28 Abril 2014
Alguns precisam esperar por séculos, enquanto com João Paulo II as coisas foram velozes: apenas nove anos depois da sua morte, Karol Wojtyla, papa da mudança radical na Europa, será declarado santo no próximo domingo, em Roma. Juntamente com João XXIII, que convocou o Concílio Vaticano II em 1962. Peter Kreiner falou sobre santidade com o professor emérito de dogmática de Tübingen, Peter Hünermann – e sobre como a santidade é conciliável com eventuais "pecados originais" dos candidatos.
A entrevista foi publicada no sítio Der Westen, 23-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O que é a santidade? Para ser ou se tornar santo, é preciso rezar todo o dia?
Não! Não há modelos rígidos. Mas os santos deveriam ser exemplos. Assim como os bispos, os pastores da Igreja. Paulo já diz isso muito naturalmente no Novo Testamento: sigam o meu estilo de vida, o modo como eu me coloco em relação a Cristo. As pessoas se orientam sempre em relação a pessoas em posição de autoridade, começando pelas crianças, que se orientam em relação aos pais. E, nos seus 2.000 anos, a Igreja declarou santas pessoas de tipos muito diferentes.
Dependendo da situação histórica, da abordagem religioso-pedagógica do tempo ou da influência de grupos de pressão dentro da Igreja, muda o tipo de santos. E também sempre estão em jogo influências e decisões políticas. Ou o impulso de lugares ou países específicos que querem os seus santos especiais. Também houve aberrações – por exemplo, a produção e a difusão de relíquias. No entanto, não é necessário ser declarado santo para ser santo. Quando há a canonização, trata-se, acima de tudo, de saber se essa pessoa deve ser venerada publicamente.
Há críticos que afirmam que, com João Paulo II, foi ocultado constantemente todo um sistema de abusos de menores...
Espero que esse problema tenha sido analisado a fundo. Se não o foi, eu o consideraria um erro grave. Porque, na sua biografia, há alguns pontos críticos. Por exemplo, quando explodiu o escândalo dos abusos de menores com Hans Hermann Groër, que era então arcebispo de Viena, João Paulo II fez uma visita à Áustria e tomou Groër expressamente sob a sua proteção. Depois, quando eu li o seu discurso, eu me perguntei se o papa, antes de tal viagem, tinha dado uma olhada na imprensa austríaca, onde eram reveladas e sustentadas todas as coisas possíveis. Só espero que tais problemas tenham sido abordados durante o processo de canonização e também que tenha sido esclarecido como tudo aconteceu, o quanto ele estava informado, quem lhe forneceu os seus textos etc.
Uma canonização é um ato infalível?
Não, acho que não. Certamente, é admitida a veneração pública, que naturalmente é uma questão que diz respeito à fé. Mas daí a falar de infalibilidade... Só posso dizer que a misericórdia de Deus é grande (risos). Mas, para todos nós, que somos todos pecadores.
Francisco também teria tido a oportunidade de declarar santo um exemplo de simpatia: Madre Teresa, que muito em breve foi declarada bem-aventurada em 2003, mas cuja causa não seguiu em frente depois. Talvez lhe falte um lobby no Vaticano?
Não sei como as coisas estão precisamente. Madre Teresa certamente abriu os olhos de muitos sobre a miséria das pessoas nos países em desenvolvimento. Ela baseou tudo em uma atenção total, que renuncia completamente ao emprego de meios técnicos, médico ou outros. Provavelmente, isso também provocou uma certa celeuma. Ela tinha o seu carisma, foi um sinal muito forte. Mas pessoas como ela muitas vezes encontram dificuldades.
Ou tomemos Oscar Romero (bispo de San Salvador, assassinado em 1980, defensor socialmente comprometido da teologia da libertação). João Paulo II, na sua última visita à América Central, falou expressamente a respeito com a Conferência Episcopal, mas os bispos, em sua maioria, disseram não à canonização. A partir disso, nota-se como são fortes as tensões dentro da Igreja também.
Por que, entre os políticos canonizados, existem apenas imperadores e reis, e nenhum democrata?
(Hesita por um longo tempo) Eu acredito que isso dependa de muitas coisas juntas. Acima de tudo, a política em uma democracia é sempre uma política de partido. Por exemplo, se a CDU [União Democrata-Cristã] tivesse um santo, então o SPD ]Partido Social-Democrata] também precisaria ao menos de um santo. Essa é uma dificuldade. E depois na Igreja sempre se teve algumas ressalvas em relação a todas as questões políticas.
Uma forma interessante de colocar políticos diante do olhar da fé existe na região de Schwäbische Alb. Lá, um pároco colocou belas figuras de madeira na igreja. Madre Teresa, Oscar Romero, mas também Mahatma Gandhi e Martin Luther King. Lá se vê logo que todos tinham muito a ver com a política. Mas também se vê que as fronteiras confessionais foram superadas. Quando se trata de grandes figuras na política que vivem de fé, também há sempre um grande componente ecumênico dentro, há também uma relação com as outras religiões. São indícios de que algo novo está se formando.
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''A canonização não é um ato de infalibilidade''. Entrevista com Peter Hünermann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU