14 Mai 2015
A impaciência com que o Brasil se pôs a construir centrais hidrelétricas, refinarias, ferrovias, portos e outros megaprojetos desde a década passada, inclusive no exterior, teve como grande combustível o ingente financiamento de seu banco de fomento.
A reprtagem é de Mario Osava, publicada por Envolverde/IPS, 12-05-2015.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) emprestou no ano passado R$ 187,8 bilhões, mais de um terço destinado a infraestruturas. Há anos que seus créditos superam amplamente os do Banco Mundial, em totais anuais.
Por trás das quantias que ditam rumos, ao menos setoriais, para a economia, é necessária uma inteligência, quase sempre ofuscada pelos números grandiloquentes. É o conhecimento acumulado de seus 2.881 funcionários, 85% universitários e 11,4% com pós-graduação.
“Desde sua fundação, em 1952, o BNDES tem uma importância estratégica para o Brasil, isso não mudou, na essência, e de certa forma atualmente o banco é inclusive mais importante do que no passado”, disse à IPS o economista Fernando Cardim de Carvalho, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“Sobreviveu a muitas modas dominantes na política nacional, o desenvolvimentismo do ex-presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) ao planejamento autoritário do general-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) e o neoliberalismo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que tentou mudar sua cultura, sem conseguir”, afirmou Carvalho. Com “o desmantelamento do aparato estatal de planejamento e intervenção desde o fim do regime militar (1985)”, o BNDES ficou como o “último dos moicanos capaz de formular políticas econômicas no país, embora em campos relativamente restritos”, acrescentou.
O Ministério do Planejamento “foi reduzido a uma instância de controle contábil de execução orçamentária e no processo de erosão que demoliu o setor público brasileiro apenas sobreviveram dois órgãos, na área econômica, o BNDES e o Banco Central”, afirmou o professor. Mas, acrescentou, o banco, apesar de “essencial” para financiar obras de infraestrutura, já não é suficiente para as necessidades de investimentos no Brasil, que exigem mecanismos adicionais de financiamento.
O economista lamenta que sua atuação dependa do governo, “que formula estratégias mais gerais”. Isso levou a um “erro importante, que não é de responsabilidade do banco mas dos governos que decidiram usá-lo como instrumento de política anticíclica”.
A crítica de Carvalho se dirige à aceleração de projetos com recursos do Tesouro transferidos ao banco, para manter o crescimento econômico depois da crise global de 2008. “O banco existe para promover objetivos de longo prazo, de transformação produtiva” e impor-lhe outras funções e a dependência financeira do Tesouro “é um erro”, ressaltou.
Mais contundente. Mauricio Dias David, ex-funcionário do banco onde trabalhou até 2009, atribui às “facilidades de financiamento sem controle”, por considerá-las anticíclicas, os créditos concedidos a “muitos projetos inconsistentes” e “elefantes brancos”, como estádios de futebol construídos ou reformados para a Copa de 2014.
Antes, quando era pequeno, o banco era “criativo e tinha capacidade crítica” que se perdeu com seu “crescimento e sua burocratização”, segundo David, agora professor de economia na Universidade Estatal do Rio de Janeiro. Sem a crítica são aprovados maus projetos cujos custos e inclusive insolvências explodirão mais adiante, disse à IPS.
O financiamento do BNDES foi multiplicado por seis durante os governos do PT, primeiro com Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e agora com Dilma Rousseff. O número de seus funcionários quase duplicou neste século, com 35,8% de mulheres. São selecionados por concurso e desfrutam de estabilidade trabalhista.
O potencial do banco atrai graduados das melhores universidades, porque oferece “o melhor emprego em uma instituição federal do Rio de Janeiro”, segundo Marcelo Miterhof, assessor da presidência do BNDES. O conhecimento se forma principalmente na própria atuação do banco, em análises de projetos, diálogo com as empresas e com pessoas de diferentes especializações, explicou o economista, há 13 anos na instituição.
“Nossos técnicos não sabem mais sobre temas específicos, como energia ou logística, do que os órgãos especializados ou empresas, mas ganham visão de conjunto, sistematizam setores, têm a oportunidade de aprender muitos temas”, relatou Miterhof à IPS. Além disso, há mecanismos internos, como seminários, grupos de discussão, o “café do conhecimento” no qual especialistas de fora ou de dentro do banco expõem temas específicos “como energia eólica”. O intercâmbio de funcionários cedidos a outras instâncias do governo também contribui para o aprendizado permanente.
O pessoal do banco e seus “pensadores” estão distribuídos em 20 áreas, entre elas Infraestrutura, Industrial, Comércio Exterior e Meio Ambiente, além das estratégicas de Planejamento e Pesquisas Econômicas. A divisão do conhecimento também se dá pela revista BNDES Setorial, com edições semestrais e artigos de autores internos e externos.
Miterhof explica que com banco o BNDES não promove o desenvolvimento por si só, depende da iniciativa e de demandas dos clientes. Mas, às vezes surgem propostas não reativas, como o Programa de Modernização da Administração Tributária, que apoia prefeituras para melhorar a gestão financeira e os serviços aos cidadãos.
A dimensão ambiental foi incorporada gradualmente nas atividades do BNDES. Começou na década de 1970 em colaboração com as autoridades do setor. Depois foi criada uma gerencia para “apoiar avaliações de projetos e políticas internas” do banco, um departamento nos anos 1990 e a atual “área” em 2009.
Com esse status, o meio ambiente tem seus representantes nos comitês que selecionam os pedidos de crédito e aprovam resoluções e diretrizes, que se somam às de outras instâncias que ditam a governança do banco, explicou à IPS o chefe do Departamento de Meio Ambiente, José Guilherme Cardoso.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, realizada no Rio de Janeiro, intensificou a ação ambiental do banco, que hoje responde pela gestão do Fundo Amazônia, que financia projetos nesse bioma e promove iniciativas próprias. Um exemplo é o Programa BNDES Restauração Ecológica, que destina recursos a fundo perdido para recuperar a vegetação em outros biomas, com a Mata Atlântica (florestas da costa leste que adentram o continente), os Pampas no sul e a savana do cerrado, no centro do país.
A questão ambiental se estendeu a variadas instâncias e ações do banco, como o Comitê de Sustentabilidade e a Gerência Socioambiental da Área de Planejamento, dessa forma permeando todos os níveis de decisão, com a seleção dos projetos a serem financiados e a aprovação de resoluções sobre diretrizes geais.
A complexidade dos temas interligados ganha corpo no desenvolvimento territorial que o BNDES tenta promover na área de impacto da Central Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, envolvendo a população e os governos locais. Trata-se de uma abordagem que busca superar os fortes conflitos que gera uma obra como a construção de uma central com capacidade de 11.330 megawatts, uma das maiores do mundo, em uma região pobre. “Impressiona a mobilização da sociedade civil, já bem organizada, que participa intensamente das reuniões plenárias”, para gerir o plano de desenvolvimento local, disse Ana Maria Glória, da Área de Planejamento do BNDES e que acompanha o processo com visitas à região.
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Muito dinheiro, conhecimento e polêmicas no BNDES - Instituto Humanitas Unisinos - IHU