11 Agosto 2014
Não nos esqueçamos de que o Hamas, como movimento religioso, também é fruto do encorajamento israelense.
A opinião é do escritor e dramaturgo israelense Abraham B. Yehoshua, em artigo publicado no jornal La Stampa, 02-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Imediatamente depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, o então membro da Knesset, Arie Lova Eliav, homem extraordinário e de grande integridade moral, pediu ao primeiro-ministro Levi Eshkol a permissão de se ausentar por seis meses dos seus deveres parlamentares e políticos.
Ele queria inspecionar os campos de refugiados de Gaza e da Cisjordânia, a fim de se dar conta das condições e dos problemas dos palestinos e estudar possíveis soluções. Eshkol, que sentia muita simpatia por Lova Eliav, seu braço direito durante a construção dos centros habitados da região de Lakhish e da cidade de Arad e ativo em missões humanitárias no Irã e na Nicarágua, quando esses dois países foram atingidos por terremotos, concedeu-lhe a permissão.
Por seis meses, em colaboração com o então ministro da Defesa, Moshe Dayan, Lova Eliav inspecionou os campos de refugiados e, quando voltou a Eshkol, apresentou-lhe soluções originais e práticas. Depois de tê-lo ouvido, Eshkol disse: "Sim, Lova, eu sei que você é uma pessoa séria e que, se tivesse que lhe dar a minha aprovação, como de costume, você voltaria para mim com projetos detalhados, prazos precisos e orçamentos confiáveis. Mas não fique bravo se eu lhe disser para esquecer".
"Então, qual seria a sua proposta para resolver o problema dos refugiados da guerra de 1948, agora sob o governo de Israel?", perguntou-lhe Lova. "A minha solução, respondeu Eshkol, é que vão todos embora, que fujam." "Que fujam para onde?", admirou-se Lova. "E como?" "Eu não sei, murmurou Eshkol, mas seria melhor se fossem embora..."
A conversa terminou assim. Lova, que gostava de Eshkol, atribuiu essa resposta bizarra e inverossímil ao cansaço e à doença do primeiro-ministro, que, de fato, morreu pouco tempo depois. Nenhum refugiado, no entanto, fugiu ou foi embora, como Eshkol queria. E os 400 mil habitantes e refugiados da Faixa de Gaza de junho de 1967 tornaram-se hoje 1,8 milhão.
Os refugiados não fugiram não só porque não tinham para onde ir e porque ninguém estava disposto a acolhê-los, mas também porque permaneceram fiéis à sua pátria mãe e, com obstinada e perigosa ingenuidade, ainda sonhavam em voltar para os vilarejos e as cidades das quais tinham sido expulsos ou das quais tinham fugido durante a guerra de 1948.
E, nesse meio tempo, à espera de que esse sonho impossível se tornasse realidade, começaram a se oferecer como diaristas nos centros habitados israelenses. De manhã cedo, saíam em massa para as cidades e os municípios israelenses dos arredores (no fim das contas, até mesmo Tel Aviv dista apenas 60 ou 70 quilômetros de Gaza), e à noite voltaram para as suas casas na Faixa.
Lembro-me dos seus velhos táxis, grandes e fortes, que corriam pelas estradas do sul ao pôr do sol, lotados de lavadores de louça, de empregados da limpeza, de pedreiros, de trabalhadores manuais, agrícolas e operários.
E talvez foi justamente nas fábricas onde eles trabalhavam que os palestinos de Gaza começaram a aprender os primeiros rudimentos para produzir foguetes artesanais e cavar túneis. Nos bagageiros dos táxis, eram empilhados colchões, utensílios de cozinha e objetos de vários tipos, doados pelos empregadores israelenses.
Alguns desses palestinos ficavam para dormir perto do seu local de trabalho, em edifícios em ruínas, tendas e celeiros. "A cabana do tio Ahmed", assim Lova Eliav definia aquelas acomodações precárias, ele que, embora fosse secretário-geral do partido no poder, criticava duramente a política do governo, despertando a ira da nova e autoritária primeira-ministra, Golda Meir, que, com maligna ingenuidade, se perguntava: e quem seriam esses palestinos? Só seres humanos que podem ser movidos de um lugar para o outro e que, certamente, não possuem uma identidade nacional distinta.
Assim, em 1973, sob o governo do Partido Trabalhista, foi decidido confiscar um terço do território da pobre e lotada Faixa de Gaza e de uma parte não indiferente do seu encantador litoral, para nele assentar, justamente ao lado dos esquálidos campos de refugiados, oito mil judeus, principalmente religiosos, que criaram prósperos centros agrícolas.
E, afinal, por que não? Se, no decurso da sua história, os judeus se estabeleceram na Qasba de Sana'a ou de Marrakech, nas cidades da Polônia, em Vilnius, em Riga, em Cabul, em Bagdá e em Aleppo, por que não poderiam se assentar também entre os miseráveis campos de refugiados palestinos e criar florescentes comunidades, convencidos de ter o mundo inteiro à disposição? Como está escrito: "Este é um povo que vive à parte, e não é contado entre as nações." (Números 23, 9).
Nunca uma decisão foi mais equivocada e nunca uma ação foi mais estúpida e imoral. Uma parte da audácia dos atuais combatentes do Hamas deriva da revolta contra esses assentamentos e contra as inúmeras unidades do exército predispostas para vigiá-los.
Portanto, não é por acaso que justamente um dos pais desses infelizes assentamentos, o primeiro-ministro Ariel Sharon, decidiu evacuá-los e retirar as forças militares que os protegiam. E, ao fazer isso, deu ao regime do Hamas uma clara sensação de vitória que alimenta ainda ainda a sua megalomania e as suas missões suicidas.
E não nos esqueçamos de que o Hamas, como movimento religioso, também é fruto do encorajamento israelense. Nos anos 1980, quando a OLP (a Organização para a Libertação da Palestina), começou a se fortalecer, os israelenses consideraram que teria sido preferível canalizar a energia política e nacionalista dos palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza para instituições religiosas. Teria sido melhor se os palestinos tivessem rezado nas mesquitas em vez de ir pelas ruas atirando jogando pedras contra os israelenses.
Mas, aparentemente, as mesquitas e o estudo do Alcorão não arrefeceram o extremismo político e nacional dos palestinos, ao contrário. Inflamaram-no ainda mais.
Veja também:
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Quando Israel transformou os refugiados em combatentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU