22 Mai 2014
"O acesso aberto significa a disponibilização livre, gratuita e irrestrita da informação científica na internet, de modo que qualquer usuário possa ler, fazer download, distribuir ou referenciar o texto completo. É o acesso livre, gratuito e irrestrito à literatura científica por meio da internet, promovido ao mundo por pesquisadores sem qualquer expectativa de pagamento", afirma o professor Fernando Leite, da Universidade de Brasília – UnB, destacando que isso se aplica às ciências, não ao desenvolvimento de tecnologia (cujas pesquisas trazem consigo, de forma mais latente, a expectativa de obtenção de lucro). "O acesso aberto é considerado um paradigma no sentido de que é uma nova forma, emergente, que está se instaurando para lidar com as questões da comunicação científica", reitera.
Profº Fernando Leite. Fotos: Luciano Gallas |
Fernando Leite apresentou a palestra Os impactos das redes de informação open source sobre as práticas das pesquisas científicas na noite desta terça-feira, dia 20-05, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
No evento, demonstrou as transformações da gestão da informação e da disseminação do conhecimento a partir da instauração das práticas de acesso aberto à comunicação científica. A atividade integrou a programação do III Seminário preparatório ao XIV Simpósio Internacional IHU – Revoluções tecnocientíficas, culturas, indivíduos e sociedades. A modelagem da vida, do conhecimento e dos processos produtivos na tecnociência contemporânea, que ocorre de 21 a 24 de outubro de 2014. "Só se faz ciência se houver um sistema de comunicação científica e se houver processos de comunicação científica que são realizados por este sistema", aponta o docente.
O pesquisador lembra que a comunicação é imprescindível para a ciência, já que "qualquer conhecimento só é produzido a partir do que se conhece previamente a respeito daquele tópico. A ciência é uma atividade altamente recursiva, recorre aos estoques de conhecimento que já existem. O conhecimento científico se materializa de várias formas, principalmente nos artigos publicados nas revistas científicas, nos capítulos de livros, nas teses, dissertações, relatórios de pesquisa, enfim, na literatura científica como um todo”.
Funções e fases
Para Fernando Leite, são quatro as funções da comunicação científica: registro da autoria da pesquisa, a partir da publicação dos resultados (estabelecendo-se a propriedade intelectual); certificação (avaliação pelos pares), que se consolida a partir da publicação do resultado da pesquisa; a própria circulação do conhecimento produzido, fornecendo-se acesso aos resultados (assim, produz-se ciência a partir das pesquisas realizadas anteriormente, atendendo-se ao caráter recursivo científico); e o arquivamento, a preservação deste acervo para uso futuro. “A comunicação científica existe para realizar estas funções de modo que a ciência possa ser desenvolvida e avance", pondera.
O professor cita Garvey e Griffith para afirmar que são três as fases da comunicação científica: a produção do conhecimento; a disseminação do conhecimento; o uso do conhecimento produzido. "A informação científica é um insumo, um combustível, para o sistema de produção do conhecimento", produção esta que, como dito antes, parte daquilo que já foi produzido anteriormente. Sendo assim, as redes de acesso aberto ao conhecimento científico se inserem em um contexto mais amplo de transformações que incidem sobre estes três momentos: a forma como a pesquisa é conduzida, o modo como ocorre a divulgação dos resultados obtidos e a maneira com que se dá a utilização dos mesmos.
Movimento mundial
De acordo com o pesquisador, o movimento mundial em favor do acesso aberto à informação científica, que pode ser localizado nos anos 2000, é resultado de três questões principais que motivaram as transformações do fluxo da informação cientifica: a preponderância do suporte digital; a estrutura e lógica do sistema de comunicação científica; as transformações das atividades de produção do conhecimento. Por sistema de informação científica, o docente entende os processos e práticas de comunicação e seus variados atores, entre os quais as universidades, os institutos de pesquisa, pesquisadores, bibliotecas, os editores (comerciais ou não) e as agências de fomento à pesquisa.
"A maior parte da informação produzida já nasce digital. As práticas que estão relacionadas com a produção da informação utilizam de mecanismos, de artefatos, condicionados pelo uso de tecnologias. Mas dizer que a informação já nasce digital não significa dizer que teremos uma versão digital destes recursos de informação circulando por aí", aponta ele, citando como exemplo o objeto livro – que tem a gênese digital na sua produção, mas que ainda circula de forma majoritária no suporte impresso. Esta gênese digital agravaria problemas antigos, como a questão da preservação – o processo ainda é muito recente para nos fornecer segurança, tendo em vista que não se sabe ainda quanto do grande volume de informação, inclusive científica, posto em circulação na sociedade contemporânea será preservado para a posteridade. Ao mesmo tempo, o meio digital criaria problemas novos, como as dificuldades de localizar-se a informação desejada em meio a este amplo volume produzido.
Editores comerciais
Por sua vez, a lógica do sistema atual de comunicação científica, baseado ainda no meio impresso, é caracterizada por Fernando Leite como sendo de custos elevados das assinaturas de periódicos científicos, monopólio de editores científicos comerciais, por um modelo de direito de cópia em que nem o pesquisador nem a instituição são mais proprietários do conhecimento produzido, e sim o editor comercial que publica a pesquisa, além da problemática que envolve o financiamento público de pesquisas que, após serem publicadas, terão um acesso restrito. Já as transformações da atividade de produção do conhecimento são decorrentes principalmente da utilização intensiva da tecnologia e do aumento da interdicisplinaridade e colaboração nas pesquisas realizadas, utilizando-se conhecimentos e instrumentos metodológicos de áreas distintas, o que ocasiona novos modos de produção.
"O periódico tem uma função fundamental que é consolidar o resultado de pesquisa, conduzindo o processo editorial, a avaliação pelos pares. Mas não podemos mais esperar que a quantidade crescente de atividade científica dos dias atuais vai se alimentar desta única porta", afirma Leite. Assim, os editores comerciais, em determinados momentos, atuam como barreiras à disseminação do conhecimento, pois possuem motivações diferentes das dos pesquisadores. “Os editores comerciais são grandes conglomerados e correspondem justamente às publicações de maior prestígio, sistema este que se consolidou com o aval dos próprios cientistas”, declara, lembrando que o Portal de Periódicos da Capes obedece a esta mesma lógica comercial, representando, com isso, um gasto anual de cerca de 96 milhões de dólares em assinaturas de periódicos científicos. “Existem outras vias alternativas de comunicação que tornam este processo mais fluído. O acesso aberto surge em função disso", completa.
Repositórios digitais
Conforme o docente, o acesso aberto pode se dar na forma conhecida como via dourada, ou golden road, que é o acesso sem restrições à própria publicação, ao periódico científico, garantindo-se que o mesmo se dê de forma gratuita e sem restrições de distribuição do conteúdo. Ou na forma identificada como via verde, green road, que consiste na disponibilização do artigo publicado em periódico também em sistemas chamados de repositórios digitais. Haveria, inclusive, distinção entre o acesso aberto grátis, que é aquele nos quais os usuários não pagam para ler, e o acesso aberto libre, que, além de gratuito, é livre também de restrições de financiamento e direitos de cópia, de modo a favorecer-se a disseminação e a reprodução da informação.
São repositórios digitais de acesso aberto os repositórios temáticos ou disciplinares, organizados por temas ou áreas de pesquisa (por exemplo, o arXiv.org), os repositórios de teses e dissertações e os repositórios institucionais (organizados a partir da produção acadêmica científica de determinada universidade ou instituto de pesquisa, por exemplo). “O repositório institucional não concorre com os periódicos, que validam, reúnem e conduzem a avaliação pelos pares. O repositório pega aquilo que foi validado, que foi aceito para publicação ou que foi publicado, e o armazena. Ele potencializa algumas funções do periódico, mas não concorre com ele. Os repositórios não publicam. Eles tornam mais acessível e disseminam o conteúdo produzido pelas revistas”.
(Por Luciano Gallas)
Quem é Fernando Leite
Fernando Cesar Lima Leite é graduado em Biblioteconomia, mestre e doutor em Ciência da Informação. É editor pelo Brasil do Eprints in Library and Information Science - E-LIS (repositório temático internacional da produção científica em Ciência da Informação). É professor adjunto da Faculdade de Ciência da Informação da Universidade de Brasília – UnB.
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