30 Novembro 2015
Bergoglio entre os barracos e as lojas de latão, barro amarelado e ferrugem, os sorrisos e as canções do povo. "Não às novas formas de colonialismo".
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere della Sera, 27-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Até no Vaticano há casos de corrupção. Ele penetra em nós como o açúcar, é doce, nós gostamos, é fácil. E, depois, acabamos mal, temos um mau fim. Acabamos diabéticos ou o nosso país acaba adoecendo." São palavras do Papa Francisco aos jovens no estádio da capital do Quênia, onde também abordou o problema da corrupção.
"Todas as vezes – acrescentou – em que aceitamos uma propina, destruímos o nosso coração, a nossa personalidade e a nossa pátria. Por favor, não tomem gosto por esse açúcar que se chama corrupção."
Antes, Bergoglio havia estado em uma das favelas mais pobres de Nairóbi, a de Kangemi. No fim da manhã, a saudação a Nairóbi e a partida para a Uganda.
Barracos e lojas de latão
"Eu me sinto em casa." Barracos e lojas de latão, barro amarelado e ferrugem, alguns frangos que correm pelos becos para além das barreiras, os sorrisos e as canções das pessoas da favela às margens de Nairóbi.
Francisco percorre no carro descoberto dentro do vilarejo e entra em Kangemi ao lado dos mais pobres, "irmãos e irmãs que, eu não tenho vergonha de dizer, têm um lugar especial na minha vida e nas minhas escolhas". Do outro lado da favela de 140 mil almas, há uma área com as mansões dos ricos, gramados cortados e flores.
O papa desce no barro na frente da pequena Igreja de São José Operário. Na noite anterior, choveu um dilúvio, mas as mulheres limparam os degraus que levam ao lado de dentro, os homens repintaram as cercas. Estão lá para acolher como se deve o papa, que diz: "Obrigado por me acolherem no seu bairro. Estou aqui porque quero que vocês saibam que as suas alegrias e esperanças, as suas angústias e as suas dores não me são indiferentes. Eu conheço as dificuldades que vocês encontram dia a dia. Como podemos não denunciar as injustiças sofridas?".
O discurso contra as "novas formas de colonialismo"
É um discurso fundamental contra as "novas formas de colonialismo" que o papa dirige ao povo de Kangemi, o cumprimento daquilo que ele disse na quinta-feira às Nações Unidas de Nairóbi.
Francisco denuncia "a terrível injustiça da marginalização urbana" e explica: "São as feridas provocadas pelas minorias que concentram o poder, a riqueza e desperdiçam egoisticamente, enquanto a crescente maioria deve se refugiar em periferias abandonadas, poluídas, descartadas".
A paróquia foi criada há 30 anos por uma comunidade de jesuítas que animam a Jesuit Aids Network e todas as atividades da favela, escolas fundamentais e instituto técnico, hospital e centro de ajuda para as mulheres. O pároco, Pe. Paschal Mwijage, acolhe o coirmão que se tornou papa e o agradece pela sua proximidade, um jesuíta idoso o abençoa, colocando a mão na sua cabeça.
Na Igreja, estão pessoas que vieram de todas as favelas de Nairóbi. Francisco convida a considerar em primeiro lugar a "sabedoria dos bairros populares", que muitas vezes "os discursos de exclusão parecem ignorar": entre essas pessoas, permanecem "os valores evangélicos que a sociedade do bem estar, entorpecida pelo consumo desenfreado, parece ter esquecido". A solidariedade que se expressa em dar um lugar aos doentes, compartilhar o pão com o faminto, "valores que se fundamentam no fato de que cada ser humano é mais importante do que o deus dinheiro. Obrigado por nos recordar que existe outro tipo de cultura possível. Gostaria de reivindicar, em primeiro lugar, esses valores que vocês praticam, valores que não são cotados na Bolsa, valores com os quais não se especula, nem têm preço de mercado. Saibam que o Senhor nunca se esquece de vocês. O caminho de Jesus começou na periferia, vai dos pobres e com os pobres para todos".
"A injusta distribuição da terra"
Depois, chega o momento da denúncia. Francisco aponta o dedo contra "a injusta distribuição da terra" e "a apropriação das terras por parte de empresários privados sem rosto, que pretendem até se apropriar do pátio da escola dos próprios filhos".
Isso acontece "porque se esquece de que Deus deu a terra a todo o gênero humano para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém", acrescenta, citando Wojtyla. E ainda há "falta de acesso às infraestruturas e serviços básicos", lista o pontífice: "Refiro-me aos banheiros, fossas, esgotos, coleta de lixo, luz, estradas, mas também escolas, hospitais, centros recreativos e esportivos, oficinas de arte. Refiro-me em particular à água potável. O acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas, e, por isso, é condição para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isso significa negar a eles o direito à vida enraizado na sua dignidade inalienável", diz, recordando a encíclica Laudato si': "Negar a água a uma família, através de qualquer pretexto burocrático, é uma grande injustiça, especialmente quando se lucra sobre essa necessidade".
"Criminalidade a serviço de interesses econômicos ou políticos"
As palavras do papa são muito duras: "Esse contexto de indiferença e hostilidade, de que sofrem os bairros populares, se agrava quando a violência se espalha e as organizações criminosas, a serviço de interesses econômicos ou políticos, utilizam as crianças e os jovens como carne de canhão para os seus negócios ensanguentados. Eu também conheço o sofrimento de mulheres que lutam heroicamente para proteger os seus filhos e filhas desses perigos. Peço a Deus que as autoridades tomem, junto com vocês o caminho da inclusão social, da educação, do esporte, da ação comunitária e da proteção das famílias, porque essa é a única garantia de uma paz justa, verdadeira e duradoura".
Tudo isso é deliberado, afirma Francisco: "Essas realidades que eu listei não são uma combinação casual de problemas isolados. Ao contrário, são uma consequência de novas formas de colonialismo, que pretende que os países africanos sejam peças de um mecanismo, partes de uma engrenagem gigantesca".
Além disso, "não faltam pressões para que se adotem políticas de descarte, como a da redução da natalidade, que pretende legitimar o atual modelo distributivo, em que uma minoria se acredita no direito de consumir em uma proporção que seria impossível generalizar".
"Precisamos de cidades integradas e para todos"
Então, Francisco resume: "Precisamos de cidades integradas e para todos. Precisamos ir além da mera declamação de direitos que, na prática, não são respeitados, implementar ações sistemáticas que melhorem o habitat popular e projetar novas urbanizações de qualidade para hospedar as futuras gerações. A dívida social, a dívida ambiental com os pobres das cidades é paga concretizando o sagrado direito à terra, à casa e ao trabalho – os três 'ts': tierra, techo, trabajo. Não é filantropia, é um dever de todos".
Daí o apelo a todos os cristãos, começando pelos sacerdotes e bispos, "a renovar o impulso missionário, a tomar a iniciativa contra tantas injustiças, a se envolver nos problemas dos cidadãos, a acompanhá-los nas suas lutas, a conservar os frutos do seu trabalho coletivo e a celebrar juntos cada pequena ou grande vitória".
Francisco levanta o olhar: "Eu sei que vocês fazem muito, mas lhes peço que se lembrem que não é uma tarefa a mais, mas talvez a mais importante". E cita Bento XVI: "Os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho". Aqui está o essencial: "Rezemos, trabalhemos e nos esforcemos juntos para que cada família tenha uma casa decente, tenha acesso à água potável, tenha um banheiro, tenha energia segura para iluminar, para cozinhar, para melhorar as próprias residências; para que cada bairro tenha ruas, praças, escolas, hospitais, espaços esportivos, recreativos e artísticos; para que os serviços essenciais cheguem a cada um de vocês; para que sejam ouvidos os apelos de vocês e o grito de vocês que pede oportunidades; para que todos possam gozar da paz e da segurança que vocês merecem, de acordo com a infinita dignidade humana de vocês".
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Francisco na favela de Nairóbi: "Existe corrupção até no Vaticano" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU