14 Dezembro 2015
"Estou em apuros por causa de um esquálido jogo de poder de cardeais. Quem armou a mão contra mim é um inimigo do papa. Eu forneci as provas para a Gendarmeria." Francesca Immacolata Chaouqui, imputada com o prelado Vallejo Balda no processo Vatileaks, afirma: "Muitos no Vaticano querem Francisco morto. Um cardeal me disse: o Santo Padre passa, a Cúria permanece".
A reportagem é de Giacomo Galeazzi e Ilario Lombardo, publicada no jornal La Stampa, 12-12-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Qual é o seu papel no processo?
São contestadas a mim a associação criminosa e a difusão de documentos confidenciais. Mas a minha proximidade com Balda se devia ao trabalho comum na comissão Cosea [Comissão de Estudos sobre as Atividades Econômicas do Vaticano]. Nunca deu documentos para ninguém.
O que está acontecendo na Cúria?
É uma fase decisiva na reforma. A Secretaria para a Economia está operante, mas é inadmissível que o australiano Danny Casey, o braço direito do cardeal George Pell, ganhe cinco vezes mais do que o chefe da Gendarmeria que comanda 200 pessoas. No novo dicastério, existem salários nunca vistos antes no Vaticano.
Como uma jovem relações-públicas de 30 anos, sem competências específicas, acabou em uma comissão financeira?
Eu cuidei das relações externas dos principais escritórios de advocacia. Nunca me senti inadequada. Eu sei analisar os orçamentos de bancos e empresas, das sociedades limitadas às cotadas na Bolsa. Fui eu que indiquei a McKinsey para unificar na Cúria as entidades de comunicação, enquanto outros cinco membros da comissão se preocupavam em se recolocar na Cúria. Eu não fiz com que meus filhos ou irmãos fossem contratados pela McKinsey. De Franssu foi presidir o IOR e colocou o filho na Promontory, que controla as contas do banco.
O novo percurso não funciona?
O Vaticano não é aquele esgoto que se pensava que devia limpar. Há muitas pessoas honestas que fazem o seu trabalho: não aceitam que um comitê de polícia australiano vá para casa dizer que são todos ladrões e, depois, ganhe salários exorbitantes.
Quem quis você na Cúria?
Eu não sei e nem mesmo o papa sabe. Quem me telefonou foi o assessor da Secretaria de Estado, Peter Wells. Eu errei ao aceitar. Eu pensava que estava fazendo um serviço ao papa e me vi envolvida nestes graves problemas.
Qual a importância do IOR agora?
Continua sendo uma entidade fundamental: ele garante a liberdade para enviar dinheiro para as missões e para gerir o patrimônio. É o banco central do Vaticano, e 90% das coisas lá são limpas, saudáveis. A nomeação à cúpula de Gianfranco Mammi é um bom augúrio. A questão das contas dos leigos vai ser resolvida, os controladores do Moneyval deram parecer positivo. Sob a direção dos cardeais Abril, Parolin, Tauran, o IOR que existia antes não existirá mais.
Entre as pessoas que quiseram você no Vaticano está Tauran [cardeal francês, atual camerlengo]?
Não tenho a mínima ideia.
Tauran está ligado com a condessa Marisa Pinto, sua mentora?
São teorias da conspiração. É uma mentira de Balda o fato de que o cardeal Tauran me indicou para o Vaticano. Eu gosto da condessa, mas ela não tem nada a ver com encargos de trabalho ou na Cúria.
E a Ernst & Young, onde você trabalhava? Ele teve relações com a condessa?
No Natal de 2012, na Embaixada da Espanha junto à Santa Sé, ela patrocinou um concerto da fundação Messaggeri della Pace, presidida por Pinto.
Por que você indicou a Balda o mesmo motorista da condessa?
Eu conhecia Pietro Grillo: ele faz esse trabalho para vários personagens. Eu o indiquei para Balda quando as suas frequentações se tornaram pouco recomendáveis. Na Cúria, já haviam chegado boatos sobre as suas estranhas viagens e sobre um pernoite em Turim, em um hotel de luxo. Eu não queria que ele fosse jantar ao mar sozinho com os homens. Eu via desaparecer o investimento profissional e de relação que eu tinha feito sobre ele. Eu lhe aconselhei a assumir costumes mais adequados para a vida de um prelado.
Muitas das testemunhas, até mesmo fotográficas, porém, demonstram que foi você que lhe aconselhou um "novo estilo de vida".
Quando ele era meu amigo, ele não levava uma vida mundana. É claro, eu lhe apresentei várias pessoas, incluindo a gerente de TV Elena Metti.
Você tinha o seu próprio personal shopper?
O personal shopper era meu como mulher e relações-públicas. Eu tenho o meu cabeleireiro. Um dia, Balda o conheceu, começou a frequentar o seu salão e levou a sua mãe lá. Depois, decidiu fazer com ele um caminho de styling, porque queria mudar a sua imagem. Foi o mesmo motivo com o personal trainer. Ele dizia que se sentia insatisfeito com aquelas roupas que começavam a ficar apertadas nele.
Você fez sexo com Balda?
Nunca me passou pela cabeça. Ele precisava de um episódio desencadeador para justificar uma chantagem e para inventar um motivo que o induziria a entregar os documentos secretos. Assim, ele pode dizer que eu contei isso aos dois jornalistas (Gianluigi Nuzzi e Emiliano Fittipaldi, coimputados no processo) a fim de que eles pudessem pressionar para receber os documentos.
Você disse que não poderia fazer sexo com ele porque ele não estava interessado nas mulheres.
Fazer sexo com ele é uma hipótese inexistente, não porque ele não estivesse interessado nas mulheres, mas porque, para mim, ele era um irmão, um amigo, uma pessoa para se divertir. É claro, em todo o tempo que passamos juntos, ele nunca fez uma piada sobre uma mulher. Enquanto sobre outras coisas, sim.
Sobre outras?
É inútil descer ao nível da fofoca.
Mas você lhe enviou um SMS para convidá-lo a ter relações sexuais com a sua prima, Silvana, na Calábria, de modo que, você escreveu, "também possa ser salvo o patrimônio genético".
Era uma piada. Ele sempre dizia que gostaria muito de ter um filho, que tinha medo de ficar sozinho. Ele dizia: "O que será da minha vida quando a minha mãe não estiver mais". Era uma brincadeira, uma piada boba. Ele nunca viu nenhuma prima minha.
Quando você conheceu Nuzzi?
Quando eu telefonei para ele para apresentar um livro para o escritório de advocacia onde eu trabalhava. A partir daí, criou-se uma amizade que não tem nada a ver com o Vaticano.
Você escreveu um tuíte em que afirmava que o mordomo Paolo Gabriele não foi o corvo do primeiro Vatileaks? Quem foi, então?
Na época, era uma impressão. Agora eu tenho as provas, porque eu as reconstruí no Vaticano, mas não posso falar a respeito. Ele foi usado para lutas de poder entre cardeais.
Você conhecia Gabriele?
Nunca o encontrei, nem antes nem depois.
Existe uma ligação entre o Vatileaks e a renúncia de Ratzinger?
O Vatileaks 1 não tem nada a ver com a renúncia de Bento.
Quem você considera como seus inimigos?
Hoje, através dos dedos-duros aos jornais, os meus inimigos são os mesmos que atacaram o prelado do IOR, Battista Ricca. Os jornalistas são instrumentos, atrás dos quais existem mandantes que não perdoam Francisco por ter feito nomeações independentemente das hierarquias da Secretaria de Estado. São os mesmos internos que esperam que o Papa Bergoglio morra de um dia para o outro.
Há algum cardeal por trás disso?
Eu relatei isso para Francisco e entreguei as provas para a Gendarmeria. Agi apenas por amor ao papa. No Vaticano, eu trabalhei de graça e nunca atuei como intermediária com a política. Eu já conhecia todos.
Então, por que o papa diz que cometeu um erro ao nomear você para a Cosea?
Eu não me sinto ofendida. Eu concordo com ele: há pessoas que se fizeram nomear em uma comissão para depois entrar na cúpula da mais importante entidade controlada, o IOR.
Você nunca atuou como intermediária entre o Vaticano e a política?
Eu trabalho apenas para quem me paga.
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"Muitos no Vaticano querem Francisco morto." Entrevista com Francesca Immacolata Chaouqui - Instituto Humanitas Unisinos - IHU