11 Novembro 2015
As palavras de Bergoglio em Santa Maria del Fiore, perante os bispos e os delegados da Conferência Episcopal Italiana de 226 dioceses italianas: "Se não nos abaixamos, não podemos ver o rosto de Jesus".
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no sítio do jornal Corriere della Sera, 10-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Não devemos ser obcecados pelo poder, mesmo quando ele toma o rosto de um poder útil e funcional à imagem social da Igreja." As palavras de Francisco em Santa Maria del Fiore, perante os bispos e os delegados da Conferência Episcopal Italiana de 226 dioceses italianas, ressoam como a epígrafe definitiva de uma temporada – a do chamado "ruinismo" – que já estava desaparecendo nos últimos anos.
Desde o Congresso Nacional de 1976, em Roma, a Igreja italiana se reúne na metade de cada década e escuta do papa as indicações para o futuro. O tema deste ano é "Em Jesus, o novo humanismo". E é a partir daí que Francisco inicia, convidando a olhar para o "Ecce Homo" pintado na cúpula de Brunelleschi.
"Olhando para o Seu rosto, o que vemos? Acima de tudo, o rosto de um Deus 'esvaziado', de um Deus que assumiu a condição de servo, humilhado e obediente até a morte. O rosto de Jesus é semelhante ao de tantos nossos irmãos humilhados, escravizados, esvaziados. Deus assumiu o rosto deles. E esse rosto nos olha."
Assim Francisco explica: "Se não nos abaixamos, não podemos ver o Seu rosto. Não veremos nada da Sua plenitude se não aceitarmos que Deus se esvaziou. E, portanto, não entenderemos nada do humanismo cristão, e as nossas palavras serão bonitas, cultas, refinadas, mas não serão palavras de fé. Serão palavras que ressoam o vazio".
Humildade, desinteresse e a bem-aventurança dos pobres de espírito são os "traços" que marcam o discurso do papa. A humildade em primeiro lugar: "A obsessão de preservar a própria glória, a própria 'dignidade', a própria influência não deve fazer parte dos nossos sentimentos".
Depois, o desinteresse de quem sabe que "a humanidade do cristão é sempre em saída, não é narcisista nem autorreferencial", pontua Francisco: "Quando o nosso coração é rico e está tão satisfeito consigo mesmo, então não tem mais lugar para Deus. Evitemos, por favor, nos encerrar nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos".
E, por fim, as bem-aventuranças indicadas por Jesus no Sermão da Montanha: "Jesus fala da felicidade que experimentamos somente quando somos pobres em espírito. Para os grandes santos, a bem-aventurança tem a ver com humilhação e pobreza". É por isso que não se deve ser obcecado pelo poder: "Se a Igreja não assume os sentimentos de Jesus, ela se desorienta, perde o sentido. Se os assume, ao contrário, ela sabe que está à altura da sua missão. Os sentimentos de Jesus nos dizem que uma Igreja que pensa em si mesma e nos próprios interesses seria triste".
Francisco cita aquilo que escreveu na Evangelii gaudium: "Eu prefiro uma Igreja acidentada, ferida, suja por ter saído pelas ruas do que uma Igreja doente pelo fechamento e pela comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Eu não quero uma Igreja preocupada em ser o centro e que acaba encerrada em um labirinto de obsessões e procedimentos".
Assim, o papa adverte a Igreja contra duas tentações fundamentais ("São duas, não se assustem, não são como as 15 que eu disse para a Cúria!"). A primeira é a "pelagiana": "Ela leva a Igreja a não ser humilde, desinteressada e bem-aventurada. E faz isso com a aparência de um bem. O pelagianismo nos leva a ter confiança nas estruturas, nas organizações, nos planejamentos perfeitos, por serem abstratos. Muitas vezes, nos leva também a assumir um estilo de controle, de dureza, de normatividade. A norma dá ao pelagiano a segurança de se sentir superior, de ter uma orientação precisa. Nela, ele encontra a sua força, não na leveza do sopro do Espírito".
Mas, "diante dos males ou dos problemas da Igreja, é inútil buscar soluções em conservadorismos e fundamentalismos, na restauração de condutas e formas superadas, que nem culturalmente tem a capacidade de serem significativas", acrescenta o papa: "A doutrina cristã não é um sistema fechado incapaz de gerar perguntas, dúvidas, interrogações; mas é viva, sabe inquietar, animar. Ela tem um rosto não rígido, tem um corpo que se move e se desenvolve, tem a carne macia: chama-se Jesus Cristo".
A Igreja "semper reformanda" é alheia ao pelagianismo, daí a recomendação de Francisco: "Que a Igreja italiana se deixe levar pelo seu sopro poderoso e, por isso, às vezes, inquietante. Que assuma sempre o espírito dos seus grandes exploradores, que nos navios se apaixonaram pela navegação em mar aberto e não se assustaram com as fronteiras e as tempestades. Que seja uma Igreja livre e aberta aos desafios do presente, nunca na defensiva por medo de perder alguma coisa. E, encontrando-se com as pessoas ao longo das suas estradas, assuma o propósito de São Paulo: 'Fiz-me fraco para os fracos, para ganhar os fracos; fiz-me tudo para todos, para salvar a todo o custo alguns deles'".
A segunda tentação "a ser derrotada" é a do gnosticismo: "Ela leva a confiar no raciocínio lógico e claro, que, porém, perde a ternura da carne do irmão". Mas "a diferença entre a transcendência cristã e qualquer forma de espiritualismo gnóstico está no mistério da Encarnação. Não pôr em prática, não conduzir a Palavra à realidade significa construir sobre a areia, permanecer na ideia pura e degenerar em intimismos que não dão frutos, que tornam estéril o seu dinamismo".
O papa indica o exemplo de grandes santos italianos, de Francisco a Filipe Neri, mas também o personagem de Don Camillo: "Chama-me a atenção que, nas histórias de Guareschi, a oração de um bom pároco se une à evidente proximidade com as pessoas. Don Camillo dizia de si mesmo: 'Sou um pobre padre do interior, que conhece os seus paroquianos um por um, os ama, que sabe as suas dores e alegrias, que sofre e sabe rir com eles'. Proximidade com as pessoas e oração são a chave para viver um humanismo cristão popular, humilde, generoso, feliz. Se perdemos esse contato com o povo fiel de Deus, perdemos em humanidade e não vamos a lugar algum".
Assim, Bergoglio conclui: "'Mas então o que devemos fazer?', dirão vocês. 'O que o papa está nos pedindo?' Cabe a vocês decidir: povo e pastores juntos. Eu, hoje, simplesmente convido vocês a levantar a cabeça e a contemplar mais uma vez o Ecce Homo que temos sobre as nossas cabeças".
No último Sínodo, Francisco falou da "sinodalidade", ou seja, do "caminhar juntos", como uma "dimensão constitutiva da Igreja", também nas Conferências Episcopais. Agora, diz: "Que nada nem ninguém tire de vocês a alegria de serem sustentados pelo povo de vocês. Como pastores, não sejam pregadores de complexas doutrinas, mas anunciadores de Cristo, morto e ressuscitado por nós. Apontem para o essencial, para o querigma. Não há nada de mais sólido, profundo e seguro do que esse anúncio. Mas que seja todo o povo de Deus a anunciar o Evangelho, povo e pastores, quero dizer".
E ainda: "Recomendo-lhes, de modo especial, a capacidade de diálogo e de encontro. Dialogar não é negociar. Negociar é tentar obter a própria 'fatia' da torta comum. Não é isso que eu quero dizer. Mas é buscar o bem comum para todos".
Uma Igreja alheia ao poder não é uma Igreja que está calada: "Que a Igreja saiba também dar uma resposta clara diante das ameaças que emergem dentro do debate público: essa é uma das formas da contribuição específica dos fiéis para a construção da sociedade comum. Os fiéis são cidadãos".
A última recomendação resume, sob a forma de oração, o essencial: "Que Deus proteja a Igreja italiana de todos os substitutos de poder, de imagem, de dinheiro. A pobreza evangélica é criativa, acolhe, sustenta e é rica de esperança".
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Papa em Florença: "Não devemos ser obcecados pelo poder" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU