Por: Jonas | 23 Mai 2014
O que se semeia em tempos de crise, pode dar frutos em épocas de maior crise. As esquerdas radicais da Europa que tentam há várias décadas demolir as falácias da construção europeia, denunciando o rumo antissocial e ultraliberal das políticas econômicas da Comissão Europeia estão prestes a colher nas urnas a constância e a validade de um argumento que afeta milhões de pessoas. As pesquisas anunciam um avanço considerável das esquerdas radicais nas eleições que ocorrem de 22 a 25 de maio para eleger os 751 deputados do Parlamento Europeu. Essa eleição intervém em uma crise de profunda credibilidade que atinge a direção da União Europeia.O sonho da construção europeia não perdeu sua pujança, mas a confiança naqueles que dirigem esse projeto foi por água abaixo.
A reportagem é de Eduardo Febbro, publicada por Página/12 e reproduzida por Carta Maior, 22-05-2014.
Fonte: http://goo.gl/LQ1pfT |
Não há analista ou jornalista que não veja nesta megaeleição que envolve 503 milhões de pessoas uma espécie de “crônica de um desastre anunciado” (Le Monde). Desastre, mas não para todos. Levadas pela mão pela esquerda radical grega (Syriza), dirigida pelo carismático Alexis Tsipras (foto), as esquerdas radicais da Europa podem mudar a correlação de forças no parlamento europeu e destronar os ecologistas. Os verdes eram, até agora, a força rebelde mais forte no parlamento europeu. No entanto, se se confirmarem as pesquisas, as esquerdas radicais podem ultrapassar os ecologistas e estender sua vitória até sobre os conservadores reformistas, grupo formado pelos “tories” do primeiro ministro britânico David Cameron e homens do ex-chefe do governo polonês de Jaroslaw Kaczynski.
Segundo as estimativas de PollWatch, um organismo que compila as pesquisas realizadas nos 28 países da União Europeia, a esquerda radical, sexta força do Parlamento reunida no GUE, Esquerda Unitária Europeia, pode obter 53 deputados contra os 35 que tem atualmente. Ao mesmo tempo, os ecologistas passariam dos 57 eurodeputados atuais para 38. A mudança de aritmética é histórica e obedece de maneira mecânica à crise. PollWatch observa, por exemplo, que a ascensão das esquerda radical notória nos países europeus mais afetados pela crise, isto é: Grécia, Espanha, Irlanda e Portugal. O quarteto de países que no domingo, quando encerrar o processo eleitoral, pode destronar os ecologistas é o que pagou o tributo mais alto aos planos de austeridade ditados pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu e pelo FMI (a famosa Troika europeia).
A cabeça deste fenômeno é Alexis Tsipras, o dirigente grego líder do Syriza. Tsipras conduz as esquerdas da esquerda do Velho Continente como uma locomotiva na direção de uma vitória impensável há apenas dois anos. Recebido como uma estrela de cinema por onde passa, Alexis Tsipras é o candidato da esquerda à presidência da Comissão Europeia. Essa postulação deu às esquerdas radicais uma visibilidade que não tinham nas eleições precedentes, assim como a possibilidade de romper o muro das divisões tão comum em todos os movimentos radicais. Neste sentido, na Itália, a esquerda dura criou “A Outra Europa com Tsipras”, uma lista dirigida pelo líder grego.
A esquerda da esquerda recupera os feridos que o socialismo deixou pelo caminho. Os socialdemocratas semearam um campo de ruínas sociais onde governaram. E onde governam, como no caso da França, pouca coisa os distingue da direita que estava no poder. Neste interstício do cansaço e da decepção é que a esquerda radical entrou. Myriam Martin, candidata da Frente de Esquerda, de Jean-Luc Mélenchon, define muito bem a juventude e a mensagem das esquerdas radicais: “queremos articular um projeto de ruptura com as políticas de austeridade, um projeto de desobediência frente aos tratados (europeus) desastrosos para os povos, um projeto com posições positivas para a Europa onde o ser humano esteja no centro e não a finança”. A Grécia é hoje a referência desse projeto, o ponto de encontro e reconstrução de uma esquerda radical que soube encontrar a fórmula da legitimidade.
Os meios de comunicação sempre zombavam dos grupos da esquerda radical, mas agora estão aprendendo a respeitá-los, a tomá-los em conta como atores centrais do processo político em movimento. No primeiro turno das eleições regionais organizadas na Grécia no dia 18 de maio, Syriza ganhou em Atenas e sua região, muito a frente da Nova Democracia, o partido conservador do primeiro ministro Antonis Samaras, e seus aliados no governo, os mal denominados “socialistas” do PASOK. Atenas está refundando uma opção que, durante décadas, apenas pesou no mapa eleitoral europeu. Pierre Laurent, presidente do Partido da Esquerda Europeia e Secretário Geral do Partido Comunista Francês, estima que “se instaurou uma dinâmica”. Esse brio eleitoral vem precisamente o país que mais sofreu e mais sofre as consequências da política teleguiada desde Bruxelas. Há alguns dias, Alexis Tsipras declarou que a Grécia era “o país que os dirigentes europeus escolheram como cobaia para provar da mais crua austeridade”. Neste sentido, Pierre Laurent admite que, entre muitos benefícios, a figura de Alexis Tsipras “faz retroceder as caricaturas com as quais nos definem”.
O dirigente grego defende três ideias fundamentais que todos entendem: anulação das dívidas que superem a casa de 10% do PIB, supressão dos planos de austeridade e implementação de um Plano Marshall para reativar as economias. Atenas inventou a democracia e hoje, em escala europeia, está reinventando a esquerda de ruptura. As esquerdas da esquerda escandinava, os ex-maoístas belgas do PTB (Partido do Trabalho da Bélgica), a Frente de Esquerda na França, os indignados na Espanha ou os ultra italianos, todos esses grupos que são contra o consenso liberal estão remodelando uma mensagem que é escutada cada vez com mais atenção. No entanto, ao mesmo tempo, aparece a influência destruidora e massiva das extremas direitas europeias chamadas a protagonizar um avanço espetacular no Parlamento europeu.
Ante a impostura da socialdemocracia e o desgaste de suas propostas do museu dos inocentes, essa esquerda radical capta as esperanças ao invés de destruir os sonhos: não luta pela destruição da Europa, mas sim por uma Europa mais social, mais humana e igualitária, onde viver não seja um sacrifício cotidiano, uma oferenda ao Deus do Mercado, aos altares da Bolsa de Valores, aos soldados do sistema bancário, à ditadura do crescimento sem repartição. A esquerda da esquerda viveu sua ressurreição com a crise. E talvez seja a própria crise e a sordidez e indolência daqueles que a administram que coloque em suas mãos a possibilidade de mudar a sério o rumo desumanizado e tecnocrático das democracias europeias.
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Pesquisas apontam crescimento da esquerda radical no Parlamento europeu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU