14 Outubro 2015
Lembrar e enfatizar que o Papa Francisco é "jesuíta e latino-americano", particularmente durante os primeiros meses do pontificado, não só era justo e oportuno, mas também necessário. Tratava-se de "contar" ao Povo de Deus e ao mundo quem era o novo Sucessor de Pedro. Mas fazer com que essas duas características do papa se tornem uma espécie de "absolutos" a serem desfraldados a todo o momento está se tornando contraproducente, e talvez seria o caso de refletir sobre algumas observações que se ouvem cada vez mais.
O comentário é do vaticanista Luis Badilla, publicada no sítio Il Sismografo, 10-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
1) A primeira, bastante óbvia, lembra que o papa, em última análise, é "universal", e que, a partir do momento da sua eleição, de certo modo, ele se "separa", como bispo de Roma e para servir a Igreja chamado a guiar, de toda a sua conotação anterior. Certamente, Francisco continua sendo e continuará sendo para sempre "jesuíta e latino-americano", mas, se isso for apresentado, enfatizado, desfraldado como uma ladainha de formulário, isso acaba enjaulado justamente quem – precisamente o pontífice – não pode nem deve ser jamais enjaulado. Enjaular o papa é a pior maneira de se pôr a serviço da sua missão, mesmo que as intenções sejam boas.
2) Enfatizar que o papa é jesuíta/inaciano ou latino-americano/sul-americano pode ajudar a entender determinadas passagens do pontificado (gestos, decisões e magistério), mas de modo algum essas conotações esgotam todo o complexo e multiforme ministério petrino. Insistir no uso e na proposição dessas conotações, muitas vezes sem que seja necessário, acaba criando a sensação de estar diante de reivindicações indevidas sobre o ministério universal do Santo Padre; reivindicações que, depois, não têm nada a ver com a realidade, porque o papa não guia a Igreja como jesuíta e latino-americano. Não são os jesuítas e muito menos a América Latina que guiam a Igreja. Dar essa imagem não só não é exato, mas também é prejudicial para a vida da Igreja e do próprio pontificado.
3) É claro que – e há muitos momentos do pontificado que evidenciam isto – Francisco se atém ao seu ser jesuíta e latino-americano, assim como outros papas se atinham ao ser europeus; mas também é evidente que, para ele – assim como para os seus antecessores –, tais definições biográficas não são algo que condiciona o exercício do próprio ministério de um modo redutivo e excludente. Ao contrário, aqueles que apresenta o papa continuamente como "jesuíta e latino-americano" e fazem isso para além da medida do senso comum e do objetivamente necessário "colocam" o Papa Francisco em uma posição reduzida e excludente, privando a realidade do pontificado de outras conotações singulares e importantes.
4) Quanto menos definições, menos interpretações e menos hermenêuticas forem propostas sobre o Papa Francisco, mais eficaz será o serviço que cada católico poderá oferecer ao seu ministério. O papa é uma força gigantesca de fé, liberdade e parrésia, reconhecida pelos seus críticos mais ferozes, como não se via há muitos anos não só na Igreja Católica.
Cada "narrativa" ou "interpretação" sobre o papa, embora de autoridade, acaba por aprisionar essa força da qual tanto a Igreja quanto o mundo precisam. Insistir em fazer o contrário levará a uma percepção dramática e falsa: de que o papa é, justamente, de parte. E não só. Acabará também obscurecendo um carisma excepcional seu: fazer-se ouvir por todos, sem intermediários. Francisco não é um oráculo, e, portanto, não são necessárias as pítias [1]. Reconheçamos, todos, essa verdade.
Nota:
1. Sacerdotisas do templo de Apolo, em Delfos, na Antiga Grécia, amplamente renomadas por suas profecias.
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Francisco, jesuíta e latino-americano: "Ok, mas..." - Instituto Humanitas Unisinos - IHU