14 Mai 2014
"A próxima vez que ouvirem alguém fazer um discurso sobre como é cruel perseguir os ricos, pensem nos tipos de fundos de compensação e se perguntem se realmente seria tão terrível que pagassem mais impostos", escreve Paul Krugman, professor de Economia de Princeton e prêmio Nobel de 2008, em artigo publicado pelo jornal El País, 10-05-2014.
Eis o artigo.
A mais recente “lista dos mais ricos” do Institutional Investor, uma compilação dos 25 gestores de fundos de cobertura melhor remunerados, foi publicada na revista Alpha; e esses caras ganham um monte de dinheiro. Surpresa!
Mas, antes de descartar o estudo por não apresentar nada de novo, pensemos qual é o significado destes 25 homens ganharem (sim, todos são homens) um total de 21 bilhões de dólares (46,6 bilhões de reais) em 2013. Especificamente, consideremos a maneira em que sua boa fortuna desmonta vários mitos populares sobre a desigualdade de renda nos Estados Unidos.
Em primeiro lugar, a desigualdade atual não tem nada a ver com os graduados. Tem a ver com os oligarcas. Aqueles que fazem apologia da desigualdade crescente quase sempre tentam disfarçar as enormes rendas dos verdadeiramente ricos misturando-os com os meramente acomodados. Em vez de falar do 1% ou do 0,1% mais endinheirados, falam do aumento da renda dos diplomados, ou talvez dos 5% com rendimentos mais elevados. O objetivo dessa distorção é suavizar a imagem para que pareça que estamos falando de profissionais altamente qualificados que saem na dianteira graças à formação e ao trabalho duro.
Mas muitos norte-americanos têm uma boa formação e trabalham duro. Por exemplo, os professores. No entanto, não ganham uma fortuna. No ano passado, esses 25 gestores de fundos de compensação ganharam mais do que o dobro de todos os professores de educação infantil dos Estados Unidos juntos. E não, nem sempre foi assim: a enorme distância que separa agora a classe média alta dos verdadeiramente ricos não apareceu até a era Reagan.
Em segundo lugar, não liguem para a retórica sobre os “criadores de emprego” e tudo isso. Os conservadores querem fazer vocês acreditarem que os grandes salários dos Estados Unidos moderno vai para os inovadores e os empreendedores que criam empresas e fazem a tecnologia avançar. Mas isso não é o que os gestores de fundos de compensação fazem para ganhar a vida; o negócio deles é a especulação financeira, o que John Maynard Keynes definiu como “prever o que a opinião média espera que seja a opinião média”. Ou, já que grande parte das suas receitas vem das comissões, na verdade o seu negócio é convencer os outros de que podem prever a opinião média sobre a opinião média.
Houve um tempo em que alguém podia argumentar, sem rir, que todos estes acontecimentos eram produtivos, e que, de fato, a elite financeira oferecia à sociedade um serviço de acordo com a remuneração recebida. Mas, a esta altura, as evidências indicam que os fundos de compensação são um mau negócio para qualquer pessoa, exceto para os seus administradores; não oferecem um rendimento alto o suficiente para justificar essas comissões enormes e são uma importante fonte de instabilidade econômica.
Em linhas gerais, continuamos vivendo à sombra de uma crise provocada por um setor financeiro sem controle. A catástrofe total foi evitada quando os bancos foram salvos à custa dos contribuintes, mas ainda estamos longe de ter recuperado os milhões de postos de trabalho perdidos e bilhões de prejuízos econômicos. Com esse pano de fundo, será que estão mesmo dispostos a afirmar que aqueles que mais ganham dinheiro nos Estados Unidos – que são basicamente diretores financeiros ou executivos de grandes corporações – são heróis econômicos?
Finalmente, uma análise detalhada da lista dos ricos apoia a tese que Thomas Piketty tornou famosa em seu livro Le Capital au XXIe siècle [O capital no século XXI], ou seja, que estamos nos movendo em direção a uma sociedade dominada pela riqueza, em grande parte herdada, e não pelo trabalho.
À primeira vista, pode ser que isso não seja tão óbvio. No final, aqueles que integram a lista dos ricos são homens autofabricados. Mas na sua grande maioria fizeram a si mesmos há muito tempo. Como observado por Matt Levine, da Bloomberg View, na atualidade, muitos dos rendimentos dos executivos financeiros seniores não vêm do investimento do dinheiro de outros, mas dos rendimentos obtidos do dinheiro que eles mesmos acumularam (ou seja, a razão pela qual ganham tanto é porque eles já são muito ricos).
E isso é, se pararem para pensar, uma consequência inevitável. Com o tempo, a desigualdade de renda extrema leva a uma desigualdade de riqueza extrema; de fato, a porcentagem de riqueza dos 0,1% daqueles que mais ganham nos EUA voltou aos níveis da era dourada do fim do século XIX. Isso significa que os altos rendimentos proveem cada vez mais das rendas de investimento, e não dos salários. E é apenas uma questão de tempo que as heranças se tornarão a maior fonte de grande riqueza.
Mas por que tudo isso é importante? Essencialmente, por causa dos impostos. Os Estados Unidos têm uma longa tradição de cobrar impostos elevados sobre os altos rendimentos e grandes fortunas com a ideia de limitar a concentração do poder econômico e, além disso, arrecadar dinheiro. Hoje em dia, no entanto, a mera insinuação de que essa tradição seja recuperada esbarra em afirmações austeras de que taxar os ricos é destrutivo e imoral (destrutivo porque desencoraja os criadores de emprego a se dedicarem aos seus negócios e imoral porque as pessoas têm o direito de ficarem com o que ganham).
Porém, essas afirmações se apoiam basicamente em mitos relacionados àqueles que são, na realidade, os ricos e como acumularam as suas fortunas. A próxima vez que ouvirem alguém fazer um discurso sobre como é cruel perseguir os ricos, pensem nos tipos de fundos de compensação e se perguntem se realmente seria tão terrível que pagassem mais impostos.
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Isso sim que é ser rico. Artigo de Paul Krugman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU