24 Junho 2014
"Na semana passada, celebrávamos a festa de Corpus Christi. Francisco nos surpreendeu pela forma como conseguiu fazer com que se compreendesse a estreita ligação que existe entre tempo e Palavra de Deus, entre ação e também Palavra, entre fazer e dizer. Em suma, da verticalidade à horizontalidade. A festa do corpo do Senhor é festa de adoração. Mas há quem, na nossa terra, não adore o Senhor, mas sim o deus dinheiro; quem, por seus próprios interesses, use a violência contra os menores; quem, para atingir seus próprios objetivos, elimine pessoas materialmente, mate. Há quem inverteu literalmente o conceito de adoração. Aqueles que agem assim, os mafiosos que assim se comportam, colocam-se fora da comunhão com Deus, e por isso são excomungados. É um dado de fato. O papa aplicou a Palavra de Deus à realidade. E o fez não para condenar, mas para convidar à conversão aqueles que se desvincularam da relação com Deus."
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 23-06-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia seguinte à chegada do papa na sua Cassano allo Ionio, o secretário da Conferência Episcopal Italiana (CEI), Dom Nunzio Galantino, repassa as passagens mais significativas da visita.
Eis a entrevista.
Depois das palavras de Francisco, o que é pedido à Igreja em relação à máfia, aos seus sacerdotes?
Acima de tudo, gostaria de lembrar que também haviam sido proferidas palavras fortes a respeito pelos antecessores de Francisco. Lembro particularmente João Paulo II. Mas é evidente que, depois da intervenção de Francisco em Cassano, ninguém, mesmo na Igreja, pode fingir que nada aconteceu. Não há meios termos. Ou servimos a Deus, ou idolatramos o dinheiro, com tudo o que se segue. Certamente, as dificuldades pastorais existem. Por exemplo: se um sacerdote de uma paróquia sabe – porque muitas vezes se conhecem as coisas – que uma pessoa é mafiosa, como ele ainda pode pensar que ela pode ser padrinho de batismo ou de crisma? Ou como pode pensar que pode participar dos sacramentos?
O que é necessário agora é uma maior consciência e, ao mesmo tempo, capacidade de discernimento. Porque não se pode levar uma experiência religiosa entre as pessoas sem compreender que há implicações concretas que não podem ser ignoradas. Certamente, ao mesmo tempo, não podemos esquecer que o apelo do papa é acima de tudo teológico: ele quis lembrar que aqueles que vivem de um certo modo estão fora da comunhão com Deus. E, por isso, quis chamá-los novamente à conversão, a retornar para Deus. Porque esse aspecto também deve ficar bem claro: aqueles que escolheram o mal podem se arrepender, pedir perdão e mudar de vida. A ruptura na relação com Deus existe apenas por escolha voluntária e pela decisão de continuar escolhendo o mal em vez do bem.
No fundo, é a mesma mensagem que o papa deixou, ainda no sábado, aos presos de Castrovillari. Não por acaso, no fim, Francisco lhes disse: "Eu também erro, eu também preciso de perdão e de penitência".
De fato, se, por um lado, ele quis reservar um momento (significativamente, o primeiro) da visita à Calábria ao encontro com os presos, por outro, ele quis lembrá-los que, se eles se encontram na prisão, é porque fizeram mal a alguém, cometeram crimes. E, por isso, é preciso que mudem de vida, que se convertam. Deus espera por todos, sem excluir ninguém. Essa é a mensagem que ele quis dar também aos mafiosos. Lembrar-lhes que a vida que levam é uma existência de excomungados e, ao mesmo tempo, estimulá-los a mudar de veste na consciência de serem pecadores.
A atenção aos últimos parece ser o fio condutor das viagens de Francisco. Na Itália, até agora, ele escolheu terras de sofrimento: a Lampedusa dos refugiados e a Sardenha (Cagliari), onde o desemprego é um problema enorme. Depois Cassano. Etapas que indicam uma nova linha?
Sim. Acima de tudo, pela forma como ocorrem as próprias visitas. Estamos passando cada vez mais de visitas que poderíamos definir como "de Estado", em que, de alguma forma, os políticos e as instituições estão sempre na primeira fila, a visitas claramente pastorais. Em Cassano, Francisco optou por vir e se encontrar com as pessoas. Eram esperadas 90 mil pessoas. Chegaram 200 mil. Mas o papa liderou a jornada tentando privilegiar a todos, começando pelos últimos, pelos pobres. Sei que, antes de cada visita, ele repassa o programa com atenção, também nos detalhes. De fato, ele considera que deve salvaguardar aqueles que estão em dificuldades. No sábado, por exemplo, depois do almoço, ele visitou a Casa Serena, que hospeda 50 idosos. Lá, ele não se encontrou com o conselho de administração da casa, mas apenas com os hóspedes.
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''Os padres não podem mais fingir que não sabem da máfia.'' Entrevista com Nunzio Galantino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU