13 Março 2014
As fotos em que Bento XVI é retratado ao piano, nos anos do seu pontificado, contam que as partituras apoiadas no apoio ou sobre o instrumento diante do qual o papa gostava de se sentar eram as de Mozart e de Bach. E agora também, no mosteiro Mater Ecclesiae, no Vaticano, para onde Ratzinger se retirou, os seus hábitos não mudaram, se é verdade que os autores mais ouvidos pelo Pontífice Emérito são o gênio de Salzburgo e o cantor luterano de Leipzig.
A reportagem é de Giacomo Gambassi, publicada no jornal Avvenire, 11-03-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É um acaso que o papa teólogo seja fascinado por essas duas penas de partituras extraordinárias? Nem um pouco. Mozart e Bach são os musicistas que, mais do que outros, conquistaram os teólogos do século passado. A intensidade divina das suas obras-primas e a capacidade de "dar forma" ao sagrado no pentagrama os seduziram. E às vezes também os dividiram em partidários de um ou de outro, quase como se fossem loggionisti [aficionados por obras líricas] em um teatro de ópera.
Certamente, Mozart e Bach tocaram tão no profundo da sua alma que os "pensadores" de Deus se sentiram quase obrigados a dedicar reflexões e escritos aos dois mestres. Provavelmente porque, em ambos, encontraram sistemas teológicos semelhantes aos propostos nos seus estudos.
Karl Barth, o teólogo reformado suíço que não tinha se isentado de decifrar a relação entre melodia e vida de graça, tinha imaginado o Paraíso suspenso entre as notas dos dois autores. "Talvez os anjos, quando têm a intenção de louvar a Deus, tocam a música de Bach", observava. "Estou certo, ao invés, que, quando se encontram entre si, tocam Mozart, e então o Senhor também encontra particular deleite em ouvi-los".
No entanto, Barth torcia por Wolfgang Amadeus. "'Os raios do sol afugentam a noite', ouve-se no fim de A Flauta Mágica. Nunca se conseguirá perceber na música de Mozart a incerteza e a dúvida: isso vale para a sua produção de ópera, assim como para a sua música instrumental, e mais do que nunca para as obras de gênero religioso. Cada um daqueles Kyrie ou Miserere, que também atacam em notas tão baixas, não é como que sustentado pela confiante certeza de que a misericórdia invocada se tornou realidade há muito tempo?".
O teólogo católico Hans Urs von Balthasar tinha um ouvido igualmente refinado e, nas partituras dos dois talentos, entrevia como que um toque capaz de elevar o homem da sua queda. "Diante da música de Bach – defendia – nós percebemos a imponência ciclópica dos volumes e das arquiteturas. A enorme obra de Mozart, ao invés, nos parece ser como que já nascida sem nenhum esforço, posta no mundo como um filho já perfeito, tendo chegado à sua maturidade, sem perturbações. Perguntamo-nos se não há algum tipo de arco-íris intacto que vem da memória do paraíso terrestre".
Sobre a fé que alimentava Bach, ele não tinha dúvidas. Sobre o espírito religioso do mestre austríaco, o mesmo: a ponto de indicá-lo como exemplo de seguidor de Cristo. "Mozart quer ser, criando e vivendo, seu discípulo. E servir tornando perceptível o canto triunfal da criação inocente e ressuscitada".
Entre os teólogos mozartianos, inclui-se o controverso Hans Küng, que, com alguns de seus livros, quis prestar homenagem aos "traços da transcendência" na música do enfant prodige austríaco. Certamente, não fez dele um missionário musical. E, no livro Musica e religione (Ed. Queriniana, 2012, 288 páginas), associou ao "som do infinito" que os trabalhos de Mozart transmitem os dramas musicais de Wagner e as sinfonias de Bruckner.
O teólogo Pierangelo Sequeri também está do lado do autor de Don Giovanni.
"Mozart foi capaz de interpretar a aventura da modernidade, sem renunciar à luz da teologia. Ele soube desenvolver uma espécie de teologia musical, capaz de conservar e expressar as dissonâncias sem resolvê-las falsamente", explicou, apresentando o seu livro Eccetto Mozart. Una passione teologica (Ed. Glossa, 2006, 210 páginas). Em todo caso, admite Sequeri, "se Deus faz ressoar a música de Bach nas reuniões em que todos podem participar, é porque ela é a mais acolhedora com relação a cada um".
Em apoio ao compositor alemão, intervêm dois jesuítas: Christoph Theobald, professor de teologia fundamental no Centro Sèvres de Paris, e Philippe Charru, organista titular na igreja de Saint-Ignace, em Paris, e diretor do departamento de estética, também no Sèvres. Os padres da Companhia de Jesus são os autores do livreto La teologia di Bach (Ed. EDB, 48 páginas), a partir deste mês nas livrarias.
"Na perspectiva luterana – afirmam – a música leva a Palavra até o fundo do coração e faz ressoar o seu eco. Uma cantata de Bach responde a essa pedagogia da experiência crente". Na escuta das suas composições, captam-se muitas descontinuidades. "Fissuras" [fenditure], definem-nas os dois religiosos, que formam uma estrutura musical feita de "resistências e lutas, cromatismos e silêncios, ascensões e quedas: em uma palavra, a cruz. É por isso que Bach encontrou na contemplação da cruz o selo por excelência que funda a sua música".
E se a sua produção envolve "uma dramática de conversão, ela não força ninguém, porque a decisão de crer é posta em jogo no segredo das consciências, além da escuta musical. Esse respeito que envolve os ouvintes traz a marca de uma gratuidade capaz de anular-se na forma de uma hospitalidade sem limites. O que não representa um testemunho menor do seu autêntico sabor evangélico".
Joseph Ratzinger dedicou palavras lisonjeiras a Bach, como se lê no livro Sulla musica (Ed. Marcianum Press, 2013, 86 páginas). "Em um concerto em Munique, dirigido por Leonard Bernstein – disse Bento XVI em 2011 –, ao término do último trecho, uma das cantatas, eu senti, não por raciocínio, mas no profundo do coração, que o que eu tinha ouvido tinha me transmitido verdade, verdade do sumo compositor e me levava a agradecer a Deus. Ao meu lado, estava o bispo luterano de Munique e espontaneamente eu lhe disse: 'Ouvindo isso entende-se: é verdadeira a fé tão forte e a beleza que expressa irresistivelmente a presença da verdade de Deus".
Entre as 200 cantatas que o mestre de Leipzig nos deixou, a mais cara ao Pontífice Emérito era a Missa do 27º domingo depois da Trindade, a última antes do Advento no ano litúrgico luterano. E o papa alemão havia chamado o autor da Paixão segundo Mateus de um "esplêndido arquiteto da música, com um uso inigualável do contraponto, guiado por um tenaz ésprit de géométrie, símbolo de ordem e de sabedoria, reflexo de Deus".
Claro, Bento XVI está ligado a Mozart por um "afeto particular" que afunda suas raízes na sua infância, quando ouvia na igreja as notas de uma Missa da "estrela" de Salzburgo. "Em Mozart, cada coisa está em perfeita harmonia, cada nota, cada frase musical é assim e não poderia ser diferente; até mesmo os opostos estão reconciliados, e a 'serenidade mozartiana' envolve tudo, a cada momento. Isso é um dom da graça de Deus, mas também é o fruto da fé viva de Mozart, que – especialmente na sua música sacra – consegue fazer transparecer a resposta do amor divino, que dá esperança".
Gostos à parte, a música, para quem se ocupa da inteligência do crer, é "a maior apologia da nossa fé". Assim como o "rastro luminoso" dos santos. Palavra do "Mozart da teologia", ou seja, o Papa Ratzinger.
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Mozart ou Bach: qual o melhor teólogo? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU