08 Abril 2014
"O biochar, junto de sistemas agroecológicos e de produção orgânica, vai fornecer condições para uma renascença microbiológica e dar condições a agricultores de mudarem de uma dependência de produtos químicos para sistemas naturais com maior rapidez e com menos perdas de produtividade", escreve Craig Sams, co-fundador do Green & Black’s e da empresa Carbon Gold, em artigo publicado por The Ecologist, 04-05-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Uma “harmonia convergente” no calendário Maia coloca algo grandioso para Craig Sams e seus parceiros belizenses. Primeiro, o chocolate Green & Blacks, e a gora um projeto ainda maior para restaurar os solos dos mundo usando biochar e sistemas orgânicos de cultivo.
Adicionar biochar – ou biocarvão – ao solo ajuda a sequestrar carbono, a restaurar a fertilidade e a trazer os solos do mundo de volta à vida.
Em 1987, “The Mayan Factor” [O fator maia], livro escrito por Jose Arguelles, inspirou as pessoas a se reunirem, no dia 17 de agosto, em vários “pontos de poder” ao redor do mundo para celebrar a Convergência Harmônica.
Tratava-se do alinhamento planetário que antecipava o evento de 21-12-2012, o qual marcaria o fim de um baktun de 5125 anos do calendário Maia de longa contagem na data 13.0.0.0.0.
Neste dia, resolvi fazer algo com chocolates
Em vez de me reunir em Glastonbury, Machu Picchu ou Chaco Canion, fomos eu, Anthony Conforti e o cameraman Malcolm Electric Warrior para o sul de Belize gravar o festival Deer Dance, evento de quatro dias que ilustra o passado, o presente e o futuro dos maias.
No último dia, antes que o grande polo fosse erguido aos céus a partir de um buraco no chão para representar a união do firmamento com a terra, o agricultor maia Maximo Bolon me levou para uma caminhada nas proximidades de um pomar de cacau.
Fiquei paralisado quando olhei e, então, provei o cacau: os grãos, há muito tempo sagrados para os maias, são ingrediente essencial para o chocolate e o cacau. Desde aquele dia resolvi fazer algo envolvendo chocolate.
O fracasso do cacau industrial
Naquela época os agricultores, assessorados pelo USAID e pela FAO, estavam plantando novos pomares sob um padrão industrial: árvores enfileiradas, sem haver sombras, e grande dependência de insumos de fertilizantes químicos e fungicidas.
A mesma coisa estava acontecendo em todo o mundo: a industrialização do cacau levou à plantação de 414 mil hectares na Malásia e de 125 mil no estado brasileiro da Bahia. Felizmente, tudo terminou em lágrimas.
O cacau da Malásia era sem sabor e, sem a mão de obra escrava das tribos locais da Tailândia e de Laos, não lucrativo. O cacau brasileiro foi dizimado pela “vassoura de bruxa”, uma doença que destruiu todo o cacau baiano em questão de meses.
Somente 20 mil hectares continuam existindo na Malásia e os remanescentes no Brasil adotaram sistemas agroflorestais não industriais.
Em Belize, uma tragédia semelhante estava em formação
Os agricultores em Belize descobriram que, tão logo as árvores de cacau que eles plantavam usando dinheiro emprestado se encontravam em produção, o preço despencava.
A eles era prometido US$ 1,75 por libra-peso, mas ao fim este valor ficou por 55 centavos. Tiveram dívidas com o banco e se confrontaram com o encerramento das atividades.
Felizmente para mim, eles pararam de usar produtos químicos caros. E felizmente para eles eu me encontrava desesperado por cacau orgânico para a Green & Black’s, empresa que eu havia começado dois anos antes usando cacau orgânico do Togo.
Fizemos um acordo e eles continuam a abastecer a Green & Black’s já faz 21 anos, produzindo a partir de bases orgânicas agroflorestais.
A relação com o bichar
Em 2008, eu estava em Belize com John Moussouris, um empreendedor do Vale do Silício que era apaixonado pelo potencial de o biochar ajudar a reduzir as emissões de gases do efeito estufa.
Ele gentilmente organizou uma viagem para três agricultores maias viajarem à Universidade de Cornell, onde o professor Johannes Lehmann nos deu, a mim e a eles, um curso intensivo de dois dias sobre produção e uso do biochar.
Biochar é simplesmente carvão. Quando feito em temperaturas relativamente baixas (400° - 600° C) e, em seguida, moído em partículas de 1-5 mm, passa a ter propriedades notáveis ao ser adicionado ao solo. Ele faz com que os solos retenham água e nutrientes, reduzindo o estresse advindo da seca e os custos com insumos.
Talvez a sua qualidade mais importante seja que sua estrutura microporosa fornece um ambiente húmido e protetivo no qual micorrizas e bactérias associadas podem florescer.
Estes micro-organismos nutrem a planta ao transportarem nutrientes às raízes, onde eles podem trocá-los por carboidratos feitos pela fotossíntese nas folhas das plantas.
Eles também zelosamente protegem as “suas” plantas de organismos parasitários que são a fonte da maioria das doenças de plantas. Adicionar biochar pode, pois, trazer ganhos econômicos.
Biochar: cultivo produtivo continua ano após ano
Ao agricultores maias retornaram a Belize e começaram a produzir biochar com a ajuda da Carbon Gold, nossa empresa.
Construímos fornos junto de pequenos agricultores que produzem, de forma eficiente, biochar. Na medida em que estes pequenos fornos de pirólise podem ser transportados de uma fazenda a outra e processar uma variedade de matérias-primas, os agricultores conseguiram facilmente adotá-las em seus próprios sistemas de cultivo, produzindo uma alteração valiosa do solo a partir do fluxo de resíduos agrícolas.
O sistema de “corte e queima” que exige 5 vezes mais terras para ser preparada a fim de entrar em nível de produção está agora sendo substituído por um sistema de “corte, queima e palhagem”, que permite aos agricultores obterem safras, ano após ano, a partir de uma mesma terra ao mesmo tempo em que restauram solos desgastados.
Hoje, oito criadouros estão a caminho
Então, o que aconteceu quando os agricultores aplicaram o biochar em suas árvores e em suas mudas de berçário? No campo, os resultados foram anedóticos: eles viram árvores mais sadias e rendimentos melhorados de pomares onde o biochar fora aplicado.
Árvores de um ano de idade plantadas com biochar em 2009 estavam rendendo frutos de cacau em 2012, muitos anos antes do que as árvores que foram plantadas sem biochar. Isso convenceu os agricultores; é ver para crer.
Um pedido para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD com a finalidade de financiar a expansão do biochar foi premiado com 50 mil dólares. O PNUD também viu possibilidades para os produtores de banana, citros e cana de açúcar de Belize.
O sucesso tem levado a uma expansão do cultivo de cacau: 8 novos criadouros estão sendo criados com uma doação para o desenvolvimento rural feito pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID para levantar 45 mil mudas de árvores de cacau em solo enriquecido com biochar. O biochar será produzido a partir de podas de cacau e de outros resíduos florestais e agrícolas.
As economias estão a favor da agroecologia
Cacau é apenas uma indústria que está enfrentando retornos decrescentes, na medida em que solos esgotados exigem altos níveis de insumos químicos e de irrigação nada econômicos. A balança econômica está tendendo a favor dos sistemas agroecológicos.
Esta tendência está sendo ativamente apoiada por multinacionais como Mondelez International, Barry Callebaut e Unilever, que perceberam que suas fortunas futuras dependem de uma rede flexível e rentável de suprimentos com base em pequenos agricultores.
A automação reduz a pressão para despovoar áreas rurais a fim de fornecer trabalhadores de linha de montagem, enquanto a pressão sobre os recursos é tornar a produção de alimentos mais rentável.
Pequenos produtores eficientes de óleo de palma (azeite de dendê), café e alimentos de subsistência como milho, feijão e cereais são competitivos com operações industriais e benéficos para com o meio ambiente.
E isso sem contar com os benefícios do carbono
Na medida em que o sequestro de carbono seja recompensado e que as emissões de carbono passem a ser tributadas, esta vantagem será ampliada. Uma tonelada de biochar incorporada no solo tem um valor de 2,7 toneladas de compensação de emissão de CO2.
Os solos da terra estão em grande parte esgotados; a agricultura industrial leva 125 milhões de hectares de terra a se tornarem impróprias para a produção de alimentos a cada ano. Isso significa 2% do total de terra disponível para a agricultura.
A correção rápida prometida da engenharia genética não foi capaz de reverter esta tendência e, agora, enfrenta a sua própria morte. Este paradigma industrial ficou sem fôlego.
Almas precisam ser restauradas em todo o mundo…
Os solos precisam ser restaurados. Temos a matéria orgânica, temos o biochar e entendemos, melhor do que nunca, a microbiologia dos solos saudáveis. Compreende-se muito bem o papel dos fungos e das bactérias na criação de solos saudáveis com uma estrutura que resista à erosão e reduza as inundações.
Adicionar biochar – ou biocarvão – ao solo ajuda a sequestrar carbono, a restaurar a fertilidade e a trazer os solos do mundo de volta à vida. Hoje podemos nutrir micorrizas, tricoderma e actinomicetos benéficos de forma que, com o ambiente de cultivo certo, conseguimos rapidamente recriar a vida e estrutura em solos mortos.
O biochar, junto de sistemas agroecológicos e de produção orgânica, vai fornecer condições para uma renascença microbiológica e dar condições a agricultores de mudarem de uma dependência de produtos químicos para sistemas naturais com maior rapidez e com menos perdas de produtividade.
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Biochar é “ouro de carbono” para produtores de cacau em Belize - Instituto Humanitas Unisinos - IHU