 112. Rodrigo Aravena; 113. Juana Aguilera Jaramillo; 114. Osvaldo Aravena S.; 115. Rafael Venegas C.; 116. Alejandro Jara S.; 117. Juan Ricardo Fernández; 118. Marcia Quinteros D.
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Grupo de cristãos chilenos escrevem carta aberta ao Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU