Por: Caroline | 30 Julho 2014
“Porque – e isso tem me incomodado há anos – os palestinos não nos importam muito, não é verdade? Também não nos importa a culpa israelense, que é muito maior pelo grande número de civis que o exército israelense já assassinou”, é o que questiona Robert Fisk, jornalista inglês do The Independent da Grã Bretanha em artigo publicado pelo jornal Página/12, 29-07-2014. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Impunidade é a palavra que vem à mente. Mais de mil palestinos mortos. Infinitamente mais que duas vezes o total de vítimas mortais no voo MH17 na Ucrânia. E se nos referirmos apenas aos mortos inocentes – isto é, não combatentes do Hamas, nem jovens simpatizantes, nem funcionários corruptos desse partido, com quem, a seu devido tempo, os israelenses terão que falar –, então as mulheres, crianças e idosos que foram massacrados em Gaza estão muito acima do total de vítimas nesse voo.
E há algo muito estranho em nossas reações frente a essas escandalosas cifras de mortos. Chamamos para um cessar fogo em Gaza, mas os deixamos enterrar seus mortos nas esterqueiras queimadas pelo sol e nem sequer podemos abrir uma rota humanitária para os feridos. Para os passageiros do MH17 exigimos – imediatamente – uma sepultura apropriada e atenção ao luto. Amaldiçoamos aqueles que deixaram os corpos nos campos do leste da Ucrânia, entretanto o mesmo número de corpos ficou espalhado – talvez por menos tempo, contudo abaixo de um sol igualmente escaldante – em Gaza.
Porque – e isso tem me incomodado há anos – os palestinos não nos importam muito, não é verdade? Também não nos importa a culpa israelense, que é muito maior pelo grande número de civis que o exército israelense já assassinou. Nem também, por acaso, a capacidade do Hamas. Naturalmente, nem Deus iria querer que as cifras fossem invertidas. Se houvesse morrido mil israelenses e apenas 35 palestinos, acredito saber qual seria nossa reação.
Iríamos chamá-la – com justa razão – de um massacre, uma atrocidade, um crime cujos perpetradores deveriam ser chamados a acertar suas contas. E sim, também teria que se fazer responsável o Hamas.
Contudo, por que os únicos criminosos que perseguimos são os homens que lançaram um míssil, talvez dois, em um avião da linha que voava sobre a Ucrânia? Se os mortos em Israel igualaram em número a dos palestinos – e deixe-me repetir, graças aos céus não é assim – suspeito que os estadunidenses estariam oferecendo todo o apoio militar para um Israel ameaçado pelos terroristas apoiados pelo Irã. Estaríamos exigindo que o Hamas entregasse os monstros que dispararam os mísseis para Israel e que, diga-se de passagem, estão buscando ameaçar com seus disparos os aviões no aeroporto Ben Gurion de Tel Aviv. Porém não estamos fazendo isso. Porque os que morreram são em sua maioria palestinos.
Mais perguntas. Qual é o limite de mortes palestinas antes de que decretemos um cessar fogo? Oito mil? Poderíamos ter um marcador? Será a taxa de mortes? Ou teremos que simplesmente esperar até que o sangue atinja o pescoço e aí sim iremos dizer que já basta, que até para a guerra de Israel já é o suficiente.
Não é que não tenhamos passado por tudo isto antes. Desde o massacre dos aldeões árabes pelo novo exército israelense em 1948, como registraram os historiadores israelenses, até o massacre de Sabra e Chatila, quando aliados libaneses de Israel assassinaram 1700 pessoas em 1982, enquanto soldados israelenses os contemplavam; desde o massacre de Qana, de árabes libaneses na base da ONU – sim, de novo a ONU – em 1996 até outra terrível matança, menor, de novo em Qana dez anos depois. E dali ao assassinato em massa de civis na guerra de Gaza 2008/9. E houve investigações depois de Sabra e Chatila, como houve depois de Qana e Gaza em 2008/9, e não nos lembramos de que peso deu-se a elas, algo leve, é claro, quando juiz Goldstone fez o que pode para desacreditá-la, depois disso, segundo meus amigos israelenses, se viu submetido a uma intensa pressão.
Em outras palavras, já estivemos ali. Essa afirmação de que apenas os terroristas têm a culpa por aqueles que o Hamas mata e por aqueles mortos por Israel (terrorista do Hamas, claro). E a afirmação constante, repetida uma e outra vez, de que Israel tem as normas mais altas de qualquer exército no mundo e jamais machucaria a civis, recordo aqui os 17.500 mortos da invasão de Israel em 1982 no Líbano, a maioria dos quais eram civis. Esquecemos-nos de tudo isso?
E, aparte da impunidade, outra palavra que vem a mente é a estupidez. Irei me esquecer aqui dos árabes corruptos e os assassinos do EI e todos os assassinos em massa do Iraque e Síria. Talvez sua indiferença com a Palestina já fosse de se esperar. Eles não dizem representar nossos valores. Mas, o que pensar de John Kerry, o secretario de Estado de Barack Obama, que nos disse na semana passada que é necessário atender os temas subjacentes do conflito palestino-israelense? Que diabos esteve fazendo todo o ano passado, quando afirmou que ia conseguir a paz no Oriente Médio em doze meses? Não se deu conta de por que os palestinos estão em Gaza?
A verdade é que centenas de milhares de pessoas no mundo – quisera eu poder dizer milhões – querem por fim a esta impunidade, por fim a frases como “vítimas desproporcionais”. Desproporcionais em relação a que? Valorosos israelenses sentem o mesmo. Escrevem a respeito. Longa vida a Haaretz, o jornal israelense. Entretanto, os árabes, o mundo mulçumano, fica louco de raiva. E pagaremos o preço.
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A impunidade israelense - Instituto Humanitas Unisinos - IHU