Por: Jonas | 10 Setembro 2015
Felizmente, começamos a compreender que a chegada da população a Europa não é o resultado de um “efeito chamada”, mas, sim, de um “efeito fuga”, ao mesmo tempo em que começamos a entender que não são imigrantes em sua imensa maioria, mas principalmente refugiados. Pouco a pouco, estamos mudando a terminologia e agora é que começamos a buscar explicação às terríveis imagens de cadáveres que, nos últimos meses, estão sendo veiculadas pelos meios de comunicação e que é impossível nos deixar indiferentes.
A reportagem é de Raquel Martí, publicada por Rebelión, 09-09-2015. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/JL0w5c |
O impacto da devastadora guerra na Síria, que já entra em seu quinto ano, fez com que na atualidade mais da metade de sua população (22,4 milhões) esteja refugiada em outros países, deslocada internamente, exilada ou inclusive morta. A população foge da guerra, a imensa maioria quer deixar o país e chegar a Europa ou a qualquer outro destino que lhes permita salvar suas vidas.
Em minha última viagem à Síria, no último mês de maio, pude comprovar que o único objetivo da quase totalidade das pessoas que conheci era sair do país para chegar à Europa. As conversas giravam todas em torno disso. Muitas das pessoas com as quais estive não se separavam de seu celular, esperando receber a chamada que lhes confirmasse que sua família já estava salva em alguma das costas europeias. Outras, no entanto, contaram-me que após meses de silêncio já haviam perdido a esperança de receber essa chamada.
Há pouco, alguém me disse que “atravessam o Mediterrâneo porque não sabem o risco que correm”. Nada mais distante da realidade. Atravessam o Mediterrâneo assumindo que colocam em risco sua vida. E mais, os barcos que conduzem os refugiados à Europa são conhecidos na Síria como os “barcos da morte”, pois muitos possuem algum conhecido ou familiar que perdeu a vida tentando atravessar em um destes barcos. O motivo pelo qual continuam embarcando é simples: o risco de perder a vida é ainda muito maior na Síria do que no Mediterrâneo.
A Síria contava com meio milhão de refugiados da Palestina, que chegaram ao país após a guerra árabe-israelense de 1948. Viviam em campos de refugiados que, após 67 anos, haviam se tornado bairros das cidades sírias mais importantes. Muitos destes campos, hoje, estão destruídos ou assediados e sua população submetida a uma morte agônica pela falta de alimentos e água. O campo de Yarmouk é o reflexo do uso do “assédio” como arma de guerra, o que fez com que mais de uma centena de pessoas, entre elas muitas crianças e anciãos, já morressem de inanição. Se isso já não fosse o suficiente, a população do campo sofre ataques aéreos do exército sírio e combates em suas ruas entre diferentes facções, incluindo o temido Estado Islâmico. Muitas das pessoas que fogem da Síria provêm do campo de refugiados de Yarmouk, razão pela qual atravessar o Mediterrâneo é a última oportunidade para salvar suas vidas.
Gaza é, ainda que em menor medida, outra das regiões a partir da qual se está buscando, em sua maioria por jovens varões, alcançar o sonho europeu por meio dos recursos mais arriscados. Não obstante o bloqueio israelense e o fechamento da fronteira egípcia, assim como a eliminação da totalidade dos túneis com o Egito, tornem quase impossível sua saída da faixa. É por isso que a falta de esperança diante da dificílima situação na qual vivem, depois de oito anos de bloqueio e após a ofensiva israelense do último verão, está se traduzindo em um aumento elevado de suicídios.
Enquanto isso, milhares de moradores de Gaza se reúnem na fronteira egípcia, nos escassos dias em que o Governo egípcio a abre. Muitos a atravessam para buscar tratamento médico, visitar familiares ou para estudar no estrangeiro, outros, no entanto, para não voltar e procurar um caminho que os conduza à Europa. “É a única coisa que posso fazer para salvar a vida de meus filhos”, disse-me um dos palestinos de Gaza, que chegou após a ofensiva do último verão. “Centenas de meninos e meninas de Gaza foram assassinados por bombas israelenses, felizmente meus dois filhos de 3 e 5 anos sobreviveram a guerra. Mas, se não tento, caso não consigo asilo e fico com a minha família em Gaza, é possível que da próxima vez lhes matem. Não posso ficar de braços cruzados”, acrescenta com firmeza.
É necessário destacar que os que fogem são os que podem pagar a viagem às máfias. Um trajeto de barco ou via terrestre pode custar de cinco a dez mil dólares, razão pela qual as famílias que agem assim são as que podem arcar com os gastos, vendendo todos os seus pertences ou conseguindo o dinheiro emprestado de sua rede de familiares e amigos. Muitos só conseguem o dinheiro para salvar seus filhos ou se o dinheiro não é o suficiente, ao menos um de seus filhos.
No entanto, a imensa maioria permanece e permanecerá sob a sangrenta guerra Síria ou sob o agônico bloqueio e a violência em Gaza. É por isso que embora seja necessária uma resposta humanitária na Europa, assim como a abertura de corredores humanitários para que a população possa chegar até nossos países de forma segura, é muito mais importante que a comunidade internacional apresente as medidas necessárias para colocar fim, de uma vez por todas, à guerra na Síria e à situação de bloqueio e ocupação que a população da Palestina sofre. Caso não se coloque fim aos conflitos no Oriente Médio, continuarão chegando à Europa ou, no pior dos casos, chegarão até nós apenas seus cadáveres.
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A fuga desesperada da população refugiada da Palestina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU