27 Abril 2015
Na capital armênia, aos 24 de abril, no centenário do Metz Yeghérn, o “grande mal”, quem representava o Papa era o cardeal Kurt Koch, presidente do Pontifício conselho para a unidade dos cristãos. Não estavam, portanto, nem o secretário de Estado Pietro Parolin, nem o secretário para as relações com os Estados, Paulo R. Gallagher.Ao perfil político da representação é anteposto voluntariamente o perfil religioso.
O comentário é de Sandro Magister, publicado no seu blog Settimo Cielo, 24-04-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
No mesmo dia, em Pádua, aonde se dirigira para uma “lectio” na Faculdade de teologia do Triveneto, o cardeal Parolin jogou água sobre o fogo das reações da Turquia às palavras incendiárias do Papa Francisco no domingo, dia 12 de abril.
Disse Parolin: “Aquilo que devíamos fazer nós o fizemos, o Papa falou de maneira muito clara e ao mesmo tempo discreta sobre este tema. Falou sempre como já havia explicado no avião no voo de retorno da viagem à Turquia, ou seja, em termos de reconciliação. Se relembramos estes acontecimentos, não é para suscitar mais animosidades, mas para convidar todas as partes, através de meios considerados mais oportunos, a se aproximarem, a darem uma interpretação comum da história, a encontrarem motivos de entendimento. É positiva a disponibilidade a estudar a história”.
Na realidade, entre o Papa e a Secretaria de Estado, nem tudo correu de modo tão liso, sobre a questão armênia.
Durante sua viagem à Turquia, em fins de novembro, Francisco havia obedecido diligentemente às consignações da diplomacia vaticana, mas antes e bem mais às do presidente turco Erdogan.
Silêncio absoluto sobre a questão armênia. E palavras muito prudentes também no final da viagem, na conferência de imprensa no avião de retorno a Roma.
Depois, na quinta-feira dia 9 de abril, Francisco deu audiência no Vaticano ao Sínodo da Igreja armênio-católica. E também ali se pronunciou com palavras mensuradíssimas, calibradas uma a uma na secretaria de Estado. Ali ele não falou em 'genocídio' mas em “aniquilação sistematicamente programada”.
O cerne do discurso era a invocação a “apressar gestos concretos de reconciliação e de paz entre as nações que ainda não conseguem chegar a um razoável consenso sobre a leitura de tão tristes ocorrências”.
Sobre os armênio-católicos presentes o discurso caiu como uma ducha gelada. Não esconderam ao Papa sua desilusão. E conjuntamente sua espera de uma denúncia mais explícita e mais forte do genocídio, chamado finalmente com este nome, nas solenes celebrações em programa no domingo subsequente.
Sexta-feira, 10 de abril.
Francisco recebeu em audiência primeiramente o professor Andrea Riccardi, fundador da comunidade de Santo Egídio e recente autor de um livro sobre a cidade de Nardin, uma das mais feridas pelo genocídio de 1915, depois o arcebispo Kissag Mouradian, primaz da Igreja apostólica armênia na Argentina, que é seu amigo de longa data. E ambos estes colóquios devem ter ulteriormente induzido o Papa a interromper as delongas.
Na missa de domingo 12 de abril, em memória do martírio armênio, Francisco decide, portanto, antepor uma “saudação” para os fiéis de rito armênio. E a escreve ele próprio. Com este explosivo início, em deliberada afronta à diplomacia:
“Caros irmãos e irmãs armênias! Em diversas ocasiões defini esta época como um tempo de guerra, uma terceira guerra mundial em parcelas, na qual assistimos cotidianamente a crimes desumanos, a massacres sanguinolentos e à loucura da destruição. Infelizmente ainda hoje ouvimos o clamor sufocado e transcurado de tantos nossos irmãos e irmãs inermes, os quais por causa de sua fé em Cristo ou de seu pertencimento étnico são pública e atrozmente assassinados – decapitados, crucificados, queimados vivos -, ou então constrangidos a abandonar a sua terra.
Também hoje estamos vivendo uma espécie de genocídio causado pela indiferença geral e coletiva, do silêncio cúmplice de Caim que exclama: ‘Que me importa? Será que sou o custode de meu irmão’? Nossa humanidade viveu no século passado as três grandes tragédias inauditas: a primeira, aquela que geralmente é considerada como o primeiro genocídio do século XX; esta golpeou o vosso povo armênio – primeira nação cristã -, juntamente com sírios católicos e ortodoxos, assírios, caldeus e gregos. Foram assassinados bispos, sacerdotes, religiosos, mulheres, homens, anciãos e até crianças e enfermos indefesos. As outras duas foram aquelas perpetradas pelo nazismo e pelo stalinismo. E, mais recentemente, outros extermínios em massa, como aqueles no Camboja, em Ruanda, em Burundi, na Bósnia. No entanto, parece que a humanidade não consegue cessar de derramar sangue inocente...”.
Suores frios na Secretaria de Estado, quando vêem recapitular em visão, - e somente em visão -, com a ordem de não mencionar a palavra ' genocídio' – este texto explosivo.
No domingo de manhã, em São Pedro, Francisco a pronuncia. E no giro de poucas horas as autoridades turcas se insurgem contra ele, com reações veementes e traços insultantes.
Na manhã seguinte, 13 de abril, na homilia em Sana Marta, Francisco se detém no trecho dos Atos dos Apóstolos: “E proclamavam a palavra de Deus com franqueza”.
“Podemos dizer, - sublinha o Papa, - que também hoje a mensagem da Igreja é a mensagem do caminho da coragem cristã, da franqueza”. Do original grego, explica, esta palavra pode ser de fato traduzida com “coragem”, “liberdade de falar”, “não ter medo de dizer as coisas, com liberdade”.
Agora, na Secretaria de Estado, a consigna é a de calar e deixar “decantar”. Também Francisco está de acordo. Porque agora, aquilo que devia dizer, ele o disse.
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Genocídio armênio. Francisco entre diplomacia e “parresìa” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU