Merkel, a menina e a ferocidade que agrada ao eleitor

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21 Julho 2015

Frau Merkel foi inundada por críticas por ter mostrado – diante de uma refugiada palestina em lágrimas – a humanidade e a empatia da senhora Rottenmeier.

A reportagem é de Silvia Truzzi, publicada no jornal Il Manifesto, 19-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Reem Sahwil tem 14 anos, chegou a Rostock, cidadezinha do extremo norte da Alemanha, há quatro anos, depois de viver em um acampamento libanês. A menina, durante um encontro em uma escola, explicou à chanceler que tem medo: tem medo de ser devolvida. "Eu não sei como será o meu futuro, porque não sei se vou poder ficar. Eu também tenho projetos, gostaria de estudar. É uma sensação um pouco incômoda ver como os outros podem viver a sua vida, e eu não."

A resposta da senhora Merkel: "Eu entendo, você é muito simpática, mas, nos campos de refugiados palestinos no Líbano, há milhares e milhares de pessoas, e não somos capazes de fazer com que todos venham para cá".

Reem começou a chorar, e a chanceler tentou consolá-la. Dizendo: "Tudo bem, você foi muito bem". Como se a questão fosse a emoção por ter falado em público (e diante da prestigiada chefe do governo) e não o medo de ser expulsa.

A menina tinha acabado de dizer a uma TV local, contando a sua vida: "Eu lidei muito com a guerra e com a insegurança. Por isso, também estou feliz por estar aqui, porque é muito mais seguro. E o medo que eu tinha antes, que está sempre dentro de mim, enquanto eu estou aqui, continua diminuindo".

Obviamente, a questão é: eu me encontro com a chefe do governo, talvez possa pedir uma mão e não vou causar uma boa impressão. Era fácil de intuir, até mesmo para quem não dispõe de uma chancelaria ou de uma licenciatura em psicologia.

O vídeo de Merkel girou o mundo (assista abaixo), com o habitual séquito de críticas, deboches, piadas, insultos. Comentários diversos: alguns pró-Angela, alguns pró-Reem, alguns espirituosos, outros abomináveis ("Esses aí nasceram chorando"). Mas, atenção, descobriu-se o seguinte: a resposta – impiedosamente realista – à la Cruella de Merkel era inútil.

O ministro para as Políticas Migratórias alemão, Aydan Oezoguz, explicou bem isso no dia seguinte. "Eu não conheço a situação da menina, mas ela fala alemão perfeitamente e vive há muito tempo na Alemanha. Precisamente para pessoas como ela, acabamos de modificar a lei, para dar, aqui entre nós, uma perspectiva aos jovens que se integraram".

A norma já aprovada pelo Bundestag e pelo Bundesrat entrará em vigor nos próximos meses: ela prevê que jovens estrangeiros que vivem ao menos há quatro anos sem interrupção na Alemanha possam ter a permissão de permanência. A lei, em geral, vem ao encontro de todos aqueles que, há muito tempo, vivem na Alemanha, se integraram, mas não tiveram acolhido o seu pedido de asilo (atualmente, cerca de 125 mil pessoas). Fácil, não? Bastava dizer isso.

Os comentaristas também destacaram a desumanidade da chanceler rigorista. Mas não é esse o ponto: tendo que escolher entre informar a menina sobre a nova lei e reiterar o "não podemos acolher a todos", Angela Merkel tomou o segundo caminho. Porque repetita juvant, rapazes. Porque, acima de tudo, é preciso falar para o eleitorado. Porque a obsessão é a de enfatizar primados, regras, diktats e ultimatos, até mesmo quando uma lei já aprovada pode tranquilizar uma menina assustada.

E ainda: a indignação global pelas lágrimas de Reem é facilmente compreensível. Menos compreensível é a substancial indiferença à humilhação de um povo inteiro, ocorrida apenas uma semana antes, aos gritos de "salvemos a Europa". Quem sabe quem vai salvar a Europa da estupidez míope da ferocidade.

Assista ao diálogo de Merkel com a menina Reem abaixo:

{youtube}gIm_2iH5zeA{/youtube}