Por: André | 08 Setembro 2015
“O Papa não é marxista, nem populista, nem peronista. É um cristão no sentido mais profundo e quer propagar a palavra de Cristo e a conduta de São Francisco de Assis.”
A análise é de Eduardo F. Valdés, embaixador argentino junto à Santa Sé, e publicada por El País, 03-09-2015. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
Desde o começo de seu pontificado e especialmente após a publicação da encíclica Laudato si’, alguns setores políticos e vários jornalistas tentam enquadrar a figura do Papa Francisco em ideologias e correntes partidárias. No entanto, a centralidade do tema da justiça social nos discursos de Francisco não pode ser extrapolado dos conteúdos da Doutrina Social da Igreja e daí derivam as contínuas referências à dignidade humana, à ajuda aos refugiados e ao cuidado da terra, entendido como ecologia humana total.
Estes temas não são novos. Já em 2009, o então cardeal Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires e presidente do Episcopado, explicava que o princípio fundamental da Doutrina Social da Igreja é a inviolável dignidade da pessoa de que todos participamos, já que todos os homens são filhos de Deus. Deste princípio deriva outro que orienta a atividade humana: o homem é o autor, princípio e fim de toda a atividade política, econômica e social.
A este respeito, Bergoglio ressaltava que de acordo com o Concílio Vaticano II “as excessivas desigualdades econômicas e sociais que há entre membros da nossa sociedade, em nosso povo, são contrárias à justiça social, à equidade, à dignidade da pessoa humana e à paz social e internacional”.
A opção preferencial pelos pobres, sobre a qual o Concílio Vaticano II despertou novamente a consciência, em Medellín, no encontro dos bispos latino-americanos pós-Vaticano II, cobrou um vigor fundamental.
Naquela ocasião falou-se da opção preferencial pelos pobres para tirá-los da pobreza, lutando contra a injustiça. Isso porque, como explicava dom Eduardo Pironio, secretário da Conferência, “quando o homem toma consciência da profundidade de sua miséria vai se despertando nele fome e sede de justiça verdadeira, que o prepara para a bem-aventurança daqueles que serão saciados”.
Desta Igreja alimenta-se o Papa Francisco, que, na Jornada Mundial da Juventude, realizada no Rio de Janeiro em 2013, declarou que seu programa era constituído pelas Bem-aventuranças e por Mateus 25. Desta forma, cada crítica recebida poderíamos rebater com as belas palavras deixadas pelo Sermão da Montanha:
– Os candidatos do Partido Republicano estadunidense e a cadeia Fox acusaram-no de ser marxista pelas críticas realizadas ao sistema capitalista que fez primeiro na exortação Evangelii Gaudium e depois na encíclica Laudato si’, denunciando as disparidades sociais, a exploração e a exclusão dos mais pobres que este sistema produz (Bem-aventurados os pobres, porque deles será o reino dos céus).
– O cientista político Giovanni Sartori culpou-o por ocupar-se de temas que não competem à Igreja por ter instado a não rechaçar as pessoas migrantes e os refugiados (Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia).
– O jornalista Antonio Socci, somando-se às críticas de Sartori, acusou Francisco de ficar calado sobre os massacres de cristãos. Entretanto, consta que no dia 09 de agosto de 2014, o Papa Francisco enviou uma carta ao secretário-geral da ONU, pedindo justamente segurança e ajuda humanitária para os cristãos perseguidos pelas milícias do Estado Islâmico no Iraque. Além disso, o Santo Padre recordou a tragédia dos cristãos perseguidos em todas as mensagens e durante todas as celebrações mais importantes que aconteceram no Vaticano (Bem-aventurados sereis vós quando, por causa de mim, vos insultares e perseguirem, dizendo todo tipo de calúnia contra vós. Alegrem-se e regozijem, porque sua recompensa será grande nos céus).
– Sandro Magister, do L’Espresso, acusa-o de ser populista por seu discurso aos Movimentos Sociais em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, onde disse que todos têm direito a “Teto, Terra e Trabalho” e que o futuro da humanidade “está fundamentalmente nas mãos dos povos” (Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão saciados).
– E, finalmente, a prestigiosa revista The Economist chamou-o de peronista por sua decisão de visitar Cuba antes dos Estados Unidos e sua decisão de visitar o Equador, Bolívia e Paraguai, os três países com grande população ameríndia, qualificando todos estes gestos como a prova de seu sonho de construir as Pátria Grande (Bem-aventurados os que trabalham pela paz, porque eles serão chamados filhos de Deus).
Inútil recordar que o conceito de “povo” ao qual o Papa Francisco se refere e, em particular, ao conceito de “Povo de Deus” não deriva nem do populismo, nem de alguma corrente do peronismo. Pelo contrário, como explica o teólogo argentino Juan Carlos Scannone S.J., essa era uma “noção já utilizada pelo Concílio Vaticano II na Constituição Dogmática sobre a Igreja, a Lumen Gentium”.
O que muitos intelectuais parecem ignorar é que os postulados doutrinários do peronismo bebem explicitamente nos princípios da Doutrina Social da Igreja, por exemplo, de encíclicas sociais como a Rerum Novarum, de Leão XIII (1891), e a Quadragesimo Annus, de Pio X (1931).
A mensagem do Santo Padre transcende qualquer movimento político. Trata-se de colocar o homem novamente no centro da política e isso não tanto como “cidadão” ou como “sujeito econômico”, mas como “pessoa dotada de uma dignidade transcendente”, como pediu em sua visita ao Parlamento de Estrasburgo, em 25 de novembro passado.
“O Papa Francisco leva a caridade até a política”, me disse o prof. Alfredo Luciani, fundador da Associação Internacional Missionários da Caridade Política. Neste sentido, a caridade não deve ser entendida como compaixão ou assistencialismo, mas como uma forma de “amor social”. Um sentimento similar àquele que unia os primeiros cristãos da comunidade de Jerusalém, onde os apóstolos viviam em comunhão fraterna compartilhando tudo, na mesma unidade que constitui o corpo de Cristo.
É difícil entender o desafio que o Papa nos lança, no contexto de uma sociedade global marcada pelos avanços tecnológicos e pelas desigualdades. Para entender o Papa Francisco, o melhor é simplificar. Ele mesmo disse isso no Paraguai, durante a sua última visita pastoral: “O Evangelho nos dá as chaves para enfrentar os desafios atuais”.
O Papa não é marxista, nem populista, nem peronista. É um cristão no sentido mais profundo e quer propagar a palavra de Cristo e a conduta de São Francisco de Assis.
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O Papa não é nem marxista, nem populista, nem peronista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU