04 Dezembro 2015
Na quarta-feira (2), o cacique Raoni Metuktire Kayapó, acompanhado de outras sete lideranças indígenas do mundo, foi recebido pelo presidente francês François Hollande no palácio presidencial do Eliseu. O líder indígena entregou o documento “Propostas e recomendações da Aliança dos Guardiões da Mãe Natureza aos Estados e à comunidade internacional para a preservação do clima e das gerações futuras” a Hollande.
A reportagem foi publicada por Instituto Socioambiental, 03-12-15.
“Ele prometeu para mim que ia levar o documento aos representantes dos Estados para que eles possam analisar as nossas propostas e acho que isso vai chegar nas mãos da Dilma, sim”, disse Raoni.
O documento da Aliança solicita a aplicação efetiva das convenções já existentes em matéria de direitos humanos e direitos dos povos indígenas; o reconhecimento da Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra de Cochabamba; a criação de um santuário das florestas primárias do planeta, sob a proteção dos povos indígenas; o apoio na restauração de florestas já destruídas; o fim da exploração de combustíveis fósseis e o reconhecimento do crime de ecocídio, cuja competência seria atribuída a Corte Penal Internacional.
Junto com essas demandas, o cacique também deu ao presidente Hollande uma carta que condena a proposta de Medida Provisória (MP) do governo brasileiro que objetiva viabilizar a implantação de hidrelétricas em Terras Indígenas. A carta também denuncia a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), 215, que pretende dar ao Congresso brasileiro a última palavra sobre os limites das Terras Indígenas.
“Essa medida provisória pode trazer muitas consequências negativas para a diversidade e para nós povos indígenas”, afirmou Raoni. Ele pediu a Hollande que converse com a presidenta Dilma no intuito dela recuar em relação à MP, “que é inclusive pior do que a PEC”, completou.
Uma aliança indígena de lideranças brasileiras como Davi Kopenawa Yanomami, Aritana Yawalapiti, Megaron Txucarramãe, Pirakuman Yawalapiti, Afukaka Kuikuro e Tabata Kuikuro, juntou-se a outras de outros países do mundo sob o chamado do Raoni. Dessa forma nasceu a Aliança dos Guardiões da Mãe Natureza, como uma iniciativa para fazer convergir diferentes lutas de proteção das florestas, oceanos e outros ecossistemas cruciais para a regulação mundial do clima e da biodiversidade. “A Aliança é um começo para nos aproximarmos aos negociadores na luta pela preservação da natureza e dos direitos dos povos indígenas”, comentou (leia mais).
“O planeta respira com dois pulmões, um é a floresta e outro é o oceano, e ambos estão gravemente ameaçados pelo desmatamento, a poluição, a pesca predatória e agora a mudança climática”, diz Paul Watson, da ONG Sea Sphepard, na Assambleia da Aliança dos Guardiões da Mãe Natureza, no sábado (28/11), no Teatro da Reine Blanche, em Paris, evento realizado pela organização francesa Planète Amazon.
Líderes indígenas encontram negociadores na COP 21
Além dos processos facilitados pelas ONGs, os povos indígenas também vêm marcando presença nos espaços organizados pela ONU na Convenção do Clima de Paris (COP 21), entre esta e a próxima semana. É o caso do chamado “Caucus Indígena”, espaço de encontro entre líderes indígenas e estados. Lideranças do “Caucus” reuniram-se com alguns negociadores na sexta (27/11), na sede da Unesco de Paris, mas o governo brasileiro não esteve presente.
“Fazemos um chamado aos negociadores para investir numa solução que já existe, que é proteger as populações locais se realmente eles querem é que as florestas sigam em pé”, diz Joseph Itwongo, dos Povos para a Gestão Sustentável dos Ecossistemas Florestais (REPALEAC), da República Democrática do Congo.
“Precisamos de um acordo de cumprimento obrigatório pelos países do norte; uma transição energética 100% renovável; mecanismos de controle para medir a redução das emissões, evitar as falsas soluções, respeitar os direitos humanos e dos povos indígenas; reconhecimento e valorização dos saberes tradicionais dos povos indígenas e acesso direto à ajuda financeira”, foram algumas demandas enumeradas por Hindou Oumaru, da comunidade de pastores do Chade e liderança no Caucus.
Jorge Furagano é o representante da Coordenação de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), que agrega cinco mil organizações indígenas e participa ativamente do Caucus. Ele explica que um dos momentos mais importantes para os povos indígenas será quando estiver pronto o primeiro rascunho do Acordo de Paris, o que acontecerá no sábado (5/12). “Aí poderemos ver se nossas demandas foram contempladas”, disse ele.
Unesco realiza conferência sobre saberes indígenas em Paris
A Unesco organizou na semana passada, em Paris, 50 painéis com especialistas, cientistas, professores, técnicos de ONGs e os próprios indígenas na conferência “Resiliência em tempos de incerteza, povos indígenas e mudança climática”. Os indígenas representam no mundo 370 milhões de pessoas em mais de 70 países de cinco continentes e mais de cinco mil grupos diferentes. Líderes desses grupos chegaram a Paris com o objetivo ter um papel protagonista nas negociações do clima.
“Precisamos inserir no Acordo de Paris os direitos indígenas e o reconhecimento e fortalecimento do papel dos saberes tradicionais em um contexto de mudança climática”, lembrava Vitória Tauli-Corpuz, relatora especial da ONU para os povos indígenas, na abertura do evento, que contou com duas mil pessoas.
“Alguns conhecimentos tradicionais de grande valor ambiental estão se extinguindo aos poucos entre os indígenas amazônicos como consequência da mudança do clima”, comenta o pesquisador Álvaro Fernández-Llamazares, da Universidade de Barcelona, que morou 15 meses com os índios Tsiname, da Bolívia, realizando suas pesquisas.
Os calendários tradicionais vinculados aos ciclos naturais de chuvas, florações e migrações de animais e que marcavam os ciclos do plantio, colheita, queima controlada e dos rituais mostram essa mudança radical. Essa problemática foi explicada pelos indígenas do Parque Nacional do Xingu que apresentaram o documentário “Aonde vão as andorinhas”, na terça (3/12), no espaço da sociedade civil da COP-21 (veja mais).
A preservação da biodiversidade foi uma das estratégias de adaptação defendida pelo indígena Quéchua Lino Mamani, coordenador do Parque das Batatas no Peru. “Qualquer política climática precisa incorporar o direito dos povos indígenas à proteção da sua agrobiodiversidade”, disse.
Valerie Masson-Delmotte, do Painel Intergovernamental para a Mudança Climática (IPCC), propôs a elaboração de um capítulo específico dos saberes tradicionais e a mudança climática no próximo relatório do IPCC, que será elaborado até 2021.
“A grande lição dos povos indígenas é que eles nos ajudam a nos reconciliar com a terra, entre nós e a ter uma noção de moderação, algo que nos falta na nossa sociedade de consumo”, comentou Nicolas Hulot, enviado especial do governo francês para a Proteção do Planeta, na abertura da conferência da UNESCO.
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Cacique Raoni entrega carta ao presidente da França com propostas contra mudança climática - Instituto Humanitas Unisinos - IHU