24 Fevereiro 2014
Dom Pierre-Marie Carré, arcebispo de Montpellier, na França, e vice-presidente da Conferência dos Bispos da França, apresenta no texto abaixo as principais conclusões do questionário preparatório ao Sínodo dos Bispos sobre "os desafios pastorais da família no contexto da evangelização".
E agradece, em nome dos bispos franceses, às milhares de pessoas que dedicaram seu tempo para refletir sobre as perguntas feitas e para respondê-las.
O artigo foi publicado no sítio Eglise.catholique.fr, a página oficial da Igreja Católica francesa, 20-02-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Antes de apresentar as principais conclusões do questionário preparatório ao Sínodo dos Bispos sobre "os desafios pastorais da família no contexto da evangelização", em nome dos bispos franceses, quero agradecer sinceramente às milhares de pessoas que dedicaram seu tempo para refletir sobre as perguntas feitas e para respondê-las.
A brevidade do tempo concedido para transmitir as respostas, com a concomitância das festas de Natal, certamente limitou o seu número, assim como a formulação de algumas perguntas às vezes difíceis. Apesar de tudo, mais de 2.000 páginas, essencialmente constituídas pelas sínteses de 83 dioceses e de movimentos e grupos, mas também de contribuições pessoais, foram enviadas para preparar a síntese nacional enviada a Roma. O conjunto das contribuições, portanto, representa um número ainda maior de páginas .
Essa quantidade de respostas manifesta muito bem a importância do papel e da missão da família. Foram expressadas muitas aspirações e expectativas, mas também muitos sofrimentos. Tudo isso deve ser acolhido com atenção.
No contexto desse breve resumo, não é possível retomar uma a uma as 39 respostas propostas. Eis aqui, de modo sintético, os pedidos mais insistentemente apresentados, que deveriam provocar a reflexão da Igreja Católica na França.
1. A família é amplamente apresentada como um grande bem.
As respostas sublinham a sua importância para a felicidade de cada um dos seus membros e também destacam que a sua desagregação é causa de grandes sofrimentos.
Ela é chamada a ser um lugar de amor, amor dos cônjuges, amor pelos filhos e aprendizagem do amor através de alegrias e provações, sucessos e fracassos. Aqui, nada é adquirido com antecedência! Muitas respostas apontam que um apoio à vida familiar é necessário, para que a família possa dar tudo o que se espera dela. Tal apoio provém sobretudo da graça do sacramento do matrimônio. Será preciso ampliar e cuidar da preparação ao casamento para fazer com que se capte o sentido profundo e esclarecer os seus diversos elementos.
A pastoral familiar muitas vezes é insuficiente, limitando-se, por exemplo, a poucos encontros de movimentos familiares. Ela é chamada realmente a se desenvolver e a se tornar uma força de proposta, de reflexão e de apoio.
Por fim, como muitos apontam que, muito frequentemente, casais e famílias estão sozinhas diante das provações, será oportuno buscar os meios adequados para um verdadeiro apoio, particularmente nos momentos de crise.
2. Um grande número de respostas manifesta a diferença existente entre o ensino da Igreja e as escolhas dos casais que se reconhecem como católicos. Essa lacuna aparece particularmente em relação à contracepção e aos pedidos que os divorciados em segunda união dirigem à Igreja no que diz respeito aos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação.
• As respostas destacam que o ensinamento da Igreja é, em grande parte, pouco conhecido ou ignorado. Frequentemente, ele é reduzido à perspectiva do que é permitido e do que é proibido, e, é claro, o que é proibido assume um peso maior. É verdade que os textos do Magistério são normalmente longos e complexos. Apelam a concepções antropológicas que devem ser explicadas, como por exemplo a "lei natural". Pede-se que se produzam textos mais simples e acessíveis a fim de tornar a mensagem da Igreja mais audível. Ninguém põe em discussão o ensino bíblico, e as respostas lembram frequentemente o ensinamento de Jesus. Muitos, no entanto, apontam que Jesus tem palavras mais severas em relação ao dinheiro e ao seu uso do que à sexualidade, e muitos se perguntam por que se faz o contrário hoje.
• Lamenta-se também que a vida das famílias não parece ser realmente levada em consideração nos seus aspectos mais concretos: por exemplo, o peso da vida profissional quando os filhos se tornam adolescentes e requerem muita energia, e os pais idosos exigem maior presença, ou mesmo cuidados e decisões difíceis de se tomar... Que o Sínodo não fique nas abstrações!
• A legislação civil multiplicou as leis que se apresentam claramente em desacordo com as posições da Igreja Católica. Basta assinalar a liberalização do aborto, a possibilidade de casamento para as pessoas homossexuais, o divórcio por mútuo consentimento, a contracepção amplamente difusa, mesmo para os/as menores... Tudo isso pesa nas mentalidades, e as próprias famílias católicas são influenciadas por isso.
• Um número de respostas observam que "a lei da gradualidade", apresentada pelo Papa João Paulo II, não é conhecida de fato. Ela não prevê que se mude a lei da Igreja, mas aponta que as pessoas, no seu percurso humano, podem não conseguir, em consciência, pôr em ação certas prescrições nas circunstâncias em que se encontram, mas pensam seriamente em realizá-las no futuro. Essa lei deveria ser apresentada de forma mais ampla, manifestando as etapas de um crescimento. O mesmo vale para a "teologia do corpo", como exposta por João Paulo II.
3. As relações entre lei moral e consciência pessoal
Como pano de fundo de um grande número de respostas, aparece claramente o problema da relação a ser estabelecida entre a lei moral (apresentada tanto nas Escrituras, quanto no ensinamento da Igreja) e a consciência pessoal.
A sociedade difundiu a ideia da mudança da lei quando as práticas sociais evoluem. Ao contrário, a Igreja apresenta a lei como um objetivo a ser realizado, mesmo se muitas vezes é muito exigente. Os ensinamentos da Igreja muitas vezes parecem estar contra a corrente em relação às práticas habituais em todos os âmbitos. Não é fácil, especialmente para os adolescentes e os jovens, encontrar-se nesse modo contra a corrente. Eles precisam de ajuda e de apoio para não desanimar. Diante desses desafios, são expressados diferentes desejos:
• Em primeiro lugar, fundamentar na Escritura o ensinamento da Igreja. Não deve parecer de tipo moralizador, mas sim levar a um verdadeiro respeito pelas pessoas.
• Não se limitar a generalizações, mas apresentar exemplos sob a forma de testemunhos. O lugar dos casais e das famílias cristãs é determinante.
• Saber ouvir as pessoas e dar-se conta das alegrias e das dificuldades que elas vivem. A partir disso, multiplicar as iniciativas e ter pessoas bem formadas, capazes de pôr em prática uma pastoral familiar adaptada às pessoas e à sua situação.
• Prestar atenção particular a uma justa articulação entre anúncio da fé em Cristo e as consequências espirituais e morais. É desse modo que a fé sustenta os casais e as famílias nas situações difíceis que eles devem viver.
• Enfatizar o lugar essencial da consciência pessoal dos casais nas escolhas que devem assumir na vida íntima. Assim, a Igreja poderá ser percebida de maneira positiva na sua missão educativa de fé e de testemunho da misericórdia de Deus.
4. A preparação para o matrimônio
Muitos daqueles que pedem um matrimônio religioso têm apenas um conhecimento superficial do que é o sacramento do matrimônio. A sua fé cristã é muitas vezes limitada e quase não têm nenhuma relação pessoal com Cristo.
O tempo de preparação ao matrimônio é particularmente importante. Propõe-se que ele seja vivido inspirando-se nas práticas do catecumenato dos adultos. Poderia haver momentos de celebração para dar ritmo à preparação e permitir uma melhor descoberta da fé cristã e do sentido do matrimônio cristão.
5. Os divorciados em segunda união
O número dos divórcios aumenta continuamente na França. As causas desse fenômeno são muitas, e os fatores pessoais, importantes. Experimentar uma separação é uma realidade dolorosa para o casal, assim como para os filhos. Muitas vezes, estabelece-se uma nova união que a Igreja não reconhece, por causa da indissolubilidade do matrimônio, o que leva a não mais receber os sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação.
Um certo número de pessoas se esforçam para permanecer fiéis ao primeiro casamento, permanecendo sozinhas, e é preciso apoiá-las. Muitas respostas pedem que a prática da Igreja se inspire por exemplo na das Igrejas Ortodoxas: quando houve um período de penitência e a estabilidade da nova união parece dada, uma celebração pode reconhecê-la, sem, contudo, pôr em discussão a indissolubilidade do matrimônio. Pede-se também, muitas vezes, que se deixe a decisão às pessoas envolvidas, iluminadas por um acompanhamento pessoal. As declarações canônicas de nulidade do matrimônio poderiam aumentar com uma flexibilização dos procedimentos, mas muitíssimas respostas expressam as suas reservas a esse respeito, enfatizando que não se pode declarar nula uma experiência de vida como a de um matrimônio.
6. As uniões entre pessoas do mesmo sexo
A atitude exigida em relação a elas é a de acolhida, sem julgamento nem rejeição por parte da Igreja e dos seus membros. Ao mesmo tempo, a Igreja não pode renunciar às suas convicções com relação ao matrimônio cristão.
Pede-se, em particular, que se ajude os pais com um filho homossexual a viver com uma atitude certa essa situação. Os movimentos de homossexuais católicos são muito pouco conhecidos.
7. A abertura dos cônjuges à vida
Uma grande maioria de respostas apontam que a encíclica Humanae vitae (1968) significou, para muitos casais, um distanciamento do ensinamento da Igreja. A insistência da Igreja nesse ponto parece incompreensível para essas pessoas.
Uma pequena minoria convicta segue esse ensinamento inspirando-se, por exemplo, no método Billings. Em geral, espera-se que a Igreja dê aos casais cristãos critérios de discernimento que lhes sirvam como pontos de referência.
Muitos acreditam que a Igreja condena a sexualidade. Parece indispensável que os casais cristãos testemunhem que a relação sexual faz parte do crescimento do amor no casal. Será importante acentuar a qualidade relacional do amor que une os cônjuges, fazendo perceber o que eles são chamados a viver como castidade.
Conclusão
A família é um lugar propício para experimentar o amor de Deus, porque, dentro dela, a pessoa se descobre amada e chamada a viver a comunhão.
As crises que a atingem podem fazer vacilar a fé e constituir um obstáculo ao encontro com Cristo. A credibilidade da mensagem da Igreja está em jogo hoje na sua capacidade de transmitir uma mensagem de felicidade em relação ao casal cristão e à família, fornecendo-lhes os meios de um acompanhamento apropriado. A felicidade, a alegria dos casais e das famílias cristãs são um sinal crível da mensagem de Cristo transmitida pela Igreja.
† Pierre-Marie Carré
Arcebispo de Montpellier
Vice-presidente da Conferência Episcopal Francesa
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Nota dos bispos franceses sobre as respostas ao questionário do Sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU